Polêmicos... Geram discussões quase tão acirradas quanto sobre futebol, religião e política. Alguns defendem com unhas e dentes o uso, sendo a única forma viável de conhecer jogos que nunca apareceram nessas plagas (e um meio acessível de matar saudade de jogos que viraram peça de museu), enquanto outros dizem que só serve para deixar o usuário mal acostumado, com milhares de jogos à disposição, e no fim das contas sem aproveitar nenhum a fundo.
Além, claro, de torná-lo um perigoso gângster.
Difícil é ficar impassível frente às inúmeras opções de emulação disponíveis. Tudo que foi jogado no passado pode ressurgir na sua tela, e se você tiver muitas ROMs (por meios ilegais, quase sempre), seria quase o sonho de qualquer pirralho realizado: seu "harém" de games ao seu dispor, sem ocupar uma prateleira sequer em casa, tudo num simples HD ou até num SD Card.
Pra quem se desfez de consoles antigos há muito tempo, parece perfeito, a não ser que esteja disposto a desembolsar uma boa grana recomprando seus estimados cacarecos na mão de violadores de bolsos que preferem deixar os ditos aparelhos antigos juntando pó em algum armário ou sótão do que passar adiante. Afinal, alguns podem ser bem difíceis de achar em bom estado, como o PlayStation original (quase sempre com canhão estragado) ou os raros por aqui como Turbografx.
![Emulador de arcades MAME Emulador de arcades MAME](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2011/07/mame.webp)
Mas será que quantidade significa diversão de qualidade?
Muitos jogos, pouco tempo
Pelo que se nota navegando por sites e fóruns sobre games antigos, a maioria do pessoal é composta por jogadores e jogadoras que viveram aquele tempo, e portanto já estão, no mínimo, na faixa dos vinte e muitos anos. Um período da vida em que jogar não é mais prioridade. Então o emulador parece ideal: encontrar rapidamente o que quer jogar, jogar e voltar às atividades rotineiras. Sem complicações, cabos, TV — isso para não colocar ainda em discussão a legalidade sobre uso de ROMs, calma aí.
Mas se antes tínhamos só alguns cartuchos para jogar no fim de semana, e eles eram aproveitados ao máximo, agora basta meia dúzia de cliques para acessar um catálogo inteiro de games.
Traçando um paralelo: imagine em vez de ter apenas dois a quatro cartuchos para jogar em dois ou três dias, ter de uma vez só todos os jogos já lançados daquele console. TODOS. Mesmo sendo um moleque que não tinha nada pra fazer senão ir à escola na segunda-feira, eu não teria tempo pra jogar mais do que uns cinco desses games a fundo, pra ser otimista. Provavelmente ficaria jogando um monte deles, todos superficialmente — não tão diferente do que acontece com os emuladores, com um agravante: não somos mais pirralhos que têm só a escola pra ir...
Experiência incompleta
Apesar das facilidades, emuladores têm problemas, como não dar ao jogador uma experiência tão próxima da realidade (aparelho, controles, TV, etc). Já começa na tela: games antigos em monitores LCD ou LED não tem graça. Especialmente jogos antigos só apareciam bem na tela da TV; a resolução de um monitor de computador, mesmo o CRT, é superior a de uma TV comum. O uso de filtros como scanline não é solução, mas um remendo.
Quanto aos periféricos, nem todos funcionam, ou não como deveriam. A velha Justifier, da Konami, pra matar os sacripantas do Lethal Enforcers, o "possante" óculos 3D do Master System ou a bazuca Super Scope do SNES: tudo isso pode ser um tanto "incômodo" de usar no emulador, isso quando possível através de alguma gambiarra / circuito para que o computador reconheça o dispositivo. Usando telas LCD/LED então, nem pensar. Se for pra usar as tralhas, é melhor comprar o console de novo.
O mesmo se aplica aos controles, pelo menos pra mim. Tentei de todas as formas descobrir um jeito de adaptar os excepcionais 6B do Mega Drive (a única parte do velho console que restou-me) no PC, mas pelo que descobri só dá certo com uma pequena engenharia eletrônica e pela porta de jogos, que computadores mais modernos nem usam mais.
Atualização: descobri umas geringonças interessantíssimas como esse adaptador. Se tiver um, retiro o que disse acima sobre controles.
Então a solução é usar um controle "genérico" como o do Saturn via USB ou os clones chineses. O primeiro, por melhor que seja, definitivamente não oferece a mesma sensação ao jogar SNES com o gamepad do Saturn; controles "universais" não vão agradar aos fãs radicais de um sistema. Sobram os clones, e tem alguns realmente fiéis na pegada, apesar da qualidade inferior.
É crime usar ROM da internet?
Usar ROMs sem ter o jogo original é ilegal, já que por lei só se pode fazer cópia de conteúdo para fins de armazenamento e proteção contra danos na mídia original. Segundo a chamada Lei do Software (9609/98), que trata de direito autoral sobre programas de computador (e por extensão, games):
I - a reprodução, em um só exemplar, de cópia legitimamente adquirida, desde que se destine à cópia de salvaguarda ou armazenamento eletrônico, hipótese em que o exemplar original servirá de salvaguarda;
Ou seja: pode copiar e usar a cópia, guardando o original. Algumas empresas batem o pé e protestam até contra isso: a Nintendo tem em sua página um vasto FAQ sobre o assunto, onde afirma que emuladores estimulam infração da lei de direito autoral e são "a maior ameaça já vista ao direito intelectual sobre videogames"; o fato de um game não estar mais sendo comercializado não dá direito a ninguém de reproduzi-lo sem autorização, nem para armazenamento. Mesmo que um game tenha 30 anos e sido completamente abandonado pelo fabricante, mesmo que não haja o mínimo interesse em revisitá-lo, ninguém pode tocá-lo. Pela lei norte-americana, uma obra intelectual só cai em domínio público 75 anos após sua publicação; pela brasileira, depois de 50 anos e pela portuguesa, 70 anos após a morte do autor. Se quiser usar ROMs legalmente, como bem entender, tem que esperar esse tempo — Street Fighter II, por exemplo, só no ano 2066. Será que meus reflexos estarão bons até lá?
Mesmo quem tem o software original estaria cometendo crime ao baixar e usar ROMs, já que não foi ele, proprietário, quem fez a cópia. E mesmo que a fizesse, só poderia ser guardada para evitar dano ao software original. Nada de uso da ROM para qualquer outra finalidade, inclusive emulação. As leis brasileira e norte-americana não estão muito sintonizadas no assunto: enquanto lá o cerco tem sido cada vez mais fechado contra qualquer tipo de cópia, inclusive para uso pessoal e armazenamento, a de cá não é tão rígida.
Segundo a mesma lei citada antes:
Mas segundo juristas, a cópia privada integral seria sim aceita como legal, por escapar ao alcance do Direito do Autor, protegido pelo princípio da livre utilização privada. Pela arcaica lei atual, você não pode sequer ripar seus CDs, comprados legalmente, para ouvir as faixas no seu MP3 ou outro formato qualquer, no carro ou no seu celular: seria obrigado a comprá-las já nesse formato, mesmo tendo o CD com as mesmas músicas... 😯
Emulador pode, emular não
Por mais antagônico que seja, a existência do próprio emulador não é ilegal. Em 1982, a Atari moveu ação contra a Coleco, que criou um periférico para emular o Atari 2600 em seu ColecoVision; perderam, abrindo precedente para a legalidade dos emuladores. Outras empresas, depois, tentariam em vão barrá-los, caso da Sony contra o Bleem!, emulador de PlayStation para Dreamcast e PC. A disputa se arrastou por anos até a falência do Bleem!, mas sem uma vitória legal da Sony, a não ser na questão do Bleem! usar screenshots de games da Sony na embalagem do produto.
Como o emulador (exceto uso da BIOS) é legal, mas emular jogos sem permissão não, se você tiver cartuchos e CDs de videogames originais e não quer ser obrigado a ligar seu console para jogar, e sim continuar no PC, é impedido por lei. Se o aparelho emulado precisar de BIOS a situação é ainda pior: a própria emulação é ilegal, já que a BIOS também é uma peça de software protegida pela lei.
Todas essas inconsistências levam à necessidade da modernização da Lei, criada em 1998, num cenário muito diferente do atual. O texto com a proposta de modernização, depois de passar por fases de consulta popular e muita discussão, deve ir à Casa Civil no próximo dia 15.
Atualização 12/07/13: até hoje nada de votação alguma. Depois de vários desentendimentos sobre a lei entre os Ministros da Cultura (Juca Ferreira, Ana Buarque de Hollanda e Marta Suplicy, em sequência), tudo continua sendo discutido e pontos "polêmicos" revistos. O lobby da indústria e certas organizações é forte e atrapalha. Quem sabe um dia...
Atualização 2016: zzzZZZZzzzZZZzzz...
Abandonware, "delete em 24 horas": lendas urbanas
Depois do termo abandonware cair na boca do povo e seu uso errôneo se disseminar, muito se especulou sobre a legalidade de distribuir games que não são atualizados e ficaram no esquecimento. Mas salvo em alguns casos, esses softwares têm direitos autorais sim, sendo também infração sua distribuição "à vontade".
Um exemplo parecido: você tirou um monte de fotos e guardou em seu computador. Anos depois, descobre que alguém copiou uma delas e distribuiu na internet. Sem autorização do dono seria crime? Mesmo que o uso fosse sem lucro?
Assim como o direito sobre software nessa condição pode ser repassado a outras empresas, como credores de uma empresa falida, você pode perfeitamente querer vender aquela foto um dia. E como vai cobrar se ela já foi usada e reusada por meio mundo?
![Turbografx-16, da NEC Turbografx-16, da NEC](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2011/07/rtype-turbografx.webp)
A Lei das 24 Horas é ainda mais simples (ou simplória): desculpa esfarrapada para distribuir material protegido com o argumento de que "você está fazendo um teste, é seu direito usar o produto por 24 horas, depois exclua do seu computador se não pretende comprar o original". Usando um exemplo meio tosco, mas com fundamento, seria como eu ir à sua casa, pegar seu Xbox que está à venda, usar à vontade por 24 horas e devolver depois, sem maiores detalhes. "Estava só testando!"
Fora de catálogo? Mesmo? Uma das alegações para uso de ROMs é alguns jogos e consoles terem simplesmente sumido do mercado, por culpa de fabricações limitadas ou só no exterior; muitos acabam na mão de colecionadores, outros se perdem com o tempo. O que fazer numa situação dessa?
Games de máquinas com mais de 20 anos de idade, como NES, Atari, Mega Drive e SNES parecem um prato cheio para emular. Já tiveram seu momento no mercado, renderam lucro ao fabricante na primeira venda. Quando esses consoles são descontinuados, os games ficam "sem pai" e viram alvo fácil para a emulação.
Mas não é bem assim. A prova é a própria Nintendo, que (sendo capitalista ao extremo ou não, não é a questão, embora eu ache que sim :grana:) com apoio de outras companhias, passou a vender games antigos para rodar no Wii em 2006. Poderiam essas empresas ter liberado as velharias gratuitamente, como aconteceu com games específicos de outras empresas? EA, Ubisoft e Rockstar são algumas que liberaram títulos antigos de seu catálogo para download gratuito.
Poderiam, seria ótimo. Mas não fizeram e a emulação (teoricamente) tira um potencial cliente desses games clássicos via Wii, Steam e outras bases de jogo. Teoricamente, pois nem todos tem um videogame moderno e não ser darão ao trabalho de comprar um para jogar clássicos: ou compra um console antigo original, ou um dos "retroconsoles-emuladores", como o Dingoo e o Cybergame (que também caem na ilegalidade ao usar ROMs sem autorização), ou joga no emulador.
Bem ou mal, as empresas têm direito de enfiar suas criações num cofre e não colocá-las sob a luz do dia nunca mais.
Cavalo dado não se olha os dentes
Depois desse texto longo em que aparentemente ataquei o uso de emuladores, fica a impressão de que sou um moralista hipócrita e contra eles e quem os usa. Não incentivo ninguém a ir contra a lei, mas gosto dos emuladores pois dão chance de relembrar grandes jogos. Quase ninguém vai comprar um Neo-Geo por trocentas pratas pra jogar vinte minutos de um velho arcade, ou um caçar um Disk System do Famicom pra saber como era.
Se a experiência incompleta não for suficiente para saciar sua saudade, ou seus princípios o impedirem de usar um emulador por dez minutos como experiência nostálgica, uma boa pesquisada nos sites de produtos usados pode ajudar. Ou não.