Na virada dos anos 90, fronteiras se delineavam no mercado de videogames. De um lado, a Sega ganhava terreno com o Mega Drive. De outro, a Nintendo vinha de um sucesso avassalador com o NES e enfim convencida de que chegara a hora de ir à próxima geração, preparava o SNES.
Mas o mundo não se resumia à Sega, Nintendo (e pra nós, uma distante NEC). Fãs de arcade curtiam, por falta de opção, conversões domésticas limitadas de seus jogos preferidos. "Que bom seria ter esse jogo em casa, pra não gastar fichas", pensávamos. Mas a proeza técnica e financeira parecia um sonho distante.
A SNK era veterana dos arcades e via um nicho arriscado e inexplorado: de quem sonhava com aquelas joias no conforto do lar. Mas como oferecer tal coisa mantendo o padrão de qualidade? E convertendo facilmente o software, para não sobrecarregar os estúdios?
A resposta veio numa cartada dupla. Com o Neo•Geo MVS (estilizado assim, com um ponto lista), simplificaram a rotina dos donos de arcade. Para ter um novo jogo, bastaria comprar e substituir um cartucho e não a máquina. O ideal era similar ao padrão JAMMA, que circulava desde 1985, só que mais fácil.
Melhor ainda para o pessoal de casa, veio o Neo•Geo AES. Jogos idênticos ao arcade. Hardware idêntico. Era o arcade na sua sala, com sua TV e sofá, mas com a simplicidade dos consoles.
A qualidade se refletia no preço altíssimo do aparelho e cartuchos. O AES foi o sonho de consumo de legiões, mas realizável para poucos. Sucumbiu à marcha da evolução, saindo de fabricação em 1997, mas quinta geração adentro ainda entregava resultados excepcionais em 2D. Iniciou grandes franquias e deixou um acervo fantástico, especialmente em jogos de luta.
Apesar das vendas não terem sido astronômicas¹, não fracassou. Nunca foi destinado à massa e sim um grupo de privilegiados. Pense em carros – não compare as vendas de populares com as um Cadillac...
Origens
Fundada em 1978 como Shin Nihon Kikaku (Novo Projeto Japão), a SNK nasceu em Osaka através de Eikichi Kawasaki. Ex-distribuidor de arcades, ele viu uma oportunidade de crescimento ao abrir sua própria desenvolvedora e publicadora. Ozma Wars foi o primeiro lançamento, em 1979, seguido de Safari Rally e pelo shooter espacial Vanguard.
Em outubro de 1981 foi fundada a divisão americana, com John Rowe no comando. Até o meio da década, já tinham formado um belo portfólio. Destacavam-se títulos como Ikari Warriors, Psycho Soldier e Alpha Mission. Em 1986, a empresa foi renomeada oficialmente como SNK Corporation; a parte americana, SNK Corporation of America, licenciava produções como o próprio Vanguard – que teve até port para Atari 2600 (feito pela Centuri).
Após o crash da indústria de games em 1983*, consoles estavam "amaldiçoados". Só se investia em computadores – até a Nintendo ressuscitar o setor com o Famicom. A SNK se tornou third-party do NES, produzindo jogos como Baseball Stars e Crystalis.
O primeiro foi um dos pioneiros na criação e desenvolvimento de personagem e times. O outro, conhecido como God Slayer no Japão, é um action-adventure "clone de Zelda".
Não seria uma migração total, mas enfim estavam nas duas frentes. O primeiro presidente local, John Rowe, havia saído para fundar a Tradewest, em 1985. Paul Jacobs, ex-vice presidente da Data East, estava no posto e a SNK seguiu firme.
A nova geração de consoles se aproximava, prometendo qualidade. A SNK passou a considerar a produção não só de software, mas também de hardware. Mas havia muitas questões antes de dar tal pulo. Como portar os jogos mantendo qualidade? A máquina seria financeiramente viável? Haveria mercado para hardware avançado e por consequência caro? Teriam espaço para competir?
"Antes do Neo-Geo sair, não era como se fôssemos competir diretamente", lembrou Nobuyuki Kuroki, game designer da SNK, em relação à Sega e Nintendo. "Tínhamos a ideia de fazer uma cabine de arcade, mas que seria levada para o entretenimento doméstico. Estávamos no mesmo mercado dos demais competidores, mas com dois caminhos para fazer capital."
Desenvolvimento
Em 1990, a SNK lançou o Neo•Geo MVS (Multi Video System), baseado no processador 68000 de máquinas como Time Soldiers (1987) e P.O.W.: Prisoners of War (1988). O design do hardware ficou a cargo de Eiji Fukatsu, da Alpha Denshi, desenvolvedora na qual tinham participação.
Mas a grande inovação foi lançar um aparelho "gêmeo", o Neo•Geo AES (Advanced Entertainment System). Virtualmente idêntico ao MVS, mas formatado para uso doméstico, permitiria jogar os mesmos games dos arcades. Nada de conversões, cortes e adaptações: eram literalmente os mesmos jogos.
O nome Neo-Geo veio do desejo de renovação que permeava a SNK do Japão. "Neo-Geo significa 'Nova Fronteira' em latim", disse Kawasaki [revista RetroGamer, nº 39]. "Quando criamos este sistema, pedimos opiniões internamente e um de nossos desenvolvedores sugeriu o 'NeoGeo'. Estávamos tentando estabelecer nosso novo sistema para o negócio de arcades e todo o gerenciamento achou o nome perfeito".
A inspiração de Kawasaki foi o lançamento do Mega Drive, em outubro de 1988. Não o console em si, mas a proposta. A Sega era uma potência dos arcades e seu 16-bit representava a ambição de converter jogos de forma mais íntegra. O hardware se assemelhava muito aos arcades, para abrigar versões mais fiéis às originais. A SNK conhecia a frustração de ver seus jogos mutilados nos consoles. Com um próprio, teriam a mesma flexibilidade da Sega.
Os cartuchos no MVS agradaram donos de arcade. Mudar o jogo de uma cabine era mais barato e fácil. O padrão JAMMA desde 1985 facilitava o processo, mas a melhoria da SNK foi colocar vários jogos de uma vez, alternando o ativo apenas com um botão. Nada de mexer em switches ou conectores. Os MVS tinham modelos com 1, 2, 4 ou 6 slots. O custo para substituir um jogo chegava a ser 1/3 inferior ao de sistemas antigos.
Lançamento
Lançado no Japão em 31/01/1990, o Neo-Geo tinha um valor elevado nas duas versões. Para um dono de arcade significava investimento com retorno, mas como reagiria o consumidor doméstico?
"Para alguns jogadores, os hardcore – quando calculavam quantas vezes iam ao arcade, quantas centenas de dólares gastavam com aqueles jogos, acabava fazendo sentido comprar o Neo-Geo, você economizaria dinheiro", explicou Kuroki. "E na SNK, tínhamos descontos para funcionários, então consegui um belo abatimento em meu Neo-Geo quando comprei um. Comprei meu Neo-Geo quando entrei na SNK!"
O Neo-Geo chegaria aos americanos, mas não sem luta. Os japoneses temiam investir fora de seus territórios, já que o custo de produção era alto. O presidente Jacobs precisou insistir muito e o resultado foi o surgimento da SNK Home Entertainment, também sob sua batuta.
O MVS foi apresentado nos Estados Unidos no evento ACME '90, em março. As primeiras unidades foram entregues em maio, todas acompanhando um pacote com quatro jogos: NAM-1975, Baseball Stars Professional, Top Player's Golf e Magician Lord. Mais três jogos (Riding Hero, Cyberlip e Ninja Combat) foram prometidos para julho e até janeiro, a SNK esperava ter 20 títulos disponíveis.
Já a entrega inicial dos AES foi em sistema de aluguel comercial. Hotéis foram os primeiros a testá-lo. Só com a recepção positiva – e certeza de ter clientes – é que enfim alcançou o público geral, em 01/07/1990. Anunciado por US$599, acompanharia dois controles e um jogo (Baseball Stars Professional ou NAM-1975).
Mas o pacote acabou lançado por nada menos que US$649. Uns 400 dólares a mais que Mega Drive e Super Nintendo.
Já no Japão, os jogos no lançamento do AES foram: Cyber-Lip, Mahjong Kyoretsuden, NAM-1975, Joy Joy Kid, Riding Hero, The Super Spy, Top Players Golf, Magician Lord e Minasan no Okagesama Desu.
Outro público
A SNK tinha o hardware mais avançado dos arcades. Seu uso privado era um sonho realizável graças ao AES, mas naturalmente tal luxo custava caro. O console foi concebido como um item único no mercado, às vezes chamado de "O Cadillac dos Videogames". Seu público-alvo era rico, disposto a pagar centenas de dólares por um único jogo.
O AES não sofreu reduções, apenas adaptações para o ambiente caseiro. Uma delas foi diferenciar o formato dos cartuchos, evitando uso cruzado. Carts de AES eram mais baratos que os de MVS na época.
Ironicamente, a situação se inverteria décadas depois. Como a fabricação da linha doméstica foi menor, seus jogos são escassos e costumam ter maior valor de coleção. Um cart AES pode custar dezenas de vezes mais que a versão MVS.
Mas era mesmo caro? Quando o produto é bom, vale o preço. Para quem podia pagar, o AES era certeza de bom investimento. Gráficos, vozes, cores, músicas e efeitos incríveis. Cartões de memória, inovação da SNK, permitiam a troca de dados entre AVS e MVS. Você poderia começar o jogo no arcade, salvar os dados e continuar no seu videogame em casa, sem incompatibilidade.
Os controles foram feitos enormes – quase 30 x 20 cm, não tão menor que o próprio console – com um manche e quatro botões de ação. Deveria manter a experiência mais fiel possível; transitar entre as plataformas seria natural.
O "segredo" da qualidade estava no chipset. Sua CPU é quase o dobro da velocidade do reconhecidamente rápido Mega Drive. A memória de vídeo, 50% maior que Mega Drive e SNES (e muito mais rápida no acesso). O vídeo é mais colorido e permite quase o triplo de sprites do SNES por tela. Sem falar do áudio em 15 canais, sendo 7 para vozes.
Enquanto SNES e Mega Drive raramente tinham ROMs maiores que 16 megabit, o Neo-Geo largava com os 22 mega de Puzzled, o menor. Só na série "The 100 Mega Shock" – jogos com mais de 100 megabit – foram mais de 80 lançados.
Característica | Neo Geo | SNES | Mega Drive |
CPU | 68000 12 MHz + Z80A 4 MHz | 5A22 3,58 MHz | 68000 7,67 MHz + Z80A 3,58 MHz |
Resolução máx. | 320×224 | 256×240* | 320×224 (320×240 PAL) |
Cores | 65536 (4096 simultâneas) | 32768 (256 simultâneas) | 512 (64 simultâneas) |
Sprites | 381 (máx. 512×512 pixels¹) | 128 (máx. 64×64 pixels) | 80 (máx. 32×32 pixels) |
RAM | 64KB | 64 KB² | 64 KB |
VRAM | 84KB | 64 KB² | 64 KB |
Áudio | YM2610 15 canais | S-SMP 8 canais | YM2612 6 canais |
Jogos | 22 a 176 megabit | 2 a 48 megabit | 2 a 64 megabit³ |
Tudo parecia sob medida para exalar poder e opulência. Só quando a Capcom lançou a CPS-II, em 1993, ele enfim seria destronado do posto de hardware mais avançado dos arcades.
Não que tenha ficado obsoleto: a SNK teria lenha por alguns anos.
Marketing e jogos
O design de jogos era japonês. Na sede da empresa em Osaka, o time tinha mais de 300 pessoas. A supervisão era de Takashi Nishiyama, ex-funcionário da Capcom que havia produzido o primeiro Street Fighter. Alguns jogos foram produzidos por parceiros locais como ADK, Data East e Taito.
A SNK, em especial na América, abusou de marketing agressivo, alguns apelando à clichês. Não tiveram vergonha de gritar que seu sistema era o melhor, até porque era mesmo. "Bigger, Badder, Better" (Maior, Malvadão, Melhor, numa tradução livre) foi o lema no começo, com um pit-bull feroz como mascote.
Entre as campanhas mais lembradas:
- Uma loira de lingerie, expressão aborrecida. Ao fundo, um sujeito distraído jogando Neo-Geo. A legenda diz "Lembro do tempo em que ele não conseguia tirar as mãos de mim".
- Duas grandes bolas de aço ao lado de um Neo-Geo, com as legendas "Você precisa disto... Para jogar isto".
- Uma salsicha perto de um hot-dog completo, comparados aos consoles populares da época. "Se você ainda joga com Sega, NEC ou Nintendo", diz o anúncio, "não passa de uma salsicha... Se joga com um incrivelmente poderoso Neo-Geo, você é um hot-dog completo!"
- Vários bebês com balões de diálogo, surpresos com o poder do Neo-Geo. O texto diz que videogames não são mais "coisa de criança".
A campanha do "Bigger, Badder, Better" foi popular ao ponto do pit-bull virar selo de qualidade dos produtos. Só mais tarde perdeu espaço para o "The Future is Now" (O Futuro é Agora), slogan que pegou.
A SNK não fez esforço em busca do público geral. Ao contrário, trabalharam na imagem de elite, de produto "premium", mirando em entusiastas e consumidores de alto poder aquisitivo.
"Nosso mercado-alvo em particular exige qualidade. Nosso mercado é de um homem adulto entre 25 e 35 anos, com posses. São aqueles caras dirigindo um BMW, usando relógios Rolex e recebendo US$60 mil por ano", disse o diretor de marketing Kent Russell em 1991. "Eles gastam US$650 em nosso sistema, não estão olhando para o preço. Eles querem ter o melhor."
Após certo ponto, Russell deixou a SNK para trabalhar na Sega, que também vinha implementando com sucesso um marketing mais agressivo.
Pseudo 24-bit
Como parte da formação da imagem luxuosa e poderosa, o Neo-Geo foi promovido como videogame 24-bit. Tal dado (um tanto irrelevante, na verdade) era muito considerado pelos clientes na pré-compra. Marqueteiros somaram o CPU principal, Motorola 68000 16/32-bit, com o Z80 adicional, um 8-bit.
Não tinha cabimento. O Mega Drive, com configuração similar mas com clock inferior (7,67 MHz contra 12 MHz), nunca foi chamado de 24-bit. Mas valia tudo para inflar o número na embalagem. Em 1995, a Atari evoluiu a tática em sua campanha "Do the Math", usando a soma de seu CPU duplo 32-bit para rotular o sistema.
Outro ponto explorado pelo marketing do Neo-Geo era o uso em megabits dos cartuchos. Com um máximo teórico de 330 Mbit (uns 40 MBytes), a informação vinha em destaque no boot do sistema e nele próprio, com garrafais letras MAX 330 MEGA PRO-GEAR SPEC.
O suposto limite foi tremendamente superado nos jogos finais. Samurai Shodown V Special saiu com 708 mega, mas o maior foi The King of Fighters 2003, com 716 mega (quase 90 MB).
Game Lord
A SNK tinha lucros altíssimos graças ao MVS. Arcades em geral gozavam do bom momento desde a explosão de Street Fighter II, da Capcom. A partir de 1991, fizeram movimentos para melhorar os resultados também do AES.
Primeiro, encerraram de vez a parceria com a Nintendo, que remontava à 1985. A tarefa de converter seus jogos para SNES foi delegada a outras softhouses – a Takara com frequência. No ano seguinte, as divisões de arcade e console se fundiram num só grupo: SNK of America.
Jacobs saiu, com Marty Kitazawa assumindo a presidência. O diretor de vendas John Barone foi promovido à vice-presidente da divisão de arcades (e também porta-voz do grupo). O vice-presidente geral continuou sendo Bruce Tomiyama, no cargo desde 1989. Kitazawa pôde ficar fora dos holofotes, cuidando da relação com o escritório japonês.
Para se aproximar do público, contrataram Chad Okada, que gerenciaria um serviço telefônico de dicas. Descoberto em arcades locais, em pouco tempo foi promovido ao cargo de relações-públicas. Apareceria em anúncios e eventos do Neo-Geo sob o codinome pomposo Game Lord. Virou um tipo de "mascote" da SNK.
"Kent Russell queria que eu tivesse um nome mais imponente do que 'Game Counselor'", lembrou Okada em entrevista anos depois. "Pediu que eu sugerisse alguns e como Magician Lord era o jogo mais vendido do sistema doméstico na ocasião (um fracasso no arcade, por sinal), ofereci vários, incluindo o Game Lord. Acabou se tornando meu título oficial na SNK. Para ser honesto, sempre achei um nome bobo".
Okada atendia pessoalmente jogadores por telefone e gostava do cargo – seu carro tinha a placa personalizada GAMLORD. Mas também se tornou alvo de hostilidade por haters. Alguns chegaram a ameaçá-lo fisicamente. "O nome me fazia parecer antipático. Quero dizer, quem chamaria a si mesmo de Lord?", contou. "Alguns até diziam em fóruns o quanto me detestavam e que queriam me machucar na vida real. E um deles era parente de um funcionário da SNK!"
Neo-Geo, sobrenome Luta
Os jogos de esporte da fase inicial (especialmente os populares no Japão como baseball) e os shooters deram lugar ao paraíso dos fighting games em que se converteu o Neo-Geo.
Embalados pelo sucesso de Street Fighter II, simplificaram o padrão de 6 para os 4 botões que dispunham. Logo começaram a brotar sucessos, como o emblemático Fatal Fury. Lançado em novembro de 1991 (sete meses depois de SF II), apresentou os primeiros personagens-chave de tramas da SNK: os irmãos Terry e Andy Bogard, e o eterno antagonista apelão Geese Howard.
O designer foi Nishiyama. Ele desenhou Fatal Fury como um "sucessor espiritual" de Street Fighter, acrescentando elementos como planos – lutadores podem desviar deslocando-se para um plano de fundo na tela. A esquiva é importante na jogabilidade típica da SNK, quase onipresente em suas produções.
A versão AES de Fatal Fury foi o primeiro jogo a causar um grande aumento nas vendas do Neo Geo. Nos primeiros 12 meses após o lançamento, foram vendidos 50 mil consoles nos Estados Unidos, número altíssimo considerando o preço.
Já Art of Fighting, de 1992, estreou a The 100 Mega Shock Series. Também de Nishiyama, entre as novidades estavam a aplicação de zoom dinâmico durante a luta. A série introduziu personagens ao elenco da empresa como Robert Garcia, Ryo, Yuri e Takuma Sakazaki. AoF ajudou a cimentar o nascente estereótipo do Neo-Geo como máquina de luta.
E era só o começo...
Censura em Samurai Shodown
Com Samurai Shodown, de 1993, apostaram em lutas de espada e uma magistral ambientação oriental. Foi eleito o Jogo do Ano por boa parte da mídia especializada, batendo o badalado Super Street Fighter II X.
Há muitas cenas de violência como jatos de sangue e gente cortada ao meio. A SNK resolveu censurar a versão AES norte-americana: o sangue foi descolorido e movimentos mais explícitos removidos. A iniciativa foi da SNK do Japão, sem consulta à parte ocidental. Quando souberam, a versão já estava pronta.
Como contou Okada:
Também segundo Okada, a comunicação entre Japão e Estados Unidos era ruim, ao ponto de terem que importar produtos da Europa para saber o que estavam fazendo. Quando a versão chegou à SNK da América, distribuições europeias já vinham penetrando no país. Por isso, havia pressa no lançamento. Mas a censura foi um balde de água fria:
Quando perguntou a Kitazawa qual seria a justificativa pública para a censura, Okada sequer teve resposta. "Lembro que a desculpa do Beast Busters foi a mais usada", contou lembrando do rail shooter da SNK, lançado em 1989 e criticado por ser muito violento.
A SNK seguiu o atitude da Nintendo no controverso Mortal Kombat para o Super Nintendo. Passaram também a colocar avisos de epilepsia fotossensível nos jogos depois da Nintendo perder um caso na justiça. Temiam problemas judiciais, já que um grande processo poderia quebrá-los. A decisão desagradou fãs que pagaram quase US$250 por uma experiência diferente do arcade.
A censura de Samurai Shodown fez surgir as primeiras modificações no Neo-Geo. "O rumor é que alguém no México obteve uma cópia do master chip [da versão MVS] e o copiou", explicou Okada. "Ele fez uma série de cópias daquele chip para produzir versões domésticas 'modificadas' que permitem jogar a versão arcade no sistema doméstico, assim tendo o sangue vermelho".
Problemas e trocas no comando
Em 1993, Barone resolveu deixar a SNK e pouco depois se casou com Susan Jarocki, gerente de marketing que saiu pouco antes. Kitazawa acumulou mais funções. Outros como a gerente de vendas Tracy Tate e a gerente de produto Heh-Kyu Lee Sincock assumiram mais responsabilidades operacionais.
A SNK seguiu em boa forma. No ano seguinte, Samurai Shodown II teve recepção tão boa quanto o original – para muitos, o melhor da série.
Para Okada, a fusão entre as divisões foi "o ponto em que a SNK do Japão decidiu que o sistema doméstico não teria tanto sucesso quanto esperavam". O MVS virou prioridade e depois de Samurai II, lançamentos foram cada vez mais frequentes. O comando queria tirar o máximo de lucro dos arcades e sua demanda crescente.
Com isso, apesar de não haver perda de qualidade nos jogos, surgiram "efeitos colaterais" como o "engrish". Como na introdução toscamente traduzida de SS II:
Outras famosas traduções erradas ou não muito usuais da SNK são o "Victoly" em Samurai Shodown IV, "Very much super jolly Orochi for your pleasing" em The King of Fighters 97 e "Still haven't leamed your lesson? Very well. Die!" de King Leo em Kizuna Encounter.
A SNK da América solicitava à matriz tempo para ajustar as traduções. Mas como contou Okada, o custo x benefício não compensava. "O tempo e dinheiro que levaria para consertar esses problemas com texto era muito se comparado ao número de vendas que o jogo teria".
Os Reis da Luta
Continuando sua disputa com a Capcom – e para aproveitar seu estrelado elenco – a SNK lançou The King of Fighters '94. Em sistema de equipes, o crossover atraiu multidões aos arcades. Foi tão bem aceito que virou a principal marca da SNK, com jogos anuais mesclando personagens de suas diversas franquias.
Vendo a bela cartada rival, a Capcom respondeu unindo-se à Marvel para lançar X-Men vs Street Fighter em 1996. Por fim, as concorrentes se juntaram para uma série de jogos VS. Dependendo do desenvolvedor, era Capcom vs SNK ou SNK vs Capcom, em duelos que mesclam Samurai Shodown, Darkstalkers, Art of Fighting, Street Fighter, etc.
O projeto foi mais favorável para a Capcom, como veremos adiante.
Além da luta. Nem só de luta foi feito o Neo-Geo, apesar da quase automática associação. Houve espaço para shoot 'em ups como Aero Fighters 2 e Pulstar. Magician Lord foi um jogo de plataforma acima da média dos contemporâneos nos consoles. A série de futebol Super Sidekicks teve cuidado especial da SNK, com cinco jogos.
De todos, o run and gun Metal Slug atingiu o maior status. A SNK comprou a produtora Nazca, que havia sido fundada dois anos antes por ex-funcionários da Irem. Seria uma das principais séries do Neo-Geo.
Continua na segunda parte