Os seios da Chun-Li, o tapa de Mika e o futuro do politicamente correto

A Capcom corrigiu o sacolejar dos seios de Chun-Li. Certo, mas até onde vai o bom senso e começa o achatamento criativo?

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A exploração de características sexuais dos personagens de Street Fighter V continua dando pano pra manga. Depois da discussão sobre as roupas da brasileira Laura e o close no traseiro estapeado da R. Mika, a bola da vez são os seios da Chun-Li.

Foi descoberto ainda na fase beta um bug na tela de seleção de personagens, em que a física dos seios da personagem varia entre o player 1 e o player 2. Enquanto a Chun-Li do jogador 1 tem as mamas firmes, rígidas e sem balanço, como que guardados por um sutiã de aço primeira qualidade, a segunda ganha um, digamos, "swing" meio gelatinoso que muita gente achou absurdo.

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A diferença começou a circular em fevereiro, num vídeo sarcástico da Eurogamer. Pouco mais de um mês depois, a Capcom soltou um patch que torna os seios iguais em ambos os controles. Claro que os sacolejantes sumiram, ficando o firme como titular (Mai, você está oficialmente ultrapassada).

Veja o vídeo de como era antes:

E como fica depois do patch:

Independente de qual ficou mais realista, é óbvio que a segunda estava sob efeito de alguma falha na física. A Capcom faz questão de ter uma Chun-Li bem equipada de mamas; poderiam ser menores, ou não... Mas já que fizeram grandes, esferas visualmente duras e imóveis também não são naturais. Um certo balanço quando a lutadora se move, mesmo com sutiã, seria mais que natural, ou não? Claro que seria!

Realismo pra quem?

Quanto mais os gráficos ficam "realistas" (se é que o termo se aplica ao cartunesco de Street Fighter), maior a indignação a respeito dos personagens. Por consequência, mais é preciso maquiar o que seria natural para manter-se aceitável.

Quando a violência digitalizada de Mortal Kombat fez sucesso, emergiu um massacre midiático e público. Níveis mais agudos de violência eram praticados sobre personagens pixelados e só casos extremos como Custer's Revenge chocavam o bastante para causar comoções. Decapitações, inclusive de crianças em Halloween (Atari 2600) ou The Immortal (Mega Drive) passavam quase que ilesos.

Mas se havia – e ainda há – tolerância com a violência, o tabu sexual é infinitamente mais implacável.

A evolução gráfica gerou as primeiras discussões ainda nos 16-bit. A Sega comprou briga contra a Razorsoft porque em StormLord havia fadas nuas agarradas ao protagonista na tela-título e estátuas nuas no jogo. Em 1987, Barbarian: The Ultimate Warrior causou furor com a voluptuosa modelo Maria Whittaker usando biquíni numa capa que remete a Luis Royo. Essa:

Maria Whittaker

Pela impossibilidade de modificar conteúdo distribuído (que não acontece agora), o que saía ficava daquele jeito. Ganharia um selo de restrição de idade, uns processos, reclamações da Liga das Damas e Cavalheiros Pudicos, mas seguia como concebido pela desenvolvedora. Na pior hipótese, seria recolhido em vários países e proibido de circular.

Hoje, com patches online, uma reclamação viraliza e chega voando aos ouvidos do criador, antes até do jogo ser concluído.

Melhor a SNK se cuidar se quiser trazer Mai pros holofotes de novo...
Mai não tem mais espaço com esse gingado.

Mai Shiranui sobrevive há décadas sob acusações de ser puro fan service, mas vive infalível em seu estilo de ninja sensual e sedutora patenteado pela SNK. Causa estranheza que Bayonetta, por outro lado, seja reverenciada por muita gente que detona Mai por ser "dona de sua própria sexualidade". Ela é sexy, enfia isso na cara dos inimigos e não está nem aí.

É que Mai faz. Segundo seu enredo clássico, usa a sensualidade como arma para distrair e arrebentar os caras. Por que uma é saudada e a outra destruída? Atualização 2021: nos últimos anos isso mudou um pouco e anda sobrando pra Bayonetta também.

Leia também → Lendas dos Games #4: Mai e Gen 'An Shiranui são parentes?

R. Mika teve um ângulo de câmera alterado em Street Fighter V para não mostrar o tapa no traseiro que beira o cômico, burlesco. O traseiro que já era esfregado de dor e jogado na cara dos rivais desde Street Fighter Zero 3 não foi perdoado – e a Capcom obedeceu.

Ângulo mostrando o tapa foi alterado após reclamações.

A câmera "por baixo" na intro de Cammy, com uma tomada indiscreta de suas partes íntimas, até acho compreensível que seja alterada – se bem que o ângulo a partir de sua bota e apontada pra cima era ótimo, dava uma perspectiva de grandiosidade nela. Poderiam ter só virado a câmera um pouco pra não enquadrar a genitália, mas talvez para evitar futuras patrulhas, optaram por um lateral e sem vida.

Voltando ao ponto: quem discorda vai reforçar que o caso de Chun-Li era um bug. Mas se começamos a modelar personagens "como os fãs querem", palatável para uma amplitude de público com suas distintas formas de ver e pensar, soa como botar cabresto na arte. Não duvido que, se tivessem tempo, o movimento da Mika teria sido removido; alterar a câmera foi o remendo para a onda não virar tsunami. Não me espantará se ela for para a geladeira de novo após o último hiato.

Sei, muitos adorariam.

Vontade de rei

E mais: impor alterações não barra a exploração da identidade do personagem? Se um estúdio do naipe da Capcom aceita todo tipo de opinião ou ordem ainda em beta, o produto final não será "by Capcom", mas "by Capcom com direção dos fãs". Apesar da proposta interessante de feedback para melhoria de jogabilidade, quando isso interfere no processo  ou resultado criativo, é algo que me deixa com uma pulga atrás da orelha.

mai rant
Um pouco de ranço contra a pobre Mai. "Mai Shiranui é a pior personagem feminina de jogos de luta... Concordo com você totalmente. De fato, ela pode até ser a pior personagem de videogames EM GERAL. KOF fica melhor sem ela".

Imagine no cinema, quantas obras-primas teriam sido afetadas por padrões morais. "Mas pô, remover um seio balançando não é alterar uma obra-prima, está forçando a comparação". Realmente não é, nesse caso. Mas e quando vira prática?

Que as softhouses tenham senso crítico é necessário e saudável, porque tem coisa errada acontecendo o tempo todo. Mas moderação é a palavra de ordem ou vamos achatar as produções a um nível de mesmice total.

Todas as lutadoras PRECISAM estar religiosamente cobertas ou com roupas "largas e confortáveis"? Precisam ter seios discretos, comportamentos moralmente aceitáveis? Não pode existir um "Hot Ryu", um Zangief impossivelmente musculoso, um bruxo hipster? Até o Zero Suit foi destruído porque é colado ao corpo da Samus Aran.

Se a gente entrar numa histeria coletiva do politicamente correto (e não, questionar a sexualização gratuita em todo trabalho não entra nisso), muita coisa bacana pode deixar de existir, então CALMA.

E pra terminar com medo: já tem gente reclamando do volume na calça do Zangief, pesquisem "Zangief bulge SF V" por aí pra conferir. Será que vão transformar o coitado em eunuco em futuras versões?

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