O que um bom jogo ou boa trama de fantasia medieval precisa? Dragões, capa e espada, uma mulher forte com espada na mão estilo Xena? Anões e fortões, magia, um vilão maligno de visual assustador? Reino em perigo, mortos-vivos, vinganças? Bichos estranhos, vilarejos sob ataque, artefatos místicos? Ambientação perfeita, envolvente, música impecável, jogabilidade?
Gerações mais novas pensam logo em Skyrim, mas bem antes, um joguinho minúsculo – míseros 256 kB – e que sequer RPG era (logo, menos apto a contar uma história) apareceu com a fórmula: Golden Axe.
O arcade da Sega bebia principalmente na fonte de Conan e não tinha a tecnologia disponível para um grande mundo aberto. Mas usou as referências da época, de beat 'em ups e hack and slashes, para uma das melhores ambientações que me lembro de ter visto em videogames.
Mas o que é ambientação, exatamente?
Double Dragon com espadas?
Tudo que envolve o jogador na trama, época e estilo. Desde a arte dos cenários como vilarejos e castelos até a trilha sonora, havia no remoto 1989 uma composição em Golden Axe que nos fazia mergulhar naquela dimensão heroica, violenta, mágica, com um quê de épica. Pelo menos até aquele final lisérgico do arcade, que quebra a quarta parede e deixa você tanto perplexo quanto meio indignado.
Num meio termo entre alta e baixa fantasia, onde a primeira acontece num mundo totalmente fictício e mágico e a segunda, numa variação do mundo real onde coisas fantásticas acontecem, a criação de Makoto Uchida não inventa tanto, mas poderia bem ter saído de algum livro ou série de quadrinhos consagrada. Lembra muito a Era Hiboriana de Robert E. Howard – embora o universo e data exatos de Golden Axe sejam desconhecidos, o de Conan é estimado entre 35500 e 10000 a.C. Sendo assim, não seria exatamente "medieval", mas é a era mais influente na concepção geral.
O trio Ax Battler, Tyris Flare e Gilius Thunderhead teve uma química de rara felicidade. Sendo tão diferentes, suas jogabilidades próprias se mesclavam com personalidades coesas com o tema. Há quem proteste hoje contra o biquini de Tyris, mas ele não vai longe das fontes de inspiração de Machida, que remontam à literatura e cinema das décadas anteriores.
Lógico que a referência descarada do fortão bárbaro é Conan, e mais especificamente, "aquele." Machida admite que a inspiração veio "quando assisti o filme Conan o Bárbaro com o ex-governador da Califórnia [Schwarzenegger]", mas também pesquisou artes de Boris Vallejo e "por fim, li O Senhor dos Anéis. Estava tão encantado que sonhei com aquilo à noite".
Machida fez um remix em que o protagonista busca vingança contra um feiticeiro enquanto abre caminho com sua espada mística. Em Golden Axe, tal como Conan, que teve os pais assassinados por um tirano, os três heróis perderam entes queridos. Não temos espada mas sim o Machado Dourado, arma que garante a estabilidade do reino de Yuria.
Não é como se Machida tivesse tentado esconder suas referências. O que não tira os méritos; é difícil imaginar como poderia ter funcionado melhor. O conjunto de inimigos também é inesquecível, como os implacáveis esqueletos que brotam do chão, guerreiras que aparecem montadas em dragonetes e a cocatriz, que já havia dado as caras em outro jogo da Sega, o não menos reconhecido Altered Beast.
Os esqueletos, ao que tudo indica (não encontrei confirmação de Uchida), foram chupinhados também com pouca ou nenhuma cerimônia de uma cena de Jasão e os Argonautas, de 1963. Veja se não lembra a aparição dos inimigos a partir da terceira fase do jogo.
O resultado desse bolo de personagens marombados e esguios como os de Vallejo, quadrinhos de fantasia e cinema foi tão forte que, dentro do universo da Sega, os únicos que fazem sombra aos guerreiros são os policiais de Streets of Rage, Akira de Virtua Fighter e claro, o ouriço azul. Gerações mais recente podem lembrar de alguém de Yakuza, mas de novo, Golden Axe teve o ápice numa era em que videogames não penetravam em todas as faixas etárias do mercado.
Não existe grande história sem grande vilão e a estrela brilha forte: Death Adder. Naquela época, apesar das restrições técnicas do hardware, inimigos ficavam cada vez mais corpulentos – lembre de caras como o Executioner de Pit Fighter, Abobo de Double Dragon, os Andore de Final Fight, etc. Mas poucos eram assustadores como Adder, anunciado por uma porta titânica que indicava um grande problema, surgindo com a armadura pesada e o imponente machado na mão.
Mas além da jogabilidade, da boa história, dos personagens fortes, tem outra coisa que pra mim, faz de Golden Axe tão especial: a trilha sonora. Do tom heroico de Wilderness (trilha da primeira fase) ao tenso tema da luta final, são de arrepiar. Talvez a mais marcante seja o tema dos chefes, que mistura épico e grandioso com o momento de tensão.
Na minha cabeça, é o som que associo imediatamente a Golden Axe, mais até que Wilderness. E também me faz pensar em Conan e universos similares.
https://www.youtube.com/watch?v=YIpdhR8TPtE
Na década caótica que foram os anos 90 para a Sega, Golden Axe foi uma das pérolas que brilhou também nos consoles, mas nunca repetiria o sucesso da primeira versão. Quer dizer, Golden Axe II, que saiu como exclusivo do Mega Drive, até era bom, mas em 1992, hack and slash (como outros gêneros) tinham perdido espaço para jogos de luta. Produções como ele, Double Dragon e demais em ação lateral 2D estavam com os dias contados, já que em 1994 viria o PlayStation com um reset nos padrões de game design.
Concorrentes?
Especialmente o Super Nintendo, já que era o grande concorrente da Sega, teve alguns jogos dignos de nota com temática medieval, mas diferentes de Golden Axe. Um notável foi Knights of the Round, da Capcom, que como entrega o título, é inspirado nos Cavaleiros da Távola Redonda. Também tem fantasia com capas, espadas e magias, mas se distancia um pouco do mundo superviolento e meio soturno de Conan e Golden Axe.
Um ano antes, a Discovery Software havia lançado Sword of Sodan para Amiga, esse sim muito próximo da temática de Golden Axe. Mas a qualidade não ajudava num side scroller simples que chamou atenção só pelos sprites enormes e alto nível de violência. Dois anos depois, teria versão para Mega Drive publicada pela EA, o que deixou ainda mais óbvio o quanto Golden Axe era bom...
Isso pode ser parte da receita do sucesso de Golden Axe: preenchia uma lacuna. Ainda que jogos de ação lateral existissem aos montes desde o boom de Double Dragon, temáticas não eram tão variadas e quase todos os games medievais iam mais na direção de Tolkien, D&D e afins, de alta fantasia, lembrando contos de fadas, reis e princesas.
A pergunta que não cala: e Skyrim?
Vendeu muito mais, fez mais sucesso, é mais conhecido do que Golden Axe, claro. Mas não dá pra comparar o momento de surgimento de cada jogo. Skyrim, de 2011, é de uma geração diferente não só em termos de tecnologia, mas de público. Em 1989, a indústria de games não era um monstro do entretenimento que penetra em todos os segmentos.
Quinto de uma franquia, Skyrim teve terreno amplamente desbravado para explorar. Golden Axe avançou com facão na mão em matas fechadas, ajudando a criar as trilhas.
No baú da Sega
Mais tarde, a série foi pouco e mal explorada, incluindo Golden Axe: The Duel e The Revenge of Death Adder – que nos deu a chance de rever Gilius já longe de sua melhor forma, mas ainda ativo.
Além deles, o estranho Golden Axe III mostrou que em 1993 a Sega havia perdido o rumo que nunca mais encontrou. A série ficou no baú até 2008, sequência quebrada com o fraquíssimo Golden Axe: Beast Rider, que nem de longe respeitou a memória de sucesso do arcade original. O rumo do RPG, que poderia ter sido tomado desde Golden Axe Warrior, de 1991, também não teve continuidade. Lamentável.
Leia também → Melhores trilogias do Mega Drive: Golden Axe
Com isso, a gente só pode imaginar como seria um RPG em mundo aberto, nos moldes do que a Bethesda costuma fazer, com todo o lore e passado de Golden Axe. Reexplorar a trama dos três protagonistas como personagens heroicos do passado, por exemplo. Do Machado Dourado, saber seu destino. Se algum outro culto tentou reviver Death Adder de novo, como em The Revenge of Death Adder, ou se ele se transformou numa entidade maligna influenciando novos vilões...
Já nasceria capturando interesse de fãs antigos, com a tecnologia atual para brilhar.
Mas a Sega é um vulto do que um dia foi. Com sua atual irrelevância em termos comparativos, não tem interesse, dinheiro e talvez nem pessoal para tal projeto. Assim, fica esquecido um tesouro em franquias que quando muito, ressurgem com jogos indie como o (bom, mas aquém de seu peso) Streets of Rage 4.
Bem que a Microsoft podia comprar a Sega, não? Imagine o baú aberto e distribuído entre as várias second e third parties de uma empresa bilionária?
Rapaz, eu Gostei muito do Golden Axe 3.
O primeiro realmente marcou, mais a evolução no 3 eu achei bem da hora.
Game que a Nintendo nunca conseguiu copiar.
A primeira vez em que eu vi esse jogo, foi a versão fliperama...lembro que na época tinha Double Dragon, Alien Storm e o clássico 1943 ali do lado!!! Depois vi na casa de um amigo meu a versão Master System....com o tempo foi lançado Golden Axe 2, que tanto adoro, aquelas músicas são de primeira!!!! Sempre que posso estou jogando esses clássicos citados, valeu!!!!