Com o GameCube, a Nintendo queria corrigir falhas da geração anterior e retomar a liderança do mercado. Apesar do bom hardware em parceria com IBM e ATI, não foi o que aconteceu. Muito pelo contrário.

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Na quinta geração, o mercado de videogames não era mais o playground que a Nintendo ajudou a construir e onde brincava à vontade até pouco antes. A Sega caiu após bons anos de luta, mas outra ameaça emergiu e era ainda maior. O PlayStation surrou rivais, vendendo quase três vezes mais que o segundo colocado. E pior: monopolizou a atenção do público. Se quisesse voltar ao topo, a Big N teria que se reinventar.

A principal lição foi: cartuchos eram passado. A teimosia em usá-los foi letal, afastando parceiros do peso da Square. Mídias óticas ofereciam mais espaço custando menos. Todos os concorrentes já migravam de CDs para DVDs e o público se perguntava: quando a Nintendo deixará um pouco o perfil precavido de lado? Seguirão a marcha da evolução?

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Seguir, seguiram. Mas no velho "Estilo Nintendo", não adotaram a tecnologia que todos esperavam. Em vez disso, arranjaram um formato próprio de disco – inovar sim, mas do nosso jeito. Por quê? Porque somos a Nintendo e fazemos diferente. Nossos jogos bastam para vender qualquer aparelho, sempre bastaram...

Só esqueceram de combinar com o público. Diante de um estelar PlayStation 2 e da nova ameaça Xbox, o GameCube não teve vida fácil. Acabaria como o primeiro console principal da Nintendo a amagar o terceiro lugar.

Muito antes do golfinho

Nintendo e Sega: histórias entrelaçadas

O Saturn era o xodó da Sega do Japão. Após anos vendo a matriz americana brilhar com o sucesso do Mega Drive na Europa e Américas, o time japonês fazia questão de manter as rédeas do novo projeto. Mas o sucessor, com design complexo, caro e nada usual, passava longe da aprovação americana.

Se dependesse de Tom Kalinske, comandante do lado americano, o Saturn se basearia num projeto da Silicon Graphics Inc. A SGI era "só" a maior empresa de tecnologia de alto desempenho para o setor gráfico na época. Algo como ter uma GPU da Nvidia ou da AMD hoje.

Mas quis o destino que fossem desprezados sumariamente pela Sega do Japão. Uma decisão monocrática do presidente Hayao Nakayama vetou o acordo. E sem querer, jogou a SGI no colo da arquirrival Nintendo. Por lá, fariam o Reality Coprocessor, unidade gráfica e de áudio do Nintendo 64.

Mas o 64 não deu o resultado desejado no Japão, com cerca de 5 milhões e meio de unidades vendidas. Na Europa também decepcionou: menos de 7 milhões. Saiu-se de forma aceitável só na América do Norte, mantendo quase toda a base de usuários do Super Nintendo – cerca de 23 milhões.

Concentrando mais de 60% das vendas do console no mundo, a Nintendo of America ganhou confiança da matriz japonesa. Como explicaria o então vice-presidente, Howard Lincoln, o escritório ganharia um papel mais ativo no desenvolvimento da próxima plataforma. "Vi uma transição natural desde o início dos anos 80, quando nossa empresa-mãe essencialmente fazia tudo, até hoje, onde a Nintendo da América tem grande parcela de envolvimento com o desenvolvimento do Dolphin."

Desenhava-se uma previsível repetição da parceria, mas a SGI começou a sair dos trilhos.

SGI em colapso

O chairman da SGI, Jim Clark, foi quem tentou vender a tecnologia da SGI à Sega anos antes. Também foi o elo de ligação com a Nintendo, seguindo conselho do próprio Kalinske. Convicto da excelente oportunidade que videogames representavam, Clark selou o negócio que levou ao design do RCP.

Mas no ano seguinte à assinatura do acordo, a mídia especulava sobre uma disputa interna de poder na SGI. Clark e o presidente* Edward "Ed" McCracken não se entendiam mais[efn_note]Dromble - A dolphin's tale (arquivo).[/efn_note]. McCracken, ex-presidente da Hewlett-Packard, tinha apoio do maior acionista, Glenn Mueller[efn_note]The Guardian - Unsung hero of the net[/efn_note], responsável por levá-lo para lá. Ambos tinham mais influência na SGI do que Clark e os lados se chocavam quando ao rumo que a empresa deveria seguir.

* a estrutura corporativa varia em cada região do mundo, mas de forma geral, presidente e chairman têm funções diferentes. O chairman preside o conselho de acionistas, representando seus interesses em reuniões, por exemplo. O presidente, às vezes chamado de CEO, tem o comando operacional da empresa. Empresas menores costumam ter uma única pessoa nos dois cargos.

Para Clark, a Microsoft logo dominaria o segmento de computação gráfica. Quando acontecesse, a antes prestigiada Silicon Graphics estaria em maus lençóis. Precisavam investir em produtos de consumo de massa e não hardware caríssimo para empresas. Dessa perspectiva, fazia sentido migrar o quanto antes para os videogames.

McCracken discordava.

jim clark e ed mccracken sgi
Jim Clark e Ed McCracken: executivos tinham visões diferentes para o futuro da Silicon Graphics. O racha levaria à saída do primeiro.

Clark estava convencido de que McCracken destruiria a SGI e o tratamento entre eles ficou insustentável. Segundo o jornalista Michael Lewis no livro A Nova Novidade: Uma História do Vale do Silício (Companhia das Letras, 2000), Clark o ofendia de forma tão pesada que chegou a fazê-lo chorar durante uma reunião.

Em certa vez – num caso gritante de bullying corporativo – trocou a placa na porta de sua sala para fazer chacota de seu nome:

Certa vez, Clark trocou a placa com o nome na porta da sala de McCracken por uma escrito ED MCMUFFIN (a piada veio da inabilidade da filha adolescente de Clark em se lembrar do nome McCracken). Por quatro dias, ninguém notou. Clark depois perseguiu McCracken nas reuniões com referências ao incidente, juntando insultos à humilhação.

Após vender parte de suas ações da SGI para Mueller, Clark ficou com apenas 15% de participação. Arrependido e sem voz nos rumos da empresa, optou por sair em 1994 para fundar a Netscape. Isso causou desconforto na Nintendo. Embora o trabalho tenha sido concluído, o clima da SGI se tornou caótico. O presidente Thomas Jermoluk saiu a dois meses do lançamento do Nintendo 64.

Adeus à SGI e herança do 3DO

A saída de Clark da SGI veio em péssimo momento para a Nintendo. Com a crescente popularidade do PlayStation e os números aquém do esperado do Nintendo 64 no Japão, precisavam acelerar o design da nova geração. Os melhores engenheiros da SGI haviam migrado para empresas como Nvidia e NEC. Restavam poucas opções e passaram a negociar com a 3DO.

Panasonic M2

O M2 foi vendido pela 3DO à Panasolic, mas o "upgrade" pela CagEnt foi chamado de projeto MX – e só não esteve no Dolphin por desentendimentos na fase final de acordos. A tecnologia foi vendida à WebTV, da Microsoft.McCracken passou a ter sua capacidade de conduzir a SGI questionada. Problemas se acumulavam e vários engenheiros pulavam do barco. Ele finalmente deixou a empresa em outubro de 1997 – e numa reestruturação, entre 700 e mil funcionários foram dispensados[efn_note]SF Gate - McCracken leaves SGI; 700 to 1000 laid off[/efn_note].

A 3DO tinha a tecnologia M2, possível add-on para o console 3DO ou – caso de interesse da Nintendo – base para um novo hardware solo. Mas depois de ceder à Panasonic direitos exclusivos, simplesmente largaram o projeto na mão deles. Não muito depois, em 1997, toda a divisão de hardware da 3DO foi vendida à Samsung, que a rebatizou como CagEnt. E determinou: deveriam ter lucro em no máximo dois anos[efn_note]CBR - Samsung buys out 3DO's hardware systems business for $20 M[/efn_note].

A CagEnt tinha três tecnologias: um sistema de DVD, uma codificação de vídeo chamada MPEG Xpress e um console quase pronto, com chipset evoluído a partir do M2, chamado de MX.

Quase três anos de negociação entre Nintendo e 3DO estavam em risco. Howard Lincoln e Genyo Takeda visitaram as instalações e no fim do ano, a Nintendo fez proposta de compra da CagEnt e do MX[efn_note]Next Generation Online - 04/1998[/efn_note]. E assim terminou a parceria com a SGI.

Adrian Sfarti, engenheiro que desenhou as estações Indy da SGI, era o líder do projeto MX. Era um chip bem melhorado em relação ao M2, capaz de um fill rate* de 100 milhões de pixels com sua CPU dupla PowerPC 602. O Nintendo 64, por exemplo, alcançava em situações reais de uso (com efeitos como mip-mapping, fog, etc) pico aproximado de 30 milhões. Segundo executivos da CagEnt, o MX também processaria quatro milhões de polígonos por segundo em pico (o N64 ficava em torno de 160 mil).

* fill rate é a capacidade do chip gráfico de renderizar pixels por segundo. Se o chip alcança 100 megapixels/s, então ele consegue preencher ou enviar para a RAM de vídeo até 100 milhões de pixels.

ArtX, a SGI 2.0

artx flipper gamecube
Selo da ArtX na parte interna do escudo superior do GameCube entregue à funcionários. O golfinho foi o tema do design, sendo não só nome do protótipo (Dolphin) como batizando o chip gráfico Flipper e a RAM principal (chamada de Splash). Imagem: If You Must via GoGollect

A negociação seguiu enquanto a Nintendo trabalhava de perto com engenheiros da CagEnt. Planos preliminares: redesenhar o MX. Ele deveria ter uma CPU MIPS*, já que a NEC, outra parceira da Nintendo, tinha licença para aquela arquitetura mas não para o PowerPC 602, da IBM.

* MIPS é uma arquitetura de processadores que pertencia a MIPS Computer System e  sob direitos da SGI desde 1992.

Nintendo e CagEnt discutiram também se a máquina usaria CD ou DVD. Mesmo após o esgotamento aparente dos cartuchos, a Nintendo insistia neles como principal mídia do novo console. Mas como a CagEnt traria em seu pacote tecnologias de DVD e MPEG, precisavam fazer bom uso delas. Seria, portanto, ao menos um sistema híbrido, com cartuchos e discos.

O videogame da Nintendo baseado no CagEnt MX tinha boas previsões comerciais. Poderia bater nas prateleiras japonesas em 1999, talvez antes da nova geração da Sony. Kits de desenvolvimento estariam prontos para envio em seguida, ao menos para times principais como Rare e Nintendo do Japão. O cenário era auspicioso.

Embora o preço acertado para a aquisição da CagEnt fosse muito baixo, as conversas começaram a ruir no início de 1998, quando Samsung e Nintendo discordaram nos termos finais. A Samsung passou a buscar um comprador para a CagEnt de forma agressiva, como se tentasse desesperadamente fugir da Nintendo. Sega, 3Dfx e outras negociaram, mas quem ficou com a CagEnt foi a divisão WebTV da Microsoft – com isso, alguns profissionais remanescentes do 3DO e M2 como Tim Bucher, Dave Riola e Nick Baker acabariam no time que fez o Xbox[efn_note]The Mercury News - A Walk Through The Xbox 360 Evaluation Lab At Microsoft’s Mountain View[/efn_note].

Sem a parceria que lapidou por anos, sem MX e sem engenheiros para concluir a missão por conta própria. A Nintendo estava perdida e sem bússola quando foi quase obrigada a negociar com a ArtX. Fundada em 1997, a empresa tinha como meta o desenvolvimento de hardware gráfico. O time de vinte engenheiros oriundos da SGI era dirigido pelo Dr. Wei Yen, engenheiro-chefe na criação do Reality Coprocessor.

Por um lado, esse time ex-SGI era um fator de confiança para a Nintendo. Mas ao contrário da CagEnt com seu MX, a ArtX não tinha um hardware completo ou sequer pela metade para oferecer. Teriam que partir quase do zero, levando à previsão de ter um produto, sendo otimistas, no Natal de 2000.

Para piorar, a SGI despejava processos contra ex-funcionários e suas novas empresas, o que colocava a Nintendo numa situação desconfortável: basear sua plataforma em algo que poderia ser alvo de disputas jurídicas.

Problemas legais

Dr. Wei Yen

A parceria Nintendo e ArtX foi firmada na metade de 1998 e logo começou o desenho do chip gráfico. E como a Nintendo temia, a SGI processou a ArtX. A MIPS também os ameaçou e logo estavam acuados diante de vários processos: competição ilegal, uso de informações secretas, interferências com vantagem econômica e quebra de contrato. Alguns funcionários foram processados na esfera civil, como Yen e o co-fundador e o diretor-técnico Tim Van Hook.

A SGI, contudo, desistiria dos processos ainda em 1998. A Nintendo rompeu relações com o MIPS Group – que chegou a fazer US$45 milhões por ano em royalties da CPU do Nintendo 64. Segundo ex-funcionários da SGI[efn_note]The Register - ATI confirms $400m ArtX takeover[/efn_note], os processos foram retirados porque a empresa não queria ter problemas futuros com a Nintendo.

Finalmente o mar estava livre para o golfinho, sem problemas judiciais e com times fechados.

Como curiosidade, vale notar que Jim Clark estava certo sobre o futuro da Silicon Graphics. Quando máquinas Intel rodando Windows se tornaram acessíveis, as caríssimas da Silicon perderam força. Eles fariam uma série de apostas infelizes, como migrar dos processadores MIPS para o Intel Itanium e produzir supercomputadores. Nenhuma funcionou e a SGI faliu em 2009.

Tomando forma

A ArtX sugeriu um videogame moderno, com recursos como descompressão de vídeo e processamento de imagem. Seria multimídia e não só para jogos. Segundo Van Hook[efn_note]Kidscreen - The plumber's apprentice[/efn_note], a Nintendo até considerou a proposta, mas optou por uma estratégia prudente – e segundo conta, com uma incrível demonstração de humildade:

Quando discussões sobre a próxima geração de consoles começou, a Sega tinha saído do negócio, a Sony era o maior competidor e a Microsoft estava pronta para entrar. As duas últimas se proclamavam ansiosas para "tomar a sala de estar" com um sistema de entretenimento completo: games, televisão, filmes, internet. Preparamos uma proposta competitiva abrangente, um "motor multimídia" universal. Claro, custaria mais e as unidades produzidas teriam que ser subsidiadas pela venda de jogos.

A Nintendo considerou nossa visão. Esperamos. Enfim eles explicaram que não poderiam seguir por aquele caminho. "Somos uma empresa de games muito pequena. Não temos os recursos dessas outras".

nintendo star cube logo
Logotipo do suposto "Star Cube" que circulou antes do anúncio do Dolphin no Nintendo Spaceworld de 1999. Por algum tempo, foi especulado como logo do futuro sistema.

Satoru Iwata, que assumiu a presidência da Nintendo em 2002, defenderia a decisão. Apesar de terem reservas superiores a US$6 bilhões na época, garantiu que não havia escolha[efn_note]CNN Money - Is Nintendo Playing The Wrong Game?[/efn_note]. "Eles [Sony e Microsoft] têm reservas tão vastas que nos fazem parecer pobres. Temos que encontrar uma forma de competir sem que isso se torne uma questão de qual empresa é mais rica".

O projeto seguiu sob nomes que a imprensa usava, como N2000, Star Cube e Nintendo Advance. Em 04/05/1999, a mídia revelou detalhes mais apurados. O codinome interno era Dolphin[efn_note]IGN - Say hello to Project Dolphin[/efn_note] e quatro equipes já tinham kits de desenvolvimento: Rare, Retro Studios, Nintendo EAD e Nintendo Software Technology. Estimava-se que o chip da ArtX, chamado Flipper, era bom e barato. Ainda não estava decidido se o golfinho* usaria ou não DVD, mas seria mais fácil de programar em relação ao Nintendo 64.

* Dolphin é golfinho em inglês. Flipper, nome do chip gráfico do GameCube, era também o nome do golfinho de um filme homônimo de 1963.

Durante a E3 de 1999, em maio, Lincoln anunciou o Nintendo Dolphin, dando detalhes inéditos das especificações[efn_note]IGN - Nintendo press conference transcription[/efn_note]. O executivo confirmou o codinome, afirmando que seria "extremamente poderoso" mas "não caro", com meta de lançá-lo no fim do ano 2000. Foi confirmado também que a GPU seria desenvolvida pela ArtX sob comando do Dr. Yen.

Parcerias com IBM e Panasonic

Na E3 de 1999, a Nintendo anunciava parceria com IBM para produção do processador e com a Panasonic para a unidade de DVD do Dolphin, futuro GameCube, finalmente deixando os cartuchos de lado.

Lincoln também falou sobre a CPU do Dolphin. A Nintendo fecharia negócio de US$1 bilhão com a IBM para desenhar o Gekko, processador de 400 MHz. Mas sua grande revelação foi a confirmação de notícia vinda do Japão no dia anterior. A Matsushita (Panasonic) produziria uma unidade de DVD para o Dolphin:

Bem, como vocês sabem, a CPU mais poderosa do mundo e o melhor chip gráfico precisam rodar jogos em... alguma coisa. Em alguma mídia. E dessa vez, essa mídia não será cartucho! O software do Dolphin não será apenas muito barato e rápido para fabricar, ele também será à prova de falsificação.

Matsushita e Nintendo haviam divulgado a parceria no dia anterior, num hotel de Tóquio, com a presença de seus presidentes, Yoishi Morishita e Hiroshi Yamauchi[efn_note]Variety - Matsushita is game for Nintendo’s deal[/efn_note]. Eram grandes planos: a primeira desenvolveria um sistema de DVD exclusivo (ou seja, incompatível com DVDs padrão). Também fabricariam discos e leitores, set-top boxes e outros aparelhos compatíveis com software do Dolphin sob a marca Panasonic. A Nintendo forneceria integração entre o Dolphin e mídia da Matsushita como filmes, música e outros exploráveis.

A Nintendo queria, acima de tudo, proteger-se contra a pirataria. Com a maior parte de seus lucros vindo de franquias próprias, a cópia fácil de discos seria a receita do desastre. E claro, no processo bater o novo PlayStation. "Estamos absolutamente confiantes de que os gráficos do Dolphin serão iguais ou superiores a qualquer coisa que nossos amigos na Sony consigam com o PlayStation 2", disse um confiante Lincoln na palestra.

Em outubro de 1999, a Nintendo investiu quase 3 bilhões de dólares em componentes. A NEC construiu uma fábrica de US$761 milhões no Japão só para produzir partes do futuro GameCube[efn_note]IGN - Piecing Dolphin together[/efn_note]. Segundo fonte anônima na Nintendo, queriam o console no mercado até outubro do ano seguinte, mas nem eles acreditavam no prazo[efn_note]IGN - It's Alive[/efn_note].

"Tudo depende de quanto bem a linha 1999 de software do Nintendo 64 se sairá", disse a fonte. "Se títulos como Perfect Dark e Donkey Kong 64 forem bem, não veremos um hardware novo da Nintendo até 2001".

Yoichi Morishita, presidente da Matsushita, cumprimenta Hiroshi Yamauchi, presidente da Nintendo, um dia antes da abertura da E3 1999, num encontro em Tóquio. A parceria previa a fabricação de um drive de DVD em formato fechado para a Nintendo usar em seu próximo videogame, então conhecido como Dolphin. Imagem: Yoshikazu Tsuno/AFP via Getty.

De qualquer forma, não era segredo que o foco estava na sexta geração há tempos. Quase um ano antes, Shigeru Miyamoto disse que o cancelamento da sequência de 1080º foi por remanejamento da equipe para a pesquisa do novo hardware.

Adiamento

Em março de 2000, a Nintendo anunciou que o Dolphin não deveria chegar mais em 2000, ao menos nos Estados Unidos [efn_note]ZDNet - Nintendo delays Dolphin console[/efn_note]. A estimativa era primeira metade de 2001; foi uma resposta ao Xbox, previsto para o segundo semestre de 2001[efn_note]IGN - Nintendo makes Dolphin delay official[/efn_note].

Mantendo a clássica atitude blasé frente a problemas, a Nintendo da América minimizou. O vice-presidente de vendas, Peter Main, disse que o atraso seria não só normal como positivo:

Um lançamento do Project Dolphin em 2001 não só manterá a duração de vida normal de nossos consoles, mas também trará dois benefícios importantes. Primeiro, permite que milhões de atuais donos de Nintendo 64 empreguem seu dinheiro na melhor linha de novos jogos de nossa história sem ter que comprar um sistema novo*. Segundo, a nova data de lançamento do Dolphin significa que nosso sistema chegará ao mercado ano que vem com um portfolio de jogos de todos os gêneros, que simplesmente não poderão ser igualados por qualquer outra empresa.
* Main se referia à linha 2001 de jogos do Nintendo 64, que incluiu Banjo-Tooie, Tony Hawk's Pro Skater, Excitebike 64, Perfect Dark, Mega Man 64, Pokémon Stadium 2, Ridge Racer 64 e The Legend of Zelda: Majora's Mask.
Hiroshi Imanishi, o diretor de comunicação Yasuhiro Minagawa e Hiroshi Yamauchi em 1997. Via Nintendo Memories.

O Nintendo 64 não vinha pavimentando um bom caminho para o sucessor, indo mal no Japão e discreto nos Estados Unidos. Era crucial manter o preço do GameCube competitivo contra o PlayStation 2, que seria lançado naquele mês. Hiroshi Imanishi, um dos caudilhos da Nintendo e conselheiro de Yamauchi, considerava isso um grande desafio. O preço dos componentes estava aumentando.

O problema é que todos esperavam pelo PlayStation 2: imprensa, jogadores e a própria indústria. A Sony conseguiu criar um hype inigualável até então, monopolizando o interesse geral com promessas que o faziam ter uma aura quase de ficção científica.

A Nintendo precisava ferir a rival de alguma forma. O time americano considerou lançar o GameCube no mesmo período, usando comparações técnicas para seduzir o público[efn_note]IGN - 33% more powerful than PS2[/efn_note]. "Em termos gráficos, temos uma arquitetura extremamente rápida que, segundo nossos técnicos, será 33% acima dos dados de desempenho projetados para o PlayStation 2", gabava-se Axel Herr, diretor de marketing da Nintendo Europa. "Isso é facilmente o dobro da velocidade do Dreamcast".

Um dos fatores no desempenho irregular do Nintendo 64, segundo analistas de mercado, foram atrasos desde quando era Project Reality e depois Ultra 64. Quando apareceu, a Sony tinha aberto vantagem irrecuperável. A Nintendo não queria repetir a história e Yamauchi estava determinado a ter o Dolphin no fim de 2000[efn_note]IGN - Yamauchi Reiterates Low Price and Holiday Release[/efn_note]. E com preço acessível:

Um console que venda por volta de 40 mil ienes [US$380] pode ser comprado por um jovem que tem idade o bastante para ter um emprego de meio período, mas de modo geral, é muito caro para ser direcionado às crianças. O Dolphin não será tão caro.

Lincoln também desprezou a importância do atraso do GameCube. Perguntado se a demora poderia levá-lo ao mesmo destino do antecessor, disse que o importante era ter jogos:

Se você observar a experiência do N64, não acho que tenhamos sido prejudicados por chegar tarde ou depois da Sony. O mais provável é que nosso dano tenha sido o número de jogos – mas o número de jogos tem mais a ver com problemas das ferramentas de desenvolvimento e não queremos cometer o mesmo erro com o Dolphin.

Revelação

Mas antes, a ArtX virou ATI

Modelos exibem o GameCube na revelação do console, em agosto de 2000. A previsão de lançamento era julho de 2001; mais tarde seria adiado para setembro. Imagem: Yoshikazu Tsuno/AFP via Getty.

De olho em novos horizontes, a veterana ATI comprou a maioria da ações da ArtX por US$400 milhões em abril de 2000, absorvendo a empresa[efn_note]EETimes - ATI acquires ArtX in graphics merger[/efn_note]. Analistas consideraram positivo para a Artx, já que provavelmente não fariam tanto dinheiro com o GameCube. Yen se tornou membro do conselho e o presidente Dave Orton assumiu a presidência e o novo cargo de COO. O fundador da ATI, K.Y. Ho, ficou como chairman.

A fusão não influenciaria no Dolphin: àquela altura, o chip gráfico estava praticamente pronto. Um porta-voz da ATI disse que se tornavam "uma das principais fornecedoras do mercado de consoles através da Nintendo. A plataforma Dolphin será renomada como a rainha em termos de desempenho gráfico e de vídeo com sua arquitetura 128-bit".

Genyo Takeda apresenta o GameCube ao mundo na abertura da Space World, em 24/08/2000.

Já Lincoln dizia que "em termos de tecnologia, estou absolutamente convencido de que o Dolphin será tão bom quanto o PlayStation 2. Estou certo de que ambos serão super."

O GameCube foi revelado na conferência Nintendo Space World, em Tóquio, em 24/08 daquele ano. Até então conhecido como Dolphin, estava agendado para julho de 2001 e numa entrevista, Iwata chegou a rir da sugestão de analistas de que estivesse atrasado[efn_note]IGN - Nintendo Dream Interviews Nintendo's Satoru Iwata[/efn_note].

No evento, Takeda reforçou o compromisso da Nintendo com jogos, tentando se descolar de Sony e Microsoft. "Não temos motivos para espalhar nossas máquinas para um público que mais tarde as usaria com propósitos audiovisuais diversos. Focamos em ter a melhor máquina possível para jogar games", disse[efn_note]ABC - Nintendo Unveils New Video-Game Console[/efn_note]

Em abril de 2001, o lançamento foi adiado de julho para setembro de 2001 no Japão e dois meses mais tarde na América [efn_note]ZDNet - Nintendo to delay GameCube launch[/efn_note].

A apresentação ocidental foi na E3, em maio de 2001. Sob o slogan The Nintendo Difference, Miyamoto subiu ao palco e inaugurou o GameCube na América, carregando o console e um controle nas mãos erguidas. "Deixe-me apresentar nosso novo bebê. Como todos os bebês ele é pequeno, mas faz muito barulho", brincou para riso da plateia.

A apresentação incluiu os jogos Super Smash Bros. Melee e Luigi's Mansion, e acessórios como os controles comum e o Wavebird (sem fio). A recepção do público foi considerada positiva.

Shigeru Miyamoto exibe os controles Wavebird (mão direita) e um padrão, com fio, na E3 de 2001. Foto: Rick Meyer/Los Angeles Times via Getty.

E se não fosse, Yamauchi considerava suspender o lançamento, como contou logo após a E3[efn_note]Console City - entrevista por Patrick Garratt, 24/05/2001 (arquivo)[/efn_note]. O presidente da Nintendo aproveitou para desdenhar um pouco do Xbox, afirmando que a Microsoft focava só em desempenho.

E mais que isso, sequer os considerava concorrentes:

As ideias por trás do Xbox e do GameCube são fundamentalmente diferentes. O Xbox tem um disco rígido embutido e está sendo anunciado como extensão de um PC. A Microsoft está buscando só desempenho e não entende que o jogo é jogado com software. Um Nintendo é no fim das contas um brinquedo. É a máquina mais avançada para jogar games e completamente diferente do produto da Microsoft. É como tentar comparar um lutador de sumô com um wrestler; eles jogam por regras totalmente diferentes. Não consideramos a Microsoft nosso competidor.

Yamauchi também não via – ou fingia não ver – ameaça na Sony. Ele demonstrava confiança nos jogos da Nintendo, como produtos que rivais não poderiam igualar. Sua estratégia era lucrar com jogos, vendendo o GameCube barato. "As pessoas não jogam com a máquina em si. Elas precisam de software e são forçadas a comprar a máquina para então usar o software. Portanto, o preço da máquina deve ser o mais baixo possível."

Miyamoto ecoava o presidente. Segundo ele, o público até poderia ter um PlayStation 2 ou Xbox, mas não abririam mão de um GameCube por causa dos jogos. Questionado sobre o assunto após a revelação no SpaceWorld, foi taxativo:

Crianças testando o GameCube na feira Space World em 24/08/2001, quando o console foi revelado oficialmente. O comando da Nintendo dizia que Sony e Microsoft não seriam concorrentes pois seu sistema tinha jogos únicos, que o venderiam mesmo a quem tivesse um Xbox ou PlayStation 2. Imagem: Sylvia Buchholz/Reuters

Bem, não sinto a menor ameaça vindo do PlayStation 2 e para ser muito franco, também não estou preocupado sequer com a existência do PS2, porque criamos o hardware do GameCube e vamos criar o software que se tornará um requisito para todos mesmo que já tenham um PlayStation 2.

Imanishi também não via Sony e Microsoft como competidores[efn_note]IGN - Imanishi talks Cube[/efn_note]. "Se tivesse que nomear um console que ameaçará o GameCube, seria o Game Boy Advance", cravou sem a menor modéstia. "Honestamente, alguns podem dizer que estamos tentando parecer fortes, mas não pensamos em específico sobre uma tão falada competição ou rivais".

Quinze jogos eram preparados, entre eles Star Wars Rogue Squadron II: Rogue Leader. A Nintendo divulgava ao mesmo tempo o Game Boy Advance e vários jogos planejados para o Nintendo 64 foram cancelados. Os último first-parties para ele (Dōbutsu no Mori e Mario Party 64) saíram em abril de 2001, cerca de dois meses antes do GBA e seis meses antes do GameCube.

Continua na parte 2

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