As coisas são dinâmicas no mundo da tecnologia; o que hoje é moderno, amanhã estará superado e esquecido pelo grande público, que encantou-se com uma nova peculiaridade de hardware ou mecânica específica. As grandes empresas de games sabem como funciona e estão o tempo todo tentando equilibrar a balança para oferecer novidades e manter o público fiel, já que pender para o lado do sucesso ou fracasso está sobre o fio da navalha: uma escolha ruim pode arruinar gerações.
A história mostra que gigantes como Sega, NEC, Nintendo, Sony e Atari tiveram altos e baixos, às vezes transformando aparelhos que pareciam destinados ao anonimato em fenômenos de popularidade, outras vezes cometendo tantos erros que se estivessem num plano de autodestruição, não fariam melhor.
Insistir em tecnologias ultrapassadas, preços altos, decisões baseadas em orgulho e escolhas de mercado ruins são só algumas formas de destruir projetos que poderiam ter sido frutíferos. Então, antes de ser aquele fanboy cego que defende sua empresa favorita mesmo quando ela faz besteira, relembre ou aprenda 10 formas de criar um videogame fracassado.
1. Desenhe um controle estranho
Se um padrão existe, é porque foi experimentado e funcionou, pelo menos no momento dele. Mudanças bruscas são recomendáveis só quando o padrão esgotou-se e o mercado precisa de novidade. Mas algumas desenvolvedoras não acertam o tempo para introduzir tais alterações, não entendem a necessidade do consumidor.
Veja o caso dos controles: desde que a Nintendo botou um d-pad nos portáteis Game & Watch, eles viraram presença obrigatória em todo controle que se preze, especialmente depois de popularizados pelo Famicom / NES; desde que o formato anatômico, não muito grande, geralmente arredondado e que encaixa nas mãos foi descoberto, ele é o que os jogadores esperam usar.
Então, pra que fazer isso?
Alguém pode alegar que o controle remoto do Wii era estranho, mas é um caso à parte: foi abraçado não só por jogadores antigos, mas em massa por casuais que queriam jogar boliche na sala com a família reunida. É só ver os números: a Nintendo vinha vendendo de 10 a 15 milhões de unidades a menos de cada console desde o NES, mas ali afastaram-se involuntariamente de seu público-alvo clássico (fãs desde a terceira geração) evitando um novo fracasso; lembre que quando o Wii foi lançado, os dois antecessores eram perdedores de gerações, GameCube e Nintendo 64.
O Wii serve até de antítese total: foi graças à não apostar num controle tradicional que a Big N salvou a plataforma, uma das mais vendidas da história com mais de 100 milhões de unidades.
2. Faça complicado
O segredo do sucesso quase sempre é a simplicidade. Ninguém — jogador e muito menos desenvolvedor — tem tempo a perder com complicações. Mas na ânsia de sair na frente da concorrência, alguns aparelhos não foram planejados ou polidos o bastante, caindo no erro de infernizar a vida de quem trabalharia com o hardware.
Nesse erro sempre será lembrado o Saturn. Desenhado com um complicado processamento central duplo (pelo menos 9 chips entre todas as funções), parecia a receita do poder. Mas muito antes dos cores de 4, 8 ou mais núcleos, quem desenvolveria software pra ele não se deu bem. Com devkits escassos, o resultado foi pouco apoio de third parties, que preferiam fazer jogos 2D ou trabalhar com a Sony.
3. Adote um nome confuso / estúpido
O ditado diz "não julgue o livro pela capa", e por extensão pelo título, mas muitos videogames tiveram a primeira chance graças ao nome. Superlativos como Super, Mega, Turbo e Master falavam sobre um poder ainda desconhecido, mas que despertava a curiosidade de consumidor. Na 5ª geração isso foi perdendo espaço para nomes "genéricos". Alguém acha que "cubo de jogos", "estação de jogos" ou "projetor de sonhos" funcionaria antes?
Na fase de projetos, a Sega homenageou uma série de planetas, mas só o Saturn nasceu com o nome: teve ainda Jupiter (a primeira ideia do Saturn, de cartuchos), Neptune (um Mega Drive com 32X embutido) e Mars (o 32X). Pouco depois, enquanto Sony e Microsoft reforçavam suas marcas PlayStation e Xbox, a Nintendo fez trapalhada com o Wii.
"Wii U"? Parece mais um add-on do que console novo, independente. Nem tem a óbvia numeração do PlayStation, nem a conotação modernosa de um "360", muito menos transmite de poder: é fraco, sem personalidade e ótimo para confundir quem não tem intimidade com a matéria. A Microsoft resolveu botar um "One" no seu novo Xbox e também foi criticada na escolha insossa (coincidência ou não, está tomando um couro do PS4).
4. Esteja atrasado
"Os últimos serão os primeiros"? Pelo menos na tecnologia não, como mostra a maioria dos casos. Nem sempre o hardware mais avançado venceu sua geração, mas chegar tarde à festa para ser o mais moderninho não compensa.
A Nintendo demorou na transição 8 → 16-bit, e quase viu a vaca ir pro brejo com um Genesis tecnicamente inferior dominante no mercado americano. A Sega provou do mesmo veneno com o 32X, que falhou totalmente em 1995, claramente sem espaço e sufocado pelos 32-bit "de verdade", e no Japão com o Mega Drive, que não conseguiu desbancar nem a NEC com seu PC Engine, lançado um ano antes.
5. Ignore parceiros
Acreditar no próprio taco, ter uma equipe e um bom acervo de propriedades intelectuais é importante, mas é difícil vencer uma batalha sem aliados de peso. A Nintendo vem se apoiando quase que exclusivamente nas próprias pernas desde o Nintendo 64, quando cometeu o erro nº 7 dessa lista, e viu velhos companheiros mudando de lado.
Se o sucesso do SNES foi alimentado também por jogos como Final Fantasy, Street Fighter II e Chrono Trigger, as máquinas seguintes passaram a ter quase que só franquias da própria Nintendo como base de sustentação, o que tem três pontos negativos:
- Aliena uma faixa de consumidores, que podem não ser exatamente fãs das temáticas da casa (quantos compraram o SNES por causa de jogos de terceiros, e deixariam de fazê-lo se estivessem no Mega Drive?)
- Sobrecarrega o time local em termos de trabalho e conhecimento; para explorar gêneros diversos, são necessários designers e programadores que enriqueçam o portfólio (exemplo: a Activision que empurrou o Atari 2600 a um novo patamar técnico).
- Pode tornar a biblioteca do console monótona e pobre, sem nomes importantes de outras companhias.
6. Erre o alvo
Quem precisa se adaptar: o produto ao consumidor, ou o consumidor ao produto? Pela lógica de algumas empresas, o consumidor é que deve continuar aceitando suas criações, com pouca ou nenhuma alteração ad infinitum, ignorando o universo ao seu redor. É o que chamamos de "errar o alvo".
Exemplo: GameCube. Lançado no fim de 2001, a Nintendo seguiu seu padrão imutável direcionado a um público-alvo infantil ou "para toda a família", como preferem. Desde suas cores berrantes até os jogos, é inegável esse direcionamento — alguns fãs protestarão falando sobre Call of Duty ou Resident Evil, mas dos 20 games mais vendidos, 18 eram de temática infantil ou "para todos os públicos", como Animal Crossing, e só em 17º aparece um Resident Evil 4.
Num momento em que videogames estavam passando para as mãos de um público majoritário dos 25 aos 35, é uma escolha discutível.
7. Ignore tecnologia de ponta
Já disse nessa lista que nem sempre o mais avançado em tecnologia, então como ignorar tecnologia de ponta pode ser decisivo no fracasso de um videogame? A Nintendo tem exemplos como o Game Boy e o NES, que inferiores aos rivais, foram absolutos; uma de suas linhas-guias é o "Pensamento Lateral" de Gunpei Yokoi, criador do Game Boy: usar tecnologia conhecida é mais barato e acessível do que novidades caras e estranhas ao público.
Mas de novo, é preciso discernimento para captar a hora de ser sóbrio ou generoso. Na passagem da 5ª geração, o Nintendo 64 é um exemplo de como manter a cabeça presa no passado resulta em desastre: se não foi tão ruim, a fuga dos parceiros continua sentida pela Big N até hoje. E mais tarde, erraram de novo na economia de recursos do Wii U, alheios ao lastro que rivais deram às softhouses, que não veem neste capacidade de rodar certos títulos de foram adequada, como Project Cars, e até indies como Indivisible.
8. Faça um produto caro
Exceto quando é deliberadamente voltado ao público rico entusiasta, lançar um produto caro para fabricar, e por consequência caro ao consumidor, é uma ótima forma de limitar seu alcance.
O caso da SNK com o Neo-Geo não se enquadra, já que o console era gêmeo do arcade, voltado a clientes específicos, por isso seu alto valor compatível com a qualidade. O 3DO foi parecido: falhou pela péssima biblioteca, porque se tivesse jogos muito bons, conquistaria seu nicho "de luxo".
De novo, a Sega ilustra um exemplo negativo. Quando lançou o Saturn, os executivos americanos foram incapazes de convencer a matriz de que o preço era alto demais para concorrer com o sedutor PlayStation. E quando Steve Race falou "299", aí acabou de vez.
9. Lance jogos ruins
Quando sua plataforma licencia desenvolvimento de software pra muita gente, o mínimo que se espera da dona da máquina é algum nível de controle de qualidade. A Nintendo foi mestre nisso, praticamente botando rédea nos escrav... parceiros durante a hegemonia do NES e depois com SNES, coisa de feitor mesmo. A Sega também conferia o resultado dos terceiros, até processando os mais saidinhos como a Razorsoft por causa das estátuas nuas de Storm Lord.
A Atari não cuidou disso; não por desleixo, mas por não conseguir mesmo. Quando o 2600 dominava o mundo, terceiros não-autorizados produziam jogos e não havia barreira tecnológica para impedi-los. Assim surgiram títulos moralmente ultrajantes, como Custer's Revenge, abalando a credibilidade e a reputação do console e da empresa. Foi um dos ingredientes do crash da indústria de 1983.
10. Seja afoito
Se ficar dormindo no ponto é ruim, empurrar tecnologias de forma apressada também não é legal. Como citado no item 6, o mercado é que compra as alterações em doses homeopáticas, e não elas é que devem ser socadas em momentos inoportunos na vida das pessoas, pois provavelmente não serão aceitas.
A Nintendo perdeu a mão quando tentou, no meio dos anos 90, apostar na incipiente realidade virtual nos videogames com o Virtual Boy. O aparelho, que mal passava de um projeto, um conceito para quem sabe nascer algo mais elaborado no futuro, foi lançado como portáti", nas portabilidade tinha pouca: péssimo design ergonômico, preço alto e poucos jogos. Foi quase o supra-sumo dos erros, unindo vários da nossa lista. Estava fadado ao fracasso desde o dia em que repousou na primeira prateleira.
Bônus: devaneie, seja orgulhoso e / ou arrogante.
Quase todos os grandes caíram na falha da soberba ou dos devaneios. A Atari, num frenesi de inovação nos anos 80, gastava caminhões de dinheiro com estúdios que faziam invencionices pouco práticas e rentáveis; até jogo controlado pelo "pensamento" eles tentaram, o Atari Mindlink.
A Sega, com cofres estufados de vender Mega Drive, se meteu em projetos caros e fora de propósito comercial, apesar de válidos como inovação e pesquisa: quase vinte anos antes do Oculus, fizeram um headset com detecção de movimentos da cabeça, o Sega VR. Exterminaram o Mega Drive para valorizar o Saturn e ignoraram a franquia de luta Eternal Champions para priorizar Virtua Fighter — em ambos os casos, orgulho regional da Sega Japan falou mais alto, já que o Saturn era seu primeiro console a fazer sucesso pra valer na terra natal, e Eternal Champions, cria da Sega of America.
A soberba prejudicou muito a Nintendo. Primeiro com o NES, pensaram que jamais seriam atingidos por concorrentes nanicos como a Sega, e depois ao teimar em cartuchos (Nintendo 64) e discos proprietários, afastando parceiros.
Espero que de tudo certo com o novo console Mad Box que promete e garante ser absurdamente mais poderoso que os futuros PS5 e novo Xbox: http://gamertag.com.br/2019/03/10/console-mad-box-fase-final/
Acho ótimo uma nova empresa entrando no ramo dos consoles, em meados dos anos 90 tínhamos muita concorrência:
3DO, Jaguar, CD-32, NeoGeo, Saturn, PSX, N64 e muitos outros…
Mas tecnicamente fazer o console mais poderoso é muito fácil, basta por uma nVidia TITAN RTX TI + um Core i9-9980XE Extreme Edition. E pronto você tem a coisa mais monstruosa já criada para sua época rs. O difícil é fazer com que isso e todo o resto custe menos que 499 dólares.
Quem disse que o Mega é inferior tecnicamente ao SNES?
É inferior. Foi lançado quase dois anos antes, e perde na maioria dos quesitos técnicos para o SNES — afinal, se a Nintendo não lançasse algo superior dois anos mais tarde que o concorrente, podia fechar ali mesmo.
Senti bastante sonismo nesse artigo todo.
Olá Daniel, excelente post com sempre. Leio todos seus post mas infelizmente não comento em todos (falta de tempo, talvez. Tentarei ser mais participativo)
"A história mostra que gigantes como Sega, NEC, Nintendo, Sony e Atari tiveram altos e baixos, às vezes transformando aparelhos que pareciam destinados ao anonimato em fenômenos de popularidade, outras vezes cometendo tantos erros que se estivessem num plano de autodestruição, não fariam melhor."
Hahahaha! não vem não, a minha querida SEGA é a campeã no quesito auto destuição.
Eu poderia tecer várias linhas de comentários aqui, mas seria muito tedioso, não sou um bom escritor como você.
Parabéns e continue com seu excelente trabalho.
PS: Eu já mencionei uma vez mas ... digo novamente. Você poderia transformar alguns de seus artigos em vídeo. Seriam documentários excepcionais.
Grande Abraço.
Old-Hutter!
Valeu, Hutter! Você é um dos apoiadores mais frequentes do site, já que não somos um Kotaku da vida com milhões de visitantes =D
A Sega quase literalmente destruiu-se, mas a Nintendo fez umas bobajadas aí, que se não fosse por Mario e Wiimote, não sei não, viu...
Minha dicção não é das melhores e o ambiente em que trabalho é muito ruidoso pra gravar em paz, estou testando alguns vídeos comentados no formato "data clipe", como na finada MTV: com comentários em texto que aparecem em caixas. Se o pessoal não aprovar, talvez eu os assombre com minha voz em breve.
Abraço!
Você é mais um dos que afirma que a Nintendo vai falir? Cara nem por causa do WiiU ela chegou nesse ponto já sua querida Sony nem preciso falar né.