Olimpíadas de videogame no Brasil? Sim, e faz tempo…

Hoje o videogame tem status esportivo, com ligas profissionais quase sempre dominadas por asiáticos jogadores de LoL, WoW, DotA, ou de shooters em primeira pessoa, campeonatos de FIFA e PES com cobertura em telejornais, e por aí vai. Caras com menos de 20 anos conseguem acumular pequenas fortunas, com ritmos de treino de dar medo em atletas "físicos": horas e mais horas diárias de controle na mão, estudo em grupo de táticas, contatos com desenvolvedores, imprensa...

Entre 1999 e 2006 (nem tão recente, portanto), "Fatal1ty", gamer tag do americano Johnathan Wendel, tornou-se um dos profissionais mais premiados, com quase 500 mil dólares recebidos em torneios de Doom 3, Quake e outros do gênero. O campeonato 2013 de League of Legends no Brasil pagou 100 mil dólares em premiação total. A China deve construir um magnífico estádio só para competições de games, orçado em quase US$3 bilhões.

A por*a está ficando séria, muito séria.

Aliás, não chamem um desses profissionais de "jogador de videogame", como não chamaria um mesa-tenista de "jogador de ping-pong". É "esportista eletrônico", ou "e-sportist". Por mais estranho que seja associar a ideia de alguém sentado com um controle na mão movendo os dedos, com a que tínhamos de esportistas, essa é a tendência em grandes torneios.

Como diria o Vedder, it's evolution, baby.

Space Invaders Championship
Um dos primeiros super eventos de games foi um campeonato de Space Invaders, com uns 10 mil inscritos, nos EUA, em 1981. Foto: Wikipedia.

A partir do fim dos anos 90, a jogatina online deu o impulso que talvez faltasse em modelos embrionários dessas competições. Portanto, se eu falar de um grande torneio, com jogadores de todo o país viajando com despesas pagas para uma grande final, com cobertura de TV, prêmios como os mais modernos consoles e viagens à Disney, é natural que você pense "isso vai rolar semana que vem, ou ainda esse ano".

Mas já aconteceu, no Brasil, quase duas décadas atrás.

Olimpíadas de videogame?

Nos anos 80 e 90 era tudo muito diferente. Raramente apareciam torneios de peso, com exceção de algum shopping center nos lançamentos, como ato promocional, e olhe lá. Lembro de um torneio de The King of Fighters '95 num shopping de São Paulo, alguns de Street Fighter II e só. A maioria era underground em comparação aos atuais.

Revistas de games faziam sua parte, o que não era muita coisa. Por exemplo, a TecToy usava recordes do Master e Mega Clube para instigar alguma competitividade entre a molecada, se bem que não eram torneios. Recordes eram enviados para a TecToy e depois publicados nas revistas, e quem conseguisse fazer melhor podia enviar a prova fotográfica pra ter o nome publicado. Mas em 1992, a Supergame resolveu comemorar o primeiro aniversário de um jeito diferente: em vez de só lançar uma edição especial, mais recheada e etc, planejaram um campeonato como jamais visto no Brasil.

SuperGame n13

Aproveitando o alcance nacional da publicação, organizaram um torneio em várias etapas, que para combinar com o maior evento esportivo do mundo, os Jogos Olímpicos, naquele ano sediados em Barcelona, foi batizado "Super-Olimpíada 92 de Videogame". Como falavam sobre videogames da Sega, as categorias foram Master System e Mega Drive. Essa limitação invalidaria um rótulo ousado como "olímpico", mas a brincadeira era essa.

Começou com uma eliminatória nacional em 4 rodadas, uma por mês, em que jogadores enviariam seus melhores scores em 2 games definidos pela redação, do console favorito, com prazo até o fim daquele mês para os envios.

Mas como enviar recordes muito antes do print screen e de gravações de gameplay? Tirando fotos da tela, claro. E não tinha a mamata da fotografia digital: era tudo no filme, revelação, muita tentativa e prejuízo erro. Imagine quantas crianças amolaram os pais para arranjar máquina e tirar as benditas fotos, sonhando com os prêmios. Quantas fotos estragadas por usar flash, por tremer a câmera no escuro sem tripé, por TVs de péssima qualidade...

Prêmios foram bem valiosos. Os 3 melhores em cada categoria ganharam viagens à Disney com despesas pagas, além de um videogame (Sega CD, então desejado lançamento nos Estados Unidos, para a categoria Mega, ou Mega Drive para a categoria Master) e contrato de colaborador da revista por 1 ano para os campeões.

Houve percalços, como um erro de fotolitos que terminou em jogos com categorias invertidas numa das etapas, além de um erro na contagem de placares. Foram todos corrigidos, e pela quantidade de trabalho que a redação deve ter acumulado, é até compreensível. Ao fim de dezembro, os 16 finalistas viraram 17 graças a esse erro de contagem, mas estavam todos lá, prontos para a disputa final.

Quem seriam os campeões "olímpicos" brasileiros? Quem faturaria os moderníssimos Sega CDs, quem conheceria a Disney na faixa?

A final

A idade dos finalistas ficou na média dos 15 anos. Dois eram os caçulas, Daniel Vieira, de Sobral (CE), e Cláudio Aguiar, de Recife (PE), ambos com 13. Os mais velhos foram Celso Hino, de Jundiaí (SP), com 22 anos, e Dionísio Cason, de Limeira (SP), de 36 anos. No velho cenário dominado por meninos e homens, apenas uma representante feminina: Deize Moraes, de Recife, 21 anos. Surpreendente pra mim foi a falta de um que fosse do Rio de Janeiro — piadas sobre o clichê de ficar na praia e não em casa jogando videogame caberiam, mas vamos fingir que eu não disse nada...

chefe supergame olimpiada 92
A mítica aparição inicial (e única) do Chefe da Supergame, durante a final do torneio, em São Paulo.

Reuniram-se na loja do McDonald's — um dos patrocinadores, junto com a companhia aérea Varig e a própria TecToy — na Alameda dos Pamaris, em São Paulo, em 31/01/1993, um domingão de sol. Jogadores de outros estados viajaram com acompanhante e despesas pagas. Pelo menos pra quem viu de fora, como eu, parecia um esquema bastante organizado.

Em baterias bem rápidas, apenas 20 minutos, os games na semifinal foram Gauntlet para o Master System, e Batman Returns para o Mega Drive. Melhores placares computados, e quatro de cada categoria foram à finalíssima, com Sonic 2 em ambos os consoles.

Durante a final, o personagem mais conhecido dos leitores da Supergame, O Chefe, fez enfim sua primeira aparição "real", já que era representado pelo desenho de um tipo meio punk, cabelo lilás e óculos escuros na revista. Matthew Shirts, editor-chefe e homem por trás do personagem, apareceu numa Mercedes (tinha uma coisa meio playboy, um bon vivant que curtia games e a vida, enquanto exigia trabalho pesado dos funcionários), deu autógrafos e até entregou os troféus na festa do pódio. Ele literalmente vestiu o personagem e fez a festa da molecada.

Certamente foi uma experiência quase mágica para quem participou (veja a entrevista mais abaixo), e até para quem sonhou participar mas não pode, é uma bela lembrança. A exposição foi interessante também para as marcas envolvidas, com reportagens na TV e jornais; lembro de ver a matéria na MTV no Ar, dias depois. Infelizmente não se repetiram eventos do mesmo porte, depois que a revista se fundiu com a GamePower, da mesma editora e que tratava de videogames Nintendo.

Ainda assim, é um capítulo bacana entre os precursores de grandes torneios de videogames. Quem sabe, com a atual descoberta do retrogaming, que parece cada vez mais forte, alguém se interesse em organizar algo similar? O Memória BIT se habilita a ajudar.

Vídeos

Algumas videorreportagens e matérias obre as Olimpíadas de Videogame, no TJ Brasil (SBT), Jornal da Cultura, Fantástico (não é sobre a Olimpíada, mas tem um segmento sobre ela), MTV no Ar e Fora de Controle. Obrigado ao Luiz Reginaldo Curado, que forneceu os preciosos arquivos.

A palavra de quem participou

Procuramos os finalistas e também o pessoal da organização, para ter uma palavra interna sobre o evento, mas é complicado manter contato com jogadores que hoje beiram os 40 anos. É possível que muitos não tenham tempo pra falar ou interesse no assunto.

Nota: queremos ouvir mais gente envolvida. Se você conhece alguém ou foi um dos finalistas, entre em contato.

Entre eles:

Evandro Camellini, finalista na categoria Master System, ou "o maluco das 86 horas": como ele mesmo conta, foi o tempo que precisou manter o console ligado para conseguir o recorde no game My Hero. Ele fala também sobre a organização, sua "carreira" pós-torneio e a fama, groupies (mentira, não teve groupie acho), tretas e muito mais. Entrevista na página 2.

Luiz Reginaldo Curado, campeão da categoria Master System, um dos jogadores de Goiânia, que ao final do torneio, foi chamada de "capital do videogame". Ele conta sua história com os games, como foi o torneio e seu duro treinamento pra chegar ao título. Entrevista na página 3.

Vale a pena ler, acompanhe! ↓

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

10 COMENTÁRIOS

  1. Caramba, escorreu até uma lágrima aqui.
    Matéria FODA! Lembro como se fosse ontem... eu lendo as revistas e sonhando em poder participar (eu tinha uns 8 anos na época). Cara, que foda!
    Esses bons momentos nunca vão ser esquecidos.
    Muito legal também os jogadores da época participarem da matéria e dando depoimentos detalhados, foda. FODA!

    Eu amo esse site!

    • Valeu Tanaka!
      Se pra gente que não participou é uma boa lembrança, imagina pros caras que foram lá, viajaram e apareceram na revista. Deve ter sido muito legal mesmo. Eu tenho um pouco desse saudosismo com os torneios de Magic, embora não tenha sido pro como esses caras...

  2. Nossa ........ viajei muito agora, eu fui um dos milhares que enviou records para a revista. Olha só, lágrimas rolaram aqui, pura nostálgia. Obrigado Daniel por essa lembrança maravilhosa.

    • Participou? Legal, eu até queria mas fiquei fora. Se tudo correr bem, vou atualizar o post em alguns dias com algumas entrevistas dos finalistas e organizadores.

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