Videogame é arte sim: alguns mestres além de Miyamoto

Primeira parte.

Videogames são arte?

Anos atrás, nossa ministra da Cultura disse que não entendia videogames como arte, mas entretenimento. Sofreu um pequeno massacre público, com direito até a carta de esculacho da Square. Reconsiderou. O crítico de cinema Roger Ebert, na mesma linha, opinou que eles não podem ser arte. Num artigo em que refuta qualquer argumento a favor da relação games-arte, garantiu que ninguém foi capaz de lhe indicar um sequer comparável ao trabalho dos grandes romancistas, cineastas e poetas. Depois reconsiderou, pero no mucho.

Com histórias, imagens e sons, videogames vêm ganhando respeito à sua característica artística. Mas a visão de que objetivos e regras não podem ser arte sobrevive entre puristas. A própria definição de arte é um tanto subjetiva. Nu é arte? Sem dúvida, pode ser. P0rn0grafia não. E se o nu for artístico, mas com finalidade p0rn0gráfica, como faz? Se o ballet é arte pela plástica, por que não os dribles do Ronaldinho Gaúcho dando show pra torcida, ou as piruetas aéreas do Air Jordan?

Segundo a Wikipédia, epítome do senso comum (ou é amargura minha contra aquele palácio do conhecimento?):

Arte (do latim ars, significando técnica e/ou habilidade) pode ser entendida como a atividade humana ligada às manifestações de ordem estética ou comunicativa, realizada por meio de uma grande variedade de linguagens , tais como: arquitetura, desenho, escultura, pintura, escrita, música, dança e cinema, em suas variadas combinações. O processo criativo se dá a partir da percepção com o intuito de expressar emoções e ideias, objetivando um significado único e diferente para cada obra.
miyamoto
Esse é "hors-concours" e fim.

Oras, isso não é a descrição de vários games? Não são obras como Myst em seu desbunde gráfico e assombro imersivo em pleno 1993, ou a recriação da estética arquitetônica de uma Miami corrompida em GTA Vice City "manifestações de ordem estética e comunicativa"? Ou ainda o delírio original e único de EarthBound? As trilhas sonoras de Nobuo Uematsu? A narrativa multimídia de Yu Suzuki em Shenmue? Quem melhor pra citar do que um Shigeru Miyamoto com sua coleção de personagens e mundos: difere tanto do padrão de um Jim Henson (cuja família / fundação ofereceu reconhecimento à criatividade do Miya)?

Esse é, quase que sem discussão, a mente criativa mais reconhecida dos games. Cérebro — ou coração — de peças chave na fantasia da Nintendo. Ele personifica grande parte do que a Big N nos deu de melhor. Mais: é a cara da geração que fez do videogame um negócio bilionário, que cresceu e foi entretida por ele. Um artista genial.

A gente fica tão maravilhado com suas proezas, por admiração ao próprio ou movidos pelo nintendismo, que às vezes damos menos valor aos demais. Dentro da Nintendo se formaram ou lapidaram outros diamantes. Que tal Satoru Iwata, que do esforço pessoal na HAL virou o primeiro presidente não-Yamauchi da companhia? Na eterna rival da história, Sega, Yu Suzuki criou hardware e software dos mais inovadores, com raízes até hoje. E um tal Iwatani saiu da mesmice e entendeu que videogame era mais que guerra — e coisa de mulher também, por que não?

Num pequeno espaço de justiça e homenagem, vamos lembrar o nome de alguns outros gênios da programação e game design — grandes mestres da arte videogame, sim senhores.

5. Toru Iwatani

Especialidade: design.
Trabalhos: Pac-Man, Pole Position.
Característica: visionário, ampliou o alcance dos games.

toru iwataniAzul e rosa. Carrinho e boneca. Videogame e... sei lá, TV? Na segmentação de gênero pela indústria¹, meninas foram desprezadas por muito tempo. Sob pretensa "falta de interesse" das moças (ofereceram algo segmentado pra elas?), videogames eram presente dos meninos, e num efeito óbvio, eles se entusiasmavam mais, e ganhavam mais conteúdo, etc...

¹ Indústria sim, e nem venha com "menina é predisposta geneticamente a gostar de boneca", ou te soco um Comandos em Ação na cara.

Alguém precisava romper o ciclo. Por que ignorar metade da população, quando se pode ampliar o alcance com um pouco de estratégia? Foi assim que Iwatani, jovem funcionário da Namco, guiou-se enquanto produzia Pakkuman, um jogo maluco da bolinha com boca, que comendo, fica forte (inspirado no Popeye). Podia ter criado inimigos típicos, monstros feiosos e um herói malvadão, mas optou pelo humor e graciosidade. Nasceu o quarteto Akabei, Pinky, Aosuke e Guzuta (na América, Blinky, Pinky, Inky e Clyde). Vilões simpáticos, até despertam pena quando devorados. Parecia na medida para todos.

A recepção japonesa foi só razoável, mas funcionou como Iwatani pensava na América. Pela primeira vez, as meninas compareceram aos arcades e se divertiram com algo que não eram naves explodindo ou simulações de esporte. Para evitar piadas com o nome planejado ocidental, Puck Man (pela semelhança do personagem com um puck, aí bota um f, já viu), nasceu Pac-Man. E inovações que resistem ao tempo: mascote lucrativo e popular, power ups, cenas intermediárias e target no público diverso.

Ser "Criador de Pac-Man" bastava pra merecer estátuas e citações pelo resto da história. Mas Iwatani desenhou outra joia dos games, Pole Position, um dos mais influentes jogos de corrida. Ainda que não tenha sido o primeiro a apostar na visão "terceira pessoa" do carro, ele inovou com volta de classificação e desenhos (para a época) incrivelmente realistas de pistas, carros e cenários.

4. Hideo Kojima

Especialidade: roteiro.
Trabalhos: Metal Gear, Snatcher, Policenauts.
Característica: buscou aproximar games ao cinema.

hideo kojimaAs similaridades entre games e cinema hoje são óbvias. É grande o número de diretores de jogos que flertam com a sétima arte, seja em roteiros, cenas intermediárias ou estilo geral. O advento do CD permitiu FMVs e diálogos muito complexos, e gente como Kojima tirou vantagem da tecnologia para aproximar os mundos.

Caçula de três irmãos, tinha uma imaginação fértil. "Eu estava o tempo todo imaginando histórias sobre as coisas ao meu redor." Na infância assistia muitos filmes na TV com os pais; fãs de terror, cultura ocidental e europeia, não só permitiam, como faziam questão que o filho assistisse de tudo. "Eles não me deixavam ir pra cama até o filme acabar, ao contrário do que acontece normalmente. Não me mostravam só filmes de criança. Podia ver até as cenas de sexo."

Após os 10 anos, foi encorajado a assisti-los sozinho; recebia dinheiro para ir ao cinema e depois discutiam o que ele havia escolhido. Com amigos, brincava fazendo filmagens em Super 8, filmes toscos sobre zumbis e monstros. Aos 13 anos perdeu o pai, e o vínculo afetivo com as noites de TV aumentou sua solidão — e o desejo de estudar cinema. Mas sem acesso a bons cursos, entrou na faculdade de economia.

Foi nessa época que o Famicom virou sua cabeça: Super Mario Bros. o fez decidir abandonar a faculdade para trabalhar com games. Amigos tentaram dissuadi-lo; o mercado era incerto, novo. Kojima estava encantando pela interatividade e as possibilidades. "Pensei que games poderiam ser algo importante no futuro. Eu sentia que o mundo esperava para ver o que videogames poderiam se tornar". Só a mãe o apoiou na loucura.

Escrevia roteiros quando começou a procurar uma vaga. A Konami pareceu a melhor opção, pois estava na bolsa de valores. Lá encontrou gente parecida com ele: potenciais músicos, cineastas, ilustradores, gente de arte apostando numa mídia nova. Seu primeiro trabalho, Lost Warld, game de plataforma protagonizado por uma mulher mascarada, foi cancelado com seis de andamento. A Konami queria um jogo sobre guerra.

Inspirado em Fugindo do Inferno, de John Sturges (aquele com clássicas cenas de fuga de Steve McQueen), Kojima bolou uma nova abordagem: em vez de enfrentar inimigos, o jogador escaparia furtivamente deles. Cairia como uma luva no MSX, que tinha dificuldade para lidar com múltiplos sprites, típicos em jogos de guerra. Precisou do apoio de um nome importante no comando para tocar seu projeto, que converteu-se em Metal Gear, definitivo no gênero stealth.

Na sequência, mais influência de cinema em Snatcher, ambicioso cyberpunk com elementos de Terminator e Blade Runner, trama forte e conteúdo adulto. Além das sequências de Metal Gear e Snatcher, Kojima manteria a tônica de filme como em Policenauts e seus toques de film-noir e sci-fi, até a aclamação mundial com Metal Gear Solid — amplamente visto como obra de arte, como no review da GameSpot e no prêmio por Excelência em Arte Interativa do Japan Media Arts de 1998.

Resultado dos filmes adultos que viu na infância ou não, seus jogos costumam abusar das personagens femininas, como na mocinha no chuveiro de Snatcher, ou na escandalosamente despida Quiet em MGS 5: The Phantom Pain, que sendo fan service ou não, tem um perfil psicológico e cenas de extrema violência. É o mundo estranho e fantástico de Kojima.

3. John Carmack

Especialidade: programação.
Trabalhos: Wolfenstein, Doom, Hexen, engines.
Característica: o "engenheiro da Matrix" dos FPS.

john carmackAté gosto do trabalho e reconheço a importância, mas se Romero foi a "cara" da Id Software em sua fase áurea, Carmack foi o cérebro de muito mais.

O americano melhor colocado da nossa lista adorava computadores desde criança. Tanto que se meteu numa encrenca da pesada por eles: aos 14 anos, foi condenado por tentar, com um grupo de amigos, roubar os Apple II da escola, invadindo-a durante a noite. Claro que não foi como um ladrão comum: usou um composto químico para derreter o vidro da janela, mas um parceiro de crime obeso acabou entalado e abrindo a janela, o que acionou o alarme e denunciou o golpe.

"Eu era meio que um babaquinha imoral naquela época", lembrou o adulto Carmack, "Era arrogante sobre ser mais esperto que todos, mas também infeliz por não poder passar a vida fazendo o que gostava. Fiquei um ano num centro juvenil por ser réu primário depois que a avaliação psicológica foi bem ruim".

Felizmente não havia nenhum defensor do "bandido bom é bandido morto" perto, e ele se recuperou totalmente do erro. Fez dois semestres de ciência da computação, que bastaram para começar a trabalhar com programação freelancer. Na Softdisk, conheceria Romero e outros designers e programadores, que mais tarde fundaram a Id Software.

Carmack dava sinais de sua genialidade com inovações como o "adaptive tile refresh", método mais eficiente que os conhecidos para renderizar gráficos em side-scrolling no PC. Com ela, fizeram uma versão de Super Mario Bros. 3 para PC chamada ironicamente "Dangerous Dave in Copyright Infringement". Procuraram a Nintendo para apresentar o excelente resultado, mas a empresa não queria saber de computador.

Tanto fazia. Jogos próprios usariam a tecnologia, como Commander Keen 1: Marooned on Mars. Outras vieram como sua versão de ray casting; foi base do motor escrito em C, lançado em 1992 e usado em vários jogos, como o seminal Wolfenstein 3D. O mais importante é que Wolfenstein foi um tipo de semente para o jogo padrão dos FPS e um dos mais influentes já criados: Doom.

Durante seu prolífico período na Id, Carmack usou ainda o Particionamento Binário de Espaço (em Doom), Surface Caching (Quake), Carmack's Reverse (técnica de sombreamento usado em Doom 3, cujo algoritmo descobriu um ano depois de apresentado resultado similar, patenteado pela Creative Labs) e MegaTexture (Enemy Territory: Quake Wars). Suas engines foram licenciadas e geraram clássicos como Half-Life, Call of Duty e Medal of Honor. As contribuições são de valor e alcance inestimável.

2. Gunpei Yokoi

Especialidade: design.
Trabalhos: Game & Watch, Game Boy, D-pad, filosofia Nintendo.
Característica: definiu passado e futuro da Nintendo.

Gunpei-YokoiA Nintendo foi nos games algo como o Brasil no futebol até o fim dos anos 90: nascia mais craque que mato em terreno baldio. Ninguém entendia de onde vinham aos montes, e porque se reuniam sob o teto da mesma empresa sortuda. Será que tinha algo na água dos bebedouros do prédio da "11-1 Kamitoba-hokotate-cho, Minami-ku, Kyoto", pra despertar o gênio adormecido de todos? Além do citado Miyamoto, a gente podia listar mais uns 20, 30 sujeitos fundamentais da história dos videogames.

Entre a nata, Yokoi. Começando como engenheiro numa das fábricas de cartas (se alguém ainda não sabe, a Nintendo fabricava cartas de baralho e brinquedos antes de ser "a" Nintendo), foi promovido do dia para a noite, quando o poderoso chefão Yamauchi o descobriu por acaso. Ele havia projetado, nas horas vagas, um tipo de braço mecânico com ventosas nas pontas. Yamauchi ordenou que o projeto paralelo virasse produto e assim nasceu o Ultra Hand. Vendeu mais de um milhão de unidades — e transformou Yokoi em designer oficial.

De sua cabeça saíram vários brinquedos, até que no fim dos anos 70, numa viagem ordinária de trem-bala, veio a fagulha que incendiaria o mundo. Vendo um executivo matar o tempo apertando botões numa calculadora, vislumbrou um jogo divertido, simples, fácil de carregar, com bateria de uso prolongado. Seria o Game & Watch, primeira linha de portáteis da Nintendo, que além de inovações como o D-pad e tela dupla (só uns vinte anos antes do DS...), vendeu oficialmente 43 milhões de unidades — mais do que qualquer videogame da Sega, Nintendo 64, XBox original ou Atari 2600. A evolução, Game Boy, virou ícone.

Graças a seu método de design que valorizava a simplicidade em vez de tecnologia de ponta e cara ("pensamento lateral com tecnologia conhecida"), a Nintendo reduziu custos dando ênfase ao game design. A ideologia ainda norteia a Nintendo, que prefere hardware menos parrudo com mascotes populares e jogabilidade acessível.

Como todo gênio, teve lances "mal interpretados". O robô R.O.B. era um isca fantástica para crianças dos anos 80; funcionou com dois games, mas ganhou certo status. Já o Virtual Boy tentou popularizar a "realidade virtual 3D" com tecnologia tosca. Mal planejado, finalizado e lançado = maior fiasco da empresa centenária.

Vital que foi dentro da Big N, Yokoi deixou lendas: há que acredite que sua trágica morte em 1997 tenha sido um crime planejado pela Nintendo com ajuda da Yakuza, para não revelar segredos da companhia para terceiros. Àquela altura ele tinha sua própria companhia, a Koto, e criado o bom WonderSwan em parceria com a Bandai.

1. Yu Suzuki

Especialidade: programação, design.
Trabalhos: Hang-On, Virtua Fighter, Virtua Racing, Shenmue, engines, hardware.
Característica: "Se Miyamoto fosse o pai dos games, acho que eu seria a mãe".

yu suzukiTempos atrás, consoles eram um acesso barato ao que realmente interessava: jogos de arcade. Apesar da semi-irrelevância moderna em termos de software, máquinas profissionais ditaram o ritmo por boa parte das décadas de 70 até 90. Ports não chegavam ao mesmo nível: a gente se contentava com versões inferiores, desde que boas o bastante pra manter a jogabilidade intacta.

Mas a tecnologia progrediu, e ali pelo início do milênio, praticamente não havia mais diferença entre casa e rua. Arcades deixaram de ser o mestre a seguir, e hoje precisam de hardware de apelo pra fazer diferença — afinal, quem vai ter uma cabine de cinco mil dólares pra brincar de piloto na sala? Os filhos do Temer e do Lula, claro.

Naquele tempo, um cara genial já bolava cabines imitando motos, carros de corrida e o que mais desse na ideia. Interessado por artes desde a infância — pais músicos, irmã bailarina, ele próprio músico frustrado —, Suzuki descobriu na programação e engenharia seu rumo. Entrou na Sega e logo no primeiro trabalho fez Champion Boxing, apostando no nicho dos jogos de luta "um contra um" um ano antes da consagração do gênero com Karate Champ. Foi um dos fundadores da divisão AM2.

Para provar seu valor, em seguida criou Hang-On, inaugurando uma tendência: o taikan, ou controle usando o movimento do corpo. Inclinando lateralmente a moto — ou melhor, um grande controle hidráulico em formato de moto — fazemos as curvas na tela. Rodava no Sega Space Harrier, sistema do próprio Suzuki que permitia pseudo-3D e escala de pixels em pleno 1985. "Todos os cálculos do sistema eram em 3D, mesmo em Hang-On. Eu calculava a posição, escala e zoom em 3D, e então convertia para 2D. Eu pensava em 3D".

Hang-On foi uma forma de revigorar os arcades, como lembra Suzuki:

Era uma experiência nova, para um novo mercado. Me disseram que as pessoas não jogariam porque eram muito tímidas. Mas acabou que todos, até moças usando saia, jogavam o game. Aquilo tornou os arcades locais muito mais cheios de vida.

Ele realmente só pensava "naquilo", o 3D. Após sucessos como Space Harrier, Out Run e After Burner, Suzuki e AM2 introduziram a linha de hardware "Model". De cara, dois dos games mais influentes em seus gêneros: Virtua Racing, primeiro racing totalmente poligonal com grande alcance, e Virtua Fighter, o alfa para jogos como Tekken e Soul Calibur — e grosso modo, todo poligonal no mesmo naipe de jogabilidade. Segundo Shigeo Maruyama, CEO da Sony Corporation Entertainment até 2002, o sucesso de Virtua Fighter foi decisivo para a escolha de hardware 3D do PlayStation.

Suzuki conseguiu baratear o custo de um chip de uso militar adquirido pela Sega para ter texture mapping (textura de polígonos) na placa Model 2. Projetado para simuladores de voo de 32 milhões de dólares, o chip da Lockheed Martin custava cerca de 2 milhões de dólares. Suzuki acreditava que poderia usá-lo em jogos, e chegaram ao preço de 50 dólares. Foi outra tecnologia base de tudo que existe hoje. Depois ainda teve Daytona USA Virtua Cop (influência para games de tiro como GoldenEye 007, três anos depois), entre outros.

Em Shenmue, do Dreamcast, alcançou um novo nível de interação entre jogador e ambiente. Com um mundo aberto contemporâneo e explorável, relógio e eventos interativos batizados por ele como "quick-time", o jogo segue como modelo para sandboxes posteriores, como GTA III, dois anos mais tarde.

É difícil explicar até onde vai a influência de Suzuki na indústria. Mas ele mesmo tenta:

Desde que entrei na Sega, em 1983, fiz games taikan e aquilo se tornou um padrão ou virada na indústria. Foi minha primeira influência. A segunda foi a virada dos gráficos 2D para 3D. Acho que minha influência foi bem significantiva nisso. Depois, acho que foi Shenmue. Shenmue mudou Final Fantasy e vários outros games. Então após quase 40 anos de história nos games, sinto que as coisas que fiz mudaram a indústria como um todo. É um testamento do meu trabalho e fico feliz por ter conseguido produzir jogos que tiveram um grande impacto na indústria.

Esse impacto não deve nada ao de Miyamoto, com a diferença óbvia entre as carreiras: enquanto um esteve toda a vida representando uma marca, o outro seguiu caminhos e gêneros variados: do esporte ao sandbox, arcades aos consoles. "A diferença entre Miyamoto-san e eu é que ele pega o mesmo jogo e vai mais e mais fundo, como na série Mario, enquanto eu gosto de trabalhar com diferentes games e conceitos. Não gosto de fazer sempre a mesma coisa. O mesmo vale para hardware".

Bônus

Alguns mais que tiveram momentos de genialidade.

Kazunori Yamauchi

Característica: levou simuladores de direção em consoles a um novo nível.

kazunori yamauchiQuando a paixão por cinema, programação e carros se encontra, dá o quê? A maior franquia de simuladores de direção já feita, Gran Turismo. Yamauchi é o alfa e o ômega da série que começou no PlayStation, quando a subdivisão da Sony em que trabalhava foi escalado para um jogo de corrida.

Ele admite ter caído nesse mundo sem a mínima intenção. "Meu início na criação de games foi coincidência. Sempre sonhei em ser diretor de cinema. Quando jovem, vendo a Sony comprar a Columbia, entendi que trabalhar para a companhia que era dona de uma companhia de cinema, me permitiria alcançar isso. Mas aconteceu de eu ser designado para um novo time na produção de videogames. Em termos de games, comecei a brincar com códigos por volta dos 10 anos, mas era um hobby, nunca pretendi — ou pensei — que se tornasse meu trabalho."

Seu game inicial foi MotorToon GP, de 1994, um tipo de corrida maluca, caricato, meio Mario Kart, mas os controles já tinham algo mais realista que seus semelhantes. Houve uma sequência, mas Yamauchi queria um simulador. Desde 1992 ele trabalhava nesse sonho, e com o PlayStation ele tomou forma, cinco anos depois. Gran Turismo foi um marco nos games de corrida / simuladores, com um nível de realismo nunca visto. Os gráficos eram exuberantes, com túneis, muitos modelos de carro e pistas. Foi o terceiro mais vendido do console, com aprovação quase universal.

A herança deixada foi incrível. Além da franquia que rende milhões no PlayStation, Gran Turismo se converteu num "embaixador" para certas locações; a cidade espanhola de Ronda, retratada em GT6 com a Pista Completa de Ascari, homenageou Yamauchi. O próprio virou figura importante da indústria automobilística (que usa o game para divulgar modelos), e piloto de verdade, disputando a prestigiosa prova de Nurburgring. O documentário KAZ: Pushing the Virtual Divide mostra um pouco de sua carreira "paralela" e como ela influencia no design do jogo.

O realismo é tanto que motivou a existência de um "reality show", o GT Academy, premiando o campeão do videogame com um contrato para pilotar carros da Nissan em competições da Europa. Tudo saído da mente brilhante de Yamauchi e sua infindável vontade de fazer o melhor.

Warren Spector

Característica: aclamado pela crítica, pouco reconhecido pelo público.

warren spectorUm dos motivos de eu não ter citado Romero antes, também passa pelo caminho de Warren Spector. Apesar do sucesso da id Software, Romero e Carmack começaram a se desentender com mais seriedade durante a produção de Quake: Carmack o acusava de ser "sossegado" demais, trabalhar sem prazos, prejudicando o resto do time.

Forçado a sair, Romero fundou a Ion Storm com Tom Hall (saído em 1993 da id por desentendimentos com Carmack sobre o nível de violência em Doom), Mike Wilson (ex-marketing da id), Jerry O'Flaherty (7th Level), Todd Porter (7th Level) e Spector.

Spector tinha histórico no design de jogos de tabuleiro antes de tentar games para computador. Escreveu suplementos para Paranoia, GURPS e Advanced Dungeons & Dragons, até entrar na Origin Systems em 1989, onde produziu, entre outros, jogos da série Ultima. Na Looking Glass, foi produtor em System Shock: sucesso modesto, mas reconhecido pela crítica como um precursor de jogos de tiro e/ou ação com forte enredo e ambientação, como Metal Gear Solid e Resident Evil. Thief: The Dark Project, lançado após sua saída, foi um dos grandes jogos para PC, mistura competente de ação com stealth em primeira pessoa, efeitos de luz e sombra combinados ao som para uma forte imersão.

Mas foi em 1996, convidado por Romero, que Spector entrou na Ion Storm, com a promessa de que poderia fazer o jogo que quisesse, como quisesse. Um projeto pessoal que estava em pauta desde 1993, sem espaço na Looking Glass e mesmo antes na Origin System, finalmente iria adiante: Deus Ex. Com uma mistura de elementos poucas (ou nunca) vezes vistas, como RPG, tiro e simulação, o jogo foi o ápice de suas criações, e apesar de vendas não mais que medianas, ganhou um status cult raro. Há quem o veja como uma grande obra de arte em formato de game. E quem o cite como o maior de todos os tempos.

Spector supervisionou as sequências, deixando o estúdio para formar o Junction Point, depois comprado pela Disney Interactive. Assim, produziu Epic Mickey, com o camundongo num estilo mais "heroico", focado nos desenhos clássicos, e o conceito de apagar ou desenhar objetos para resolver puzzles. O sistema de câmera foi criticado negativamente, e mais tarde, ele afirmou que as câmeras foram "mal compreendidas" pelo público. Em Epic Mickey 2: The Power of Two, o problema (ou incompreensão do público) continuou, levando a baixas vendas e o fechamento do estúdio pela Disney.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

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