Olimpíadas de videogame no Brasil? Sim, e faz tempo…

Entrevista com o Evandro Camellini, finalista na categoria Master na Super Olimpíada 1992 de Videogame. Ele conta como um pequeno vacilo o deixou fora da final, fala sobre a "fama" pós-torneio num programa de TV, campeonatos posteriores e a polêmica sobre uma suposta manipulação do resultado.

Memória BIT: Como avalia a organização? Correu tudo bem na final?

Evandro Camellini: Como avalio a "desorganização", você deveria perguntar! Cara, aquilo foi um caos! Primeiro, na época das eliminatórias mensais, quando a revista errou ao colocar Psycho Fox em uma bateria. Psycho Fox não tinha pontuação, caramba, como você pode desenvolver um recorde para um jogo que não tem pontuação?! E, se não me falha a memória, para deixar a confusão ainda maior, ele foi colocado na categoria Mega Drive!

Depois, não me lembro exatamente o motivo, mas a categoria Master teve nove finalistas, e não oito. Em uma das etapas tiveram que classificar três concorrentes. Depois, com todos definidos, a data da final mudou. No final de semana da final, os horários foram confusos, atrasados. Teve uma enorme discussão por conta da premiação, pois lá no dia disseram que esse nono colocado, incluído a mais, não receberia prêmio. As regras de disputa da primeira bateria eliminatória da final também não foram bem explicadas.

Resumindo: O CAOS! "Bem e normal" foi tudo o que NÃO ocorreu naquela final!

MB: Segundo o resumo dos participantes na revista anterior à final, você havia "entrado de cabeça" no torneio, pois tinha só 2 anos de experiência com games. Apesar de não ter conseguido o título, como foi sua "carreira" depois da Super Olimpíada? Continuou participando ativamente de torneios?

EC: Bem interessante essa pergunta, pois sou por natureza uma pessoa competitiva. E tendo jogado bastante Atari 2600, aqueles jogos que não tinham muito objetivo, que quase não tinham multiplayer, sempre carreguei o desejo de competir de forma mais direta. E a Super Olimpíada foi minha chance de sentir esse gostinho.

Pouco tempo depois houve um suposto campeonato mundial de Sonic & Knuckles, e fui tentar algo na seletiva. [Nota do MB: foi um torneio em 1994, no pré-lançamento do game, organizado pela rede BlockBuster e a MTV, com a final na Ilha de Alcatraz, nos EUA, e premiação de US$25 mil para o campeão]. Mas Sonic nunca foi meu forte, e não consegui um grande resultado. Fui mais pelo prazer de estar competindo do que qualquer outra coisa. Mas em grande âmbito, aquele foi o último campeonato que me envolvi. Organizei vários, entre amigos, pelos anos que se seguiram. Inclusive um histórico (para mim), em minha casa, com todos os meus colegas de escola, para disputarmos Street Fighter II do Super NES! Aquilo foi muito legal, para a dinâmica "moleque" da época. Mas sempre nessa abordagem: juntar amigos e se divertir muito!

Como naquela época eu era dono de locadora (meu pai, na verdade; eu era funcionário), tive acesso a todos os lançamentos, até o PlayStation. E eu sempre jogava antes de colocar na prateleira, pois tínhamos um canal com os locadores. Cheguei a desenvolver várias estratégias, detonados, tinha um caderno de passwords que eu fornecia a quem pedisse. De certa forma, fui um "piloto" na época, mas numa abordagem mais particular, já que minha atuação era apenas para os sócios de minha locadora. Posso dizer que, de alguma forma, joguei videogame profissionalmente por quase uma década. Foi uma época realmente incrível!

MB: Foi muito difícil obter os placares para ir à final?

EC: Foi. Consideravelmente complicado. Um dos jogos tinha um placar gigantesco. O My Hero fechava em 99.999.999. Já o Ninja Gaiden... Bom, apesar de ser o título mais fácil da franquia, era Ninja Gaiden! E quem já jogou algum sabe que, por mais fácil que seja, NG nunca foi fácil, então precisei treinar muito esse. E foi bem curioso, porque passei a última semana antes de fazer a pontuação treinando algumas horas por dia. Procurando lugares onde era mais viável perder vidas, para poder voltar na fase e fazer uma pontuação maior, caçando formas de ganhar alguma vida extra que pudesse ajudar nessa ideia. E, após muito destrinchar o jogo, atingi uma pontuação de 38 milhões. Porém, no dia seguinte, quando fui para o "valendo", ao fim do jogo eu tinha conseguido 45 milhões! Até hoje não sei de onde vieram esses 7 milhões a mais. Sei que foram eles que me colocaram lá.

O My Hero foi um teste de paciência como poucos na vida! Era um daqueles jogos muito simples, quase aqueles "Atari melhorado" que eram comuns na época. E, até por conta disso, não tinha muito o que fazer, e as pontuações eram baixas. Sei que descobri que, se eu mantivesse uma mesma posição com meu personagem, a poucos centímetros do canto da tela, os inimigos continuariam vindo, e eu "apenas" precisaria ficar apertando os botões, de forma mecânica, repetindo os movimentos, matando os inimigos, e assim atingir a pontuação. Ok, foi o que fiz. Por OITENTA E SEIS HORAS SEGUIDAS! Sim, isso mesmo, quatro dias seguidos, sentado na frente da TV, apertando botões de forma mecânica quase como uma máquina, parando apenas para me alimentar e dormir. O medo de minha fonte pifar, a energia cair, alguma coisa acontecer com o console me perseguiu do primeiro ao último minuto! Mas no fim deu tudo certo.

E acabou até servindo como meu cartão de visita, pois quando cheguei ao hotel e encontrei todos os participantes, descobri que todos queriam saber quem era o "maluco das 86 horas"!

MB: Lembra como foi seu preparo (se teve) para jogar a final?

EC: Regado à ansiedade e jogando muito todos os dias. Não sabíamos quais seriam os jogos, tampouco a forma da disputa. Logo, a única coisa que eu podia fazer era manter-me aquecido. Jogando, jogando, e jogando. Procurei estar com meus amigos também, que me deram muita força naquele momento, inclusive me acompanharam na final. Mas foi mais um processo mental, mesmo. Afinal, eu era um moleque de quinze anos vivendo um sonho! Vendo meu nome na revista, aparecendo na TV, dando entrevista para jornal e coisas assim. Ou seja, manter-me com o pé no chão, na época, foi um tanto complicado.

MB: Hoje torneios de games são enormes, com premiações milionárias e até ligas profissionais mundiais. Gostaria de ter participado dessa geração mais organizada ou valia mais a diversão sem compromisso?

EC: E como! Eu sonhava com isso na época! Como disse no início, sempre fui muito competitivo. As Olimpíadas reais sempre foram meu evento preferido. Sempre sonhei em poder disputar algo assim. Porém, infelizmente, quando a coisa começou a ganhar essa proporção, eu já não tinha mais condições de competir, nem em habilidade, nem em tempo hábil disponível, e nem mesmo em vontade. Aquilo para mim foi uma época, e dentro de minha época, eu aproveitei o que pude. Nunca consegui jogar "sem compromisso". Todo jogo que eu pegava, eu precisava acabar. Tanto que até hoje tenho minha lista de games terminados, e a mesma conta mais de 830. Competir, terminar, bater recordes, para mim era normal, pois era isso que eu buscava. E como eu disse, consegui até ganhar dinheiro com isso. Logo, repito, acredito que tenha vivido tudo de melhor que aquela época tinha a oferecer.

MB: Joga alguma coisa hoje, ainda curte games? Joga sozinho, com os filhos, família?

EC: Gosto muito, não na mesma intensidade, mas jogo sim. Mas hoje mais emuladores. Não tive muita disposição para acompanhar esses games ultra modernos que existem hoje. Me acostumei com os "cabeçudinhos quadradinhos", é neles que me divirto. Tenho emuladores de Mega Drive e Super NES no meu PC, com mais de mil roms de cada. Ou seja, tenho diversão eterna! Mas sempre que visito algum amigo que joga e tem algo em casa, não perco a chance. A pouco tempo mesmo, fui jantar com um amigo e acabamos literalmente virando a noite jogando FIFA! Fazia anos que eu não fazia algo assim, e foi muito legal!

MB: Com a atual "onda" do retrogaming, muita gente na faixa dos 30 e acima (às vezes, bem acima) tem voltado a jogar games daquela geração, seja em emuladores ou até nas máquinas originais. Como vê isso?

EC: Faço parte desse grupo, vejo com muita naturalidade. Conforme avançamos vida adentro (e eu também não sou mais nenhum garotinho, estou com meus 36 anos já), torna-se cada vez mais natural você querer relembrar épocas e fatos marcantes deixados lá atrás. E, tendo a oportunidade de passar um tempinho brincando com os games antigos, por que não?

Eu mesmo, hoje, sou completamente apaixonado pelo futebol americano da NFL, e enquanto a temporada 2014 não começa na TV, estou jogando Joe Montana II do Mega Drive no emulador! Mantenho uma pequena coleção de consoles e carts originais. Tenho NES, Master, Mega e Playstation, com vários games. Tenho games do Super NES e Nintendo 64 também, mas não tenho esses consoles. Vira e mexe ligo algum deles aqui na sala e me divirto nos moldes originais! As vezes até chamo algum amigo, compramos algumas esfihas e cervejas, e viramos a noite! É muito gostoso isso.

MB: Tem algo que gostaria de falar, relembrar sobre o torneio? Algum fato marcante?

EC: Cara, eu teria dezenas de histórias para contar envolvendo aquele campeonato. Foi algo muito forte e marcante para mim, pelos motivos já citados nessa entrevista, e por outros tantos pessoais. Mas, acredito que o mais marcante de tudo tenha sido a lenda que ele foi comprado.

Vamos contar a história: havia três goianos em minha categoria, e um na categoria Mega, e todos ficaram com as primeiras posições. Mas, em ambas as baterias da final, eles atingiram pontuações muito altas, até mesmo pelo teórico alto nível de competição que havia ali. Fui eliminado na primeira bateria, e por conta de um erro grotesco que cometi de interpretação de regra (lembra que citei no início os problemas de organização?). Aquilo me deixou muito chateado e eu voltei para casa.

Poucos minutos depois que cheguei, o telefone de casa tocou, era o Daniel [Ponte Vieira], o cearense que havia se classificado para as finais na mesma eliminatória que eu. E ele me dizia — muito agitado, inclusive — que haviam descoberto que o campeonato havia sido comprado pelos goianos, que tinham o apoio de uma locadora forte lá de Goiás (locadoras naquela época eram o Eldorado do mercado) e, para promover o nome da mesma, haviam feito um esquema para levar o torneio. Se é verdade, não sei e nunca consegui confirmar. Vinte anos atrás, ainda mais para mim que não estava presente no momento, não havia a mais remota possibilidade de apurar qualquer detalhe sobre. O que posso dizer é que, naquele momento, aquela informação amenizou um pouco minha dor, já que teoricamente eu não teria chance de ganhar aquele campeonato. Na real, hoje não faz mais a menor diferença isso, mas foi algo que me marcou muito, e acredito ser bem pertinente para o momento citar.

Outra coisa muito bacana que aconteceu a mim, mas aí um reflexo deixado pelo campeonato, foi o fato de ter participado de uma matéria para a MTV, a respeito de uma linha de joysticks que estavam sendo lançados no mercado nacional. Tente dimensionar a importância de um fato desse naquele momento! Um adolescente, franco consumidor de MTV, jogador inveterado de videogame, sendo convidado pela própria, pego em casa por van personalizada da emissora (que na época estava no auge!), e levado a uma grande locadora da época, para testar joysticks que nem haviam sido lançados ainda! Aquele momento realmente foi dos mais legais e marcantes para aquela época de minha vida. Uma espécie de legado deixado pelo torneio.

MB: Obrigado pela entrevista, Evandro!

EC: Gostaria de dizer que foi uma gratificante surpresa essa sua empreitada, e que também me deixou bem feliz! Esse é um episódio de minha adolescência que adoro relembrar! Agradeço a oportunidade!

Raio-X do evento

Super-Olimpíada 92 de Videogame

Campeonato nacional de videogames, dividido em duas categorias (Master e Mega).

Organizador: Revista Supergame, Editora Nova Cultural
Patrocinadores: TecToy, Varig, McDonald's
Data: 1ª fase entre setembro e dezembro de 1992; final em 31/01/1993

1ª eliminatória

Limite para envio de fotos: 31/08/1992

Categoria Master: Mônica no Castelo do Dragão e Castle of Illusion
Classificados: Celso Mitsuo Hino (SP) e Marcelo Nelson Wadeck (PR)

Categoria Mega: Sonic the HedgehogColumns
Classificados: Dionísio Cason (SP) e Tiago Marcos Mendes Rodrigues (RS)

2ª eliminatória

Limite: 30/09/1992

Categoria Master: Indiana JonesAsterix
Classificados: Deize Bezerra Moraes (PE) e Luís Reginaldo Fleury Curado (GO)

Categoria Mega: QuackShotHellfire
Classificados: Gilson Lopes da Silva (SP) e José Guilherme Ferreira (GO)
Nota: Eduardo A. Garcia (SP) também se classificou, por ter sido prejudicado por um erro na contagem dos placares anteriores.

3ª eliminatória

Limite: 31/10/1992

Categoria Master: Ninja GaidenGang's Fighter (My Hero)
Classificados: Daniel Ponte Vieira (PE) e Evandro Alves Camellini (SP)

Categoria Mega: StriderCastle of Illusion
Classificados: Cristiano Monteiro de Barros (PE) e José A. Rosadas (RS)

4ª eliminatória

Limite: 30/11/1992, extendido até 10/12/1992

Categoria Master: Psycho FoxRunning Battle (ESwat e After Burner também foram aceitos devido a um erro na publicação dos games da etapa).
Classificados: Márcio Lênin Marçal Freire (GO) e Danni Sales Silva (GO)

Categoria Mega: ESwatAfter Burner
Classificados: Fred Bugmann (SP) e Cláudio S. Aguiar (PE)

Ao fim da primeira fase, as vagas ficaram distribuídas por seis estados: 6 paulistas, 4 goianos, 3 pernambucanos, 2 gaúchos, 1 cearense e 1 paranaense.

Final

Inicialmente marcada para 24/01/1993, transferida para o dia 31/01.

Semifinal Master: Gauntlet
Final Master: Sonic 2
Campeão: Luís Reginaldo Fleury Curado

Semifinal Mega: Batman Returns
Final Mega: Sonic 2
Campeão: José Guilherme Ferreira

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

10 COMENTÁRIOS

  1. Caramba, escorreu até uma lágrima aqui.
    Matéria FODA! Lembro como se fosse ontem... eu lendo as revistas e sonhando em poder participar (eu tinha uns 8 anos na época). Cara, que foda!
    Esses bons momentos nunca vão ser esquecidos.
    Muito legal também os jogadores da época participarem da matéria e dando depoimentos detalhados, foda. FODA!

    Eu amo esse site!

    • Valeu Tanaka!
      Se pra gente que não participou é uma boa lembrança, imagina pros caras que foram lá, viajaram e apareceram na revista. Deve ter sido muito legal mesmo. Eu tenho um pouco desse saudosismo com os torneios de Magic, embora não tenha sido pro como esses caras...

  2. Nossa ........ viajei muito agora, eu fui um dos milhares que enviou records para a revista. Olha só, lágrimas rolaram aqui, pura nostálgia. Obrigado Daniel por essa lembrança maravilhosa.

    • Participou? Legal, eu até queria mas fiquei fora. Se tudo correr bem, vou atualizar o post em alguns dias com algumas entrevistas dos finalistas e organizadores.

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