Recém-lançados, Elden Ring e Sifu (confira a análise) trouxeram de volta a velha discussão sobre a dificuldade nos games. Com poucas fases, o beat 'em up da desenvolvedora francesa rapidamente dividiu jogadores entre adoradores do desafio e odiadores da mecânica de morrer dezenas de vezes até aprender. Já o badalado Elden Ring estreou com notas perfeitas em alguns sites, que elogiaram o desafio acima da média.
Não é novidade que alguns jogos buscam não só oferecer desafio, mas testar o limite da técnica (e paciência) do jogador. No passado, com limitações que impediam produções elaboradas, não se discutia o sentido. A jogabilidade repetitiva da era Atari 2600, por exemplo, só funcionava se o desafio mantivesse o público ocupado.
Mas e depois? Por que atormentar a vida do jogador com dificuldades aterradoras e chefes que o surram impiedosamente por horas ou dias? Como o público apreciaria o pacote completo se ficasse preso numa fase?
![sifu subchefe primeira fase](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2022/02/sifu-subchefe-primeira-fase-08_02_2022-1024x576.webp)
Parte do público tomou gosto pelo desafio hard. Conscientes disso, desenvolvedores lançaram mais títulos que se destacaram desde os consoles 8 e 16-bit, como Battletoads, Ninja Gaiden e Contra. Alguns eram descaradamente baseados no apelo que Sifu revisita: o fato inexorável de que você vai morrer uma, duas, dez vezes até aprender. Como em Ghosts 'n Goblins, Mega Man e Castlevania.
Ótimo que existam, certo? Mas nem todo mundo vê tal coisa como mais uma linha que diversifica uma indústria. Pra estes, quanto pior melhor em termos de dificuldade.
Jogador "de verdade"
Há algumas semanas, o produtor David Jaffe (de séries como God of War e Twisted Metal) causou polêmica inesperada ao publicar no Twitter sua opinião sobre os jogos muito difíceis que vêm surgindo e se destacando.
Para ele, títulos como Kena: Bridge of Spirits (análise), Metroid Dread e Returnal marchando rumo aos "games super desafiadores" podem ser fruto da geração de designers criados na era do NES. Mas que além de odiar "essa merda", a dificuldade elevada "é como se devs quisessem afastar os jogadores".
Embora seja só uma opinião – obviamente não compartilhada por outros designers e parte do público –, bastou para um rebuliço. Gente que adora jogos difíceis apareceu para garantir que só "jogadores de verdade" gostam de desafio. Sabe como é, o papo de "a geração nutella nunca vai saber o que é zerar um Battletoads", etc.
Note que Jaffe passa longe de ser "geração nutella": nascido em 1971, o primeiro trabalho dele foi Mickey Mania, de 1994.
Quando o ápice gráfico era ter vários sprites simples como em Space Invaders, o único jeito de manter o jogador preso era o desafio. Jogos fáceis eram descartáveis pra fazer sucesso por longo tempo. No Atari 2600, a maioria sequer tinha final, sendo objetivos o melhor placar ou chegar o mais longe possível nos ciclos de fases que se repetiam.
Com gráficos 2D dos 8-bit e 16-bit, objetivos foram mudando. Mais elaborados, jogos passaram a ter finais, histórias e personagens complexos, mas ainda eram abundantes os que focavam no desafio. Foi quando nasceram clássicos da dificuldade extrema, como Battletoads, Shinobi, Ninja Gaiden e Mega Man, entre tantos.
![Mega Man](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2013/10/10.webp)
Funcionava com o público da época. Lembre que videogames ainda não tinham o alcance atual, tanto em demografia quanto tecnologia. Dispositivos móveis eram no máximo Game Boy e Game Gear, não celulares onipresentes que pedem jogos casuais. Consoles estavam nas mãos de crianças e adolescentes, com tempo de sobra para passar semanas descobrindo como bater um chefe de fase.
O tempo passou, veio a geração dos consoles 32-bit, com CDs e produções mais ambiciosas. Em vez de nos prender com um desafio feroz, outros elementos ganharam corpo, como a narrativa, a exploração e até contemplação.
Caminho inverso
Sem dúvida, jogos mais acessíveis ajudaram videogames a virar o que são hoje. Se fizeram sucesso é porque havia demanda. Mais do que jogar, muitos queriam curtir a história e o pacote tecnológico, não investir seu escasso tempo passando raiva. O consumidor médio não queria ficar semanas rodando num mapa sem orientação.
Desenvolvedoras entenderam o recado. Foram surgindo tutoriais sem fim, mapas detalhados, checkpoints a cada esquina, rewinds e outras facilidades.
A facilidade virou padrão, mas saturou. Foi mais ou menos quando ganhou força a história do "Jogador Nutella vs Gamer de Verdade". No fim dos anos 2000, o movimento começou a se inverter. O influente Demon's Souls chegou em 2009 tirando o conforto ao qual o público médio vinha se acostumando, mesmo para RPGs.
![Demon's Souls PlayStation 5](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2022/02/demons-souls-ps5-1024x576.webp)
Com desafio fora do normal, Souls força o jogador a morrer muitas vezes até aprender, um verdadeiro exercício de estoicismo e perseverança. Curiosamente, o aprendizado pela dor o fez idolatrado por jogadores que careciam da velha abordagem.
No ano seguinte, outro que fez sucesso tirando o jogador do conforto foi o independente Super Meat Boy. Remetia ainda mais aos clássicos do passado: apesar de modernizado, o estilo retrô com extrema dificuldade agradou público e crítica. Outros vieram ao longo da década, como Dark Souls (2011), Shovel Knight (2014) e Cuphead (2017) – alguns dos jogos mais difíceis já feitos.
Muita gente reclamou em reviews de Sifu, pedindo uma seleção de dificuldade. Mas jogos como este tem um DNA. Permitir que sejam vencidos com mais facilidade seria um erro. Tal como dificultar jogos contemplativos, exploratórios e/ou narrativos, como Life is Strange (análise) e Heavy Rain.
Fases
Sinceramente, já não tenho tanto tempo e paciência, então entendo a opinião do Jaffe. Sempre que bato de frente com um boss que atravanca meu caminho, sinto como se estivesse deixando de fazer outras coisas. Um obstáculo que parece uma parede instransponível não condiz mais com minha definição de diversão.
![god of war gunnr valquiria](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2022/01/god-of-war-gunnr-valquiria-1024x576.webp)
Até as Valquírias de God of War, jogo tranquilo no modo padrão de dificuldade (Baldur é um dos chefes finais mais fáceis que me lembro de ter enfrentado), me deram preguiça. Já se foi o tempo em que eu passaria meses praticando até vencer oponentes aparentemente invencíveis. O senso de recompensa não vale o estresse.
Talvez seja sinal da idade. Ou de preguiça, imperícia, tanto faz. Mas ainda bem que a indústria tem conteúdo pra todos os gostos.