Nomes de projeto, ou codinomes, não são sempre aleatórios. Por trás de coisas que parecem sem nexo, estão partes interessantes da história do desenvolvimento daqueles futuros produtos. O iPhone original, por exemplo, era chamado internamente "Purple". Purple, dizem alguns, seria a cor do mascote do programa de debug usado dentro da Apple, daí a sala de desenvolvimento ficou conhecida como "Purple Dorm".
Nos anos 90, a Sega trabalhava simultaneamente em vários produtos. E em algum ponto, começou a nomeá-los como astros. Planetas, satélites, constelações e galáxias: tudo serviu para batizá-los. Até times de design ganharam nomes estelares.
A razão exata é incerta. O que se sabe é que, após o bem-sucedido lançamento do Mega Drive (pelo menos no ocidente), praticamente todas as empreitadas seguiram esse padrão. O Mega Drive era chamado de Mark V — porque era a sequência do Master System, que no Japão foi lançado primeiro como Mark III.
E o Mark IV? O primeiro console da Sega foi o SG-1000; infelizmente, a história de seu desenvolvimento é um tanto escassa, mas por dedução, acredita-se que seu codinome fosse "Mark". Apesar de ter uma contraparte em forma de computador, o SC 3000, sua atualização foi o SG-1000 II (provável Mark II). O Mark III foi o precursor do Master System — este sim documentado como Mark IV durante o desenvolvimento.
De Mercúrio a Marte
O primeiro a ganhar nome de planeta foi o Game Gear. O portátil, lançado em outubro de 1990, era conhecido como Project Mercury. Sua tentativa era combater o novo portátil da Nintendo, o Game Boy.
Por que a Sega começou ali a usar planetas? Ao que parece, ninguém sabe. Ou pelo menos, não existe tradução de qualquer artigo japonês da época que faça referência ao tema.
O que se sabe sobre o Projeto Mercúrio é que seu primeiro nome cogitado para o mercado era Micro Drive. Uma impressão artística o retratava quase como um Mega Drive portátil, embora a matéria citasse sua arquitetura com processador Z80 8-bit.
Depois do Game Gear, o próximo projeto da Sega foi o Sega CD, mas não há nome espacial conhecido atribuído a ele. De fato, o acessório evoluiu de uma série de investidas da empresa, como o "Giga Drive", que acabaria se transformando em coisas bem diferentes (leia mais adiante).
Foi assim que pulamos de Mercúrio direto para Marte.
Projeto Marte
Era véspera da abertura da Winter CES, janeiro de 1994. Num tipo de conferência improvisada num quarto de hotel, nasceu o Project Mars. Joe Miller, chefe de pesquisa da Sega, convidou alguns colegas a participar da ligação que receberia do presidente Hayao Nakayama, direto do Japão. Entre outros, estavam ali Tom Kalinske, o diretor-técnico Scot Bayless e o chefe de desenvolvimento do Japão, Hideki Sato.
O momento era conturbado. O Genesis fazia enorme sucesso, mas a Sega andava preocupada com os passos de competidores. Para se manter à frente, planejavam algo como um "upgrade" do Mega Drive. Segundo Bayless, até o Atari Jaguar, àquela altura, era considerado ameaça:
O 32X começou essencialmente com uma ligação para Joe Miller na CES. Ele, Marty Franz [vice-presidente de tecnologia] e outros caras da produção sênior estavam na suíte de Joe quando veio a chamada. Nakayama-san estava ao telefone e as palavras foram "Temos que conter o Jaguar. Faça acontecer".
O conceito do 32X foi desenhado, ainda segundo Bayless, num guardanapo de coquetel após aquela chamada. Em outra ocasião, completou que "Franz pegou um daqueles blocos de anotação de hotel e desenhou alguns processadores Hitachi SH-2, cada um com seu próprio frame buffer. Foi bem ali que o 32X começou".
Miller não lembra de guardanapos, mas que estavam desenhando "imagens e diagramas de sistema". E lembra também que, mesmo antes da CES, sabiam que a Sega do Japão discutia um modo de incrementar o desempenho do Mega Drive. O 16-bit vinha parecendo ultrapassado diante das melhorias que a Nintendo mostrava em jogos do Super Famicom.
"Era uma nova plataforma (ninguém dava codinomes como Jupiter na ocasião, nem mesmo Mars naquele ponto)", explicou Miller. "E havia certo conhecimento que o Japão tinha uma ideia de plataforma do Genesis com mais cores e apto a usar 3D. Tirar algo do que aprendemos com o chip SVP e integrar algo mais capaz para construir uma nova plataforma. Ainda seria uma plataforma 16-bit, com capacidades 32-bit limitadas".
O SVP, para quem não lembra, foi o chip usado na conversão do arcade Virtua Racing — o jogo poligonal parecia muita areia para o caminhão do velho 16-bit. Corre a história de que o SVP teria sido concebido em paralelo ao Mars. Mas não é verídica:
- Com o Mars nascendo na Winter CES 94, sobrariam dois meses até o lançamento do SVP, que foi em março.
- A patente do SVP tem como data 30/10/1992, e revistas começaram a falar dele em 1993, antes da CES. Como o arcade foi lançado em agosto de 1992, é certo que a Sega já começou a bolar um jeito de colocá-lo no Mega Drive sem demora.
- Também em 1992, houve o registro de patente de um formato de cartucho de upgrade, possivelmente carregando o SVP — uma conexão similar a do Game Genie.
O SVP estava quase pronto enquanto o Mars começava. E como lembrou Miller, a disposição do Japão era usar a experiência adquirida com o chip para desenvolver algo mais robusto, mas ainda 16-bit. Para manter o foco no 32X, qualquer plano com o SVP foi esquecido, incluindo o formato de cartucho independente.
Nakayama determinou que o Mars fosse desenhado para lançamento antes do Natal. Entre a ordem e o fim do prazo, menos de um ano; apertado para levar algo da prancheta às prateleiras. Vários desenhos foram logo discutidos. "Alguns eram mais simples, outros complexos, mas em geral todos estavam na categoria do que a Sega do Japão queria", disse Miller.
Mega Drive 2.0 vs 32X
Sato tinha um conceito de Mega Drive melhorado por um chip Hitachi (possivelmente um SH-1) e paleta de 512 cores, contra 61 do Mega Drive padrão. Alguns dizem que Miller se opôs, opinando que seria melhor criar um acessório para "reciclar" a base de usuários do Genesis em vez de aliená-los com outro console.
Segundo o próprio, porém, foi uma decisão em conjunto:
Acho que eu nunca disse isso [que o projeto de Sato era má ideia]. Não era o tipo de relacionamento que tínhamos. Mas no fim da CES, coletivamente chegamos a algo que pensávamos que funcionaria melhor. Eles acharam bem legal e disseram "Isso é ótimo, por que não nos ajudam? Nos ajude a descobrir como fazer isso".
O novo Mega Drive de Sato era mais caro, e o acessório ganhou preferência. Assim nasceu o 32X, sob responsabilidade do STI* e com supervisão oriental. Era a primeira vez que a matriz oferecia desenvolvimento de hardware aos americanos (o que levanta questões sobre o interesse deles naquilo).
Segundo Toshiyasu Morita, um dos diretores-técnicos do STI, seu propósito era servir como distração enquanto o Saturn não se firmava:
Na verdade eu estava na reunião em que Shinobu Toyoda nos pediu para desenvolver uma peça de hardware que estenderia a vida do Genesis, porque esperava-se que o crescimento de vendas de software do Saturn fosse lento, provavelmente devido a seu alto custo.
Para Miller, o 32X não era um conceito ruim. Mais que tapa-buraco para capitalizar sobre donos de Mega Drive, serviria para criar ferramentas úteis no Saturn, e como treinamento para programadores:
Uma das histórias não contadas do 32X é que na verdade, ele ajudou os times de desenvolvimento que tinham sido bem-sucedidos no Genesis a avançar para o Hitachi SH-2; dois SH-2, no caso. E havia uma porção de rotinas, uma coleção de ferramentas e compiladores que criamos para dar suporte ao desenvolvimento no 32X, que foram adaptadas e portadas para o Saturn.
O lançamento mais cedo [do Saturn] significou que tivemos que acelerar tudo aquilo no processo — todas as ferramentas compartilhadas de desenvolvimento, toda a documentação — e ter os desenvolvedores preparados 6, 8, 12 meses antes do que prevíamos ou esperávamos.
América Marte, Japão Saturno
Apesar de fomentar o projeto dos Estados Unidos, japoneses tinham outros planos. Durante visita ao Japão entre o final de 1992 e começo de 1993, Kalinske, Nielsen e Toyoda conheceram outro projeto de acessório para Mega Drive, similar ao 32X. Segundo o livro Console Wars, era um upgrade 32-bit, conectado ao 16-bit para fazê-lo mais poderoso.
"Isso vai permitir jogar os games normais do Mega Drive", indagou Kalinske, "ou requerer um tipo diferente de software?" O time de P&D orgulhosamente explicou que seria requerido um novo e poderoso software para jogar em 32-bit. Mais importante, a Sega seria a primeira empresa a alcançar a nova fronteira, como tinham feito nos 16-bit.
Nilsen, recém-promovido a chefe de marketing global, reprovava qualquer formato. Kalinske idem. Gostando ou não, agora tinham dois sistemas 32-bit: um usando cartuchos e cavalgando o Genesis na mesa americana, e outra independente e usando CDs na japonesa.
A Sega do Japão, antes e no início do Mars, discutia internamente o que chamavam de Project Jupiter. Seria um Saturn usando cartuchos. Tal ramificação perdeu força e jamais saiu da etapa teórica.
"Acho que Sato estava sentindo que o custo da dissipação de calor e uso de CD do Saturn era muito mais atraente do ponto de vista do custo", contou Bayless. "Assim, o Jupiter foi oficialmente colocado para dormir e nasceu o Mars".
Sato resumiu o Jupiter e o motivo de seu cancelamento:
No começo, estávamos indecisos sobre que formato de mídia usar em nosso novo sistema 32-bit: cartucho ou CD-ROM. Internamente, chamamos a versão de cartucho de Jupiter, enquanto a versão de CD-ROM foi chamada Saturn. Trabalhamos em ambos os sistemas em paralelo até a metade do caminho, quando a maior capacidade de armazenamento dos CDs ganhou o dia para o Saturn.
Não é claro quanto o Mars herdou do Jupiter, se herdou algo. Ou ainda se não passou de uma hipótese pouco explorada. Vale lembrar que desde sempre, a Sega queria aperfeiçoar o que aprendeu com mídia digital no Sega CD. Cartuchos não seriam prioridade, mas um plano paralelo, o que nos leva a entender Jupiter como o plano B.
Com Jupiter dormindo para sempre, a Sega da América debruçou-se sobre o Mars. Colocaram nele os mesmos processadores do Saturn, com clocks reduzidos de 28.6 para 23 MHz. Um poderoso cavaleiro 32-bit montado nas costas do Meguinha. Enquanto isso, Saturn seguiu firme em seu desenvolvimento, que resultou num dos hardwares mais elaborados e confusos já feitos.
Outros astros
O Sistema Solar, ou melhor, Sistema Sega, teve mais astros. O Neptune seria uma conveniente variação do Mars: um Mega Drive fundido com 32X, compatível com qualquer modelo do Sega CD. A meta era alcançar quem quisesse o acessório, mas não tivesse o 16-bit ainda. Quem gastaria em dois produtos, sendo um no fim da vida comercial, precisando de duas fontes e ocupando mais espaço? Muito melhor ter Netuno trazendo tudo.
O preço estimado era inferior a US$200, ou £200 na Europa. Mas a fraca recepção ao 32X e a aproximação dos "verdadeiros" 32-bit levaram o Neptune ao aborto. Não se sabe até que ponto chegou. Imagens de um protótipo circularam no começo de 1995 em revistas. Um cara fez um Neptune caseiro, mas a coisa real mesmo, nunca apareceu.
"Quando o Neptune entrou em discussões mais sérias", lembrou Bayless, "o CEO Hayao Nakayama já colocava suas fichas no Saturn. Isto, junto ao fato do 32X estar claramente falhando, tornou o Neptune sem sentido".
Houve ainda o Pluto, um Saturn remodelado que teve dois protótipos funcionais, até onde se sabe. Dos vários planetas-projetos, portando, três seguiram: Saturn como linha principal, Mars como acessório do Mega Drive, e também Venus, que resultou no portátil Nomad, lançado em outubro de 1995.
Nem só de planetas
Duas luas de Saturno batizaram projetos "orbitando" os principais:
- Titan (ou ST-V, de Sega Titan Video) foi a placa de arcade baseada no Saturn. Era uma opção mais barata que a Model 2, mas não obteve sucesso.
- Janus, satélite de Saturno, foi codinome do Sega Picture Magic, um tipo de tablet gráfica feita com o mesmo hardware do 32X.
Na temática espacial, certas divisões da Sega foram nomeadas como constelações:
- Team Andromeda: fundada em 1994, produziu a série Panzer Dragoon.
- Team Aquila: produziu Clockwork Knight, Clockwork Knight 2, Victory Goal, Sega International Victory Goal, Victory Goal '96, e Sega Worldwide Soccer 97.
- Team Vega: de J. League Pro Soccer Club o Tsukurou!
- Team Ara: trabalhou em Clockwork Knight 2.
Só após o Saturn, a Sega remodelou seu padrão de projetos. Os astros ficaram para trás, e o Dreamcast teve como codinomes "Dural" e "Black Belt". Talvez uma tentativa tardia de mudar a sorte, destruída pelo fiasco de Saturno.
bons tempos do 32x, Sega Saturn e do poderoso mega drive...O planeta de Saturno me fascina e muito! Quando se fala em planetas sempre me lembra do Sega Saturn e da banda Stratovarius que gosto muito. A sega passou por grandes processos e evoluções...eu já disse uma vez que a nintendo só é o que é hoje por causa das invenções da Sega...sim, a nintendo quando viu o Sega CD ficou assustado com aquilo e quase lançou o seu Nintendo CD, era uma briga boa essa da Sega vs Nintendo. Tanto o 32x, Sega CD, Sega Saturn e até o poderoso mega drive tinha ótimos nomes e nome para o mercado de jogos eletrônicos...acredito que a Sega tinha mais carisma do que a Nintendo em termos de games e designer...Afinal não tem como o Poderoso mega drive com o tempo ficar branco essa é a verdade!!!! Ótimo texto e gostei das definições e evoluções dos video games da sega!!!! Como eu já disse um tempo atrás...Quando Bill Gates tentava contratar ex funcionários da Sega para criar o designer para o futuro e promissor XBOX da vida...lembro de ter lido isso em aguma revista da época, muito interessante, só não sei se Bill Gates chegou a contratar esses ex funcionários da época. Mas o interessante mesmo é que eu cheguei a jogar o primeiro xbox e o controle era praticamente o clone do controle do Sega Saturn, estranho isso!!!! Valeu galera!!!!