A história do Sega Saturn – parte 5 (final)

Este artigo é parte de uma série. Comece pela primeira parte.

Saturn pelo mundo

Brasil

Revista SuperGamePower, na edição 19, outubro de 1995, anunciava o Saturn lançado primeiro no Brasil. Informação errada, já que o console fora adiantado e estava disponível desde maio nos Estados Unidos.

O Saturn foi visto pela primeira na feira UD, na segunda semana de abril de 1995, no Pavilhão de Exposições do Anhembi. O presidente da Tectoy, Stefano Arnhold, garantiu que1 era a primeira exibição pública do Saturn fora do Japão — segundo muitas fontes, a primeira chance de jogar o Saturn nos Estados Unidos foi realmente em junho, durante a E3, mas o lançamento havia sido antecipado para maio, ainda que com distribuição muito restrita.

Parte da imprensa publicou que a Tectoy se antecipara em três dias aos Estados Unidos. Isso faria do Brasil o segundo a receber o Saturn, atrás só do Japão. Mas o primeiro lote só foi às lojas em 30/08, com cerca de 700 unidades distribuídas entre várias capitais. Com a data original do calendário americano na primeira semana de setembro, fica óbvio que parte da mídia não sabia do lançamento quase três meses antes.

Quatro jogos estavam disponíveis: Worldwide Soccer, Virtua Fighter, Clockwork Knight e Panzer Dragoon. Havia a promessa de mais 15 lançamentos até o fim do ano. Jogos eram vendidos entre R$60 e R$80, e um controle adicional por R$40. O preço do pacote aparelho com 1 controle e Virtua Fighter era altíssimo: R$899,99.

Equivalência? O salário mínimo era 100 reais. Um produto da época, como certa revista famosa, custava 3 reais. Por esse parâmetro simples, um Saturn valia o mesmo que 300 revistas. A tal revista em 2018 custa 15 reais, o que daria ao Saturn (nesse parâmetro simples) preço pouco inferior a 4500 reais. Algumas lojas já vendiam o importado americano por até 790 reais (3950 em 2018, usando o mesmo parâmetro).

A Tectoy publicou boa parte do catálogo internacional. Fez ainda a localização de Riven: The Sequel To Myst, dublado em português e lançado como Riven: A Sequência de Myst, em 1997. Acessórios também vieram para o mercado brasileiro, mas não o NetLink.

O marketing seguiu o padrão, com a refilmagem do comercial da modelo de olhos azuis e anéis na cabeça.

Em 1998, com o fracasso internacional decretado, a Tectoy importou milhares de consoles japoneses. Vinham em grandes lotes, passando pela adaptação do sistema de cores de NTSCJ para PAL-M, e colocados na praça com sua marca. Foram importados Saturns brancos e o modelo Skeleton (carcaça transparente), que no exterior levava a frase "This is Cool".

Austrália

Antes do Saturn adiantado na E3 de 1995, a Austrália teria a estreia do sistema fora do Japão, como um teste. Seria por volta de julho, e o preço já estava ajustado para A$699. O preço acabou maior: A$799,95. Era alto, e com o pouco investimento do distribuidor local, a Ozisoft, o PlayStation ganhou território rapidamente. No começo de 1996, o preço caiu para A$695 (com Daytona USA) e depois para A$499, sempre tentando acompanhar o console da Sony, que no segundo reajuste, custava A$100 menos. Boa parte do estoque local era importado da Europa.

Ásia

Na Coreia do Sul, o Saturn foi lançado pela Samsung, parceira local da Sega, em 10/11/95. O preço era ₩550. Alto, e com a falta de jogos, foi um fracasso tão sério que levou a gigante coreana de eletrônicos a abandonar os videogames em fevereiro de 1997.

Em setembro, a Kama Entertainment lançou o segundo modelo do Saturn sob o selo da Sega, com o preço de ₩349. Em parceria com a Wooyoung System, também distribuíram jogos. Outras regiões tiveram lançamentos próprios, como Tailândia e Hong Kong.

Software e hardware

Software

O Saturn teve bons jogos, principalmente 2D e ports de arcades da Capcom, SNK e da própria Sega. Em The King of Fighters, foi usado pelo primeira vez um cartucho de expansão de memória, elevando para 4MB a RAM do sistema (que é de 2 MB por padrão).

Jogos 3D variaram de qualidade. Na comparação direta com a rival Sony, quase todos os games lançados em ambos os sistemas ficaram melhores no PlayStation. O suporte de third parties passou longe do desejado. Se as equipes da própria Sega tinham alguma experiência com processamento duplo, não era a realidade da indústria de forma geral.

Desenvolvimento

Nos primeiros anos, a oferta de ferramentas foi considerada insatisfatória, e para obter bom resultado, era preciso programar em linguagem assembly. A britânica Cross Products, que produziu ferramentas desde o Sega CD, criou uma estação e softwares de desenvolvimento em 1995 (SNASM2).

Tadahiro Kawamura desenvolveu a SGL. Antes, o desenvolvimento no Saturn era com uma P-Box (acima à direita). Com o novo sistema, um cartucho conectado ao Saturn fazia a interface do console com um PC. Imagens: Revista Next Generation US, ed. 9.

A Sega nomeou a divisão AM2 para criar ferramentas para o Saturn. A pedido de Yu Suzuki, foi produzida ali  uma nova biblioteca gráfica, a SGL, lançada no mesmo ano. O desenvolvimento foi liderado por Tadahiro Kawamura, e a interface escrita em C facilitou principalmente a texturização de polígonos — não por acaso, a primeira demo foi com Virtua Fighter 2.

Quatro games usaram a SGL, sendo três nativos da divisão AM2: Fighting Vipers (2.1), Virtua Cop e Virtua Fighter 2. Muitos programadores preferiram não usar o recurso, apelando às suas próprias bibliotecas em C ou fazendo tudo em assembly.

Recepção

Pública

O Saturn foi derrotado em todos os mercados pelos rivais diretos, PlayStation e Nintendo 64. Em certo momento, chegou a vender menos até que o Super Nintendo nos Estados Unidos. O melhor desempenho foi no país de origem, graças aos muitos jogos localizados e marketing eficiente. A venda mundial foi pouco superior a oito milhões de unidades. Dessas, cerca de seis no Japão, dois milhões na América e na Europa, e um milhão em outras regiões.

A competição do PlayStation foi decisiva no fracasso. Além do sistema da Sony ter mais aceitação das desenvolvedoras, a companhia investiu mais. Quando o Saturn foi descontinuado, o rival já vendera mais de 30 milhões de consoles, número que cresceria até pouco mais de 100 milhões.

Na Consumer Soft Group Show 1994, no lançamento do Saturn, Nakayama já previa grandes dificuldades. "Será um caos. Algumas vezes vamos ganhar, e outras vezes alguém vai ganhar. Certamente vamos sobreviver. Se como número um ou dois, não sei. A Sony é muito mais forte que outra companhia que não posso dizer o nome. A Sony tem muito mais experiência com o mercado consumidor".

Apesar do entusiamo público inicial, jogos foram criticados por denunciar aspectos técnicos como drawing distance curto, número baixo de FPS, barras pretas na versão PAL, e a contagem de polígonos na versão de Daytona USA. A Championship Edition corrigiria parte dos problemas, mas as falhas do primeiro ajudaram a manchar a reputação do sistema. O port bem menos problemático de Ridge Racer no Playstation colaborou na impressão de que era muito melhor para jogos 3D.

Segundo a revista Next Generation, edição 9, setembro de 1995:

Assim como Virtua Fighter vendeu sozinho o Saturn quando lançado no Japão em novembro passado, foi Daytona USA que lançou a semente da dúvida na mente dos gamers que viram a máquina 32-bit da Sega. Com seu visual confuso caindo diante da conversão da Namco de Ridge Racer no PlayStation, o Saturn tem sido recente alvo de ceticismo na comunidade de desenvolvimento de games. Afinal, se nem os programadores da própria Sega conseguem fazer a máquina se sair bem, que chances terá o desenvolvedor third-party em geral?

A opinião de programadores e designers sobre o hardware foi mista. Alguns o viam como máquina complexa, mas que se entendida e estudada, abria muitas possibilidades. Outros não viam grande diferença entre ele e o PlayStation, com a vantagem do segundo ser mais simples.

Se em qualidade de gráficos 2D o Saturn foi um dos maiores consoles já desenhados, foi também algo negativo. O excelentes games de luta, RPGs e outros bidimensionais o fizeram parecer antiquado para parte do público ansiosa pelo 3D. O 2D estava associado à geração dos 16-bit e mais antigos. A Sony forçou, com timing preciso e sucesso, a figura do PlayStation como supermáquina poligonal.

Num dos anúncios do PlayStation, destacando Sofia, de Toshinden, a mesma "técnica" da Sega desde os 16-bit: conotação sexual, visando adolescentes.

Parte da falha é justificada pelos conflitos da Sega ao longo do projeto e da vida comercial do Saturn. Apesar de empenhados no sucesso, o comando japonês ignorou diferenças culturais de cada público. Como lembra o livro Rise and Fall of Sega, de Sam Pettus, Kevin Williams e David Munoz:

Nakayama e aliados repetidamente ignoraram e rejeitaram conselhos de Tom Kalinske e seu time — assim como de Shinobu Toyoda, seus próprios aliados dos Estados Unidos. Eles tentaram tornar o público americano apaixonado pelo Saturn como tinham ficado pelo Genesis, mas esqueceram do lado americano que conquistou os fãs da América, não os seus patrões japoneses.

Outro fator foi a mudança no marketing. A certa altura, a Sega removeu o grito dos comerciais — sua maior marca além de Sonic. Lançaram campanhas mais adultas, saindo da faixa dos 13 anos. Esse afastamento do perfil que abraçara o Genesis foi conveniente à Sony. Sem um objetivo claro — era 2D, 3D, 2.5D? —, o Saturn parecia tão perdido quanto a Sega. A Sony delimitou seu espaço e falou alto a que vinha.

Crítica e indústria

O esquema de duplos CPU e processamento de vídeo não foi assimilado pela maioria dos desenvolvedores. Em vez de "perder tempo" estudando aquilo, preferiram a facilidade de programar no single core do PlayStation. Como explicado no livro Service Games: Ascensão e Queda da Sega:

Muitos desenvolvedores se contentavam em usar só um CPU e um VDP, deliberadamente limitando os recursos disponíveis do sistema, e também os games. Mesmo quando conseguiam bom resultado, argumentavam que o esforço extra de codificar para "superar a arquitetura do Saturn" resultava numa queda de 25% na eficiência média do sistema, devido aos recursos compartilhados, mitigando benefícios que o processamento paralelo supostamente trazia. Codificadores mais capazes do Saturn diziam que isso não fazia o menor sentido. Era só uma desculpa esfarrapada de "programadores lixo" incapazes de lidar com o "belo design" do Saturn. Mas aquelas poucas vozes tendiam a ser afogadas pelo resto.

Powerslave, no Saturn.

Ezra Dreisbach, da Lobotomy, fez duras críticas ao Saturn. Entre outras, o chamou de "aborto insano", dizendo que o segundo CPU era quase impossível de usar plenamente, e que o projeto fora feito por engenheiros mais preocupados com 2D do que em entender a necessidade do 3D.

Em outra ocasião, falando da programação de Powerslave, Dreisbach seguiu mordaz:

O Saturn tem um design terrível. Claro, caras podem fazer ótimos games para ele, mas o Saturn não vai ajudar. A pior parte é a recusa em beneficiar-se de décadas de desenvolvimento que já tinham evoluído para os gráficos 3D, e adicionar insulto à injúria com o super luxuoso, mas sem sentido, suporte a backgrounds em tiles 2D [...] A pior coisa do hardware é que simplesmente faltam algumas funções gráficas básicas. É como tentar fazer matemática sem subtração: às vezes você dá outro jeito com esforço, às vezes faz um hack qualquer que fica meio bugado, e outras vezes é apenas impossível.

Ainda para Dreisbach, o bom resultado de Powerslave só foi possível porque era seu primeiro jogo e ele "se importava muito". E que a complexidade do Saturn, no fim, não trazia qualquer tipo de benefício através de esforço:

É importante o quanto difícil é desenvolver para sua máquina. Talvez a Sega possa despejar recursos em código especializado e arte necessários para fazer algo bom, mas por que outros fariam o mesmo? Não é que o Saturn era difícil porque o hardware era todo cheio de truques, e houvesse alguma vantagem nessa loucura. Não, o hardware é difícil de usar porque é estúpido no jeito que foi desenhado.

Mas admitiu que não diferia essencialmente de programar para dual ou multicores modernos. O diferencial era ser necessário tirar o máximo de ambos para ter bom resultado, enquanto multicores atuais permitem mais atalhos e até que recursos sejam ignorados.

Brian McNeely, colega de Dreisbach na produção de Powerslave, lembrou de algo em favor do Saturn. O console da Sega, pelo menos com a engine deles, foi capaz de colocar na tela mais polígonos simultâneos:

Houve algumas razões para as diferenças entre as versões PlayStation e Saturn. A engine do PlayStation não nos permitia exibir o mesmo tanto de polígonos na tela, então tivemos que redesenhar todos os níveis para resolver essa limitação.

Panzer Dragoon, um dos títulos iniciais do Saturn. Segundo Futatsugi, o hardware não era capaz de "3D de verdade".

Para Yukio Futatsugi, desenvolvedor da série Panzer Dragoon, o Saturn tinha mais características de hardware 2D do que 3D. Chegou a afirmar que não produzia 3D real. "Era muito melhor para expressar águas do que o PlayStation, porque o Saturn foi uma máquina desenhada para 2D, e pudemos usar bitmaps com scroll. Você não podia fazer isso no PlayStation porque ele foi construído especificamente para usar polígonos. O Sega Saturn não podia fazer 3D de verdade, mas as funções de scroll era boas para desenhar água. Conhece raster scrolling? Usamos raster scrolling e camadas, e parecia com água".

Scot Bayless disse algo parecido, acrescentando que até o 32X produzia 3D real, mas não o Saturn:

O Saturn foi essencialmente um sistema 2D com habilidade de mover os quatro cantos de um sprite, de modo que podia simular projeção num espaço 3D. Ele tinha a vantagem de fazer a renderização no hardware, mas o esquema também tendia a criar muitos problemas, e a taxa de reescrita do pixel era muito alta; muito da vantagem do hardware dedicado era perdida por esperas no acesso à memória. O 32X, por outro lado, fazia tudo no software, mas dava dois chips RISC rápidos ligados a grandes frame buffers e controle completo ao programador. Para ser honesto, há uma parte de mim que deseja que o Saturn tivesse adotado a estratégia gráfica do 32X.

Don Goddard disse que o Saturn não era "de jeito nenhum" uma máquina 3D, além de não poder iluminar os polígonos, só simular iluminação através de uma cor diferente:

Era literalmente uma máquina de sprites em que você podia distorcer um sprite poligonal (sem texturas de perspectiva), e não dava pra fazer muita coisa com isso. Todos os seus polígonos eram quadriláteros, nenhuma ferramenta 3D suportava aquilo, logo muita gente só duplicava a última vértice e os usava como triângulos.

Para Hideo Kojima, o público do Saturn era por natureza exigente. Por isso, fez questão de ter Policenauts no console, a qual chamou de "versão definitiva" do game. Segundo ele, havia uma preocupação com a qualidade das cenas, que "não ficariam boas, pelo menos usando o Cinepak". Mas notou que foi possível melhorar a qualidade em relação ao PlayStation, onde os filmes rodam a 15 FPS e partes dos diálogos foram alterados. Além de rodar a 24 FPS, como no 3DO, a versão deu suporte a mouse, light gun, teve créditos e cenas adicionais, remoção de censura e vídeos de bônus.

Ken Humphries, em 1996, durante a produção de Primal Rage, confirmou que a geração de polígonos do PlayStation era melhor, e a manipulação de sprites 2D era superior no Saturn, com destaque para a paleta quatro vezes superior no console da Sega em sprites e backgrounds do jogo. O CEO da Treasure, Masato Maegawa, foi mais longe e afirmou que era mais fácil programar para o Saturn que para o Nintendo 64.

Para Jon Burton, da Traveller's Tales, o PlayStation era mais fácil de ser entendido e assim alcançar seu limite "com alguns truques para que podiam ser usados para melhorar o visual do jogo". O Saturn era mais complexo, e permitia melhorar a velocidade e visual quando tudo era usado corretamente. Certos efeitos usados em Sonic R seriam mais complicados de obter no PlayStation. "A técnica de 'neblina' derrubaria a taxa de frames em cerca de 10 FPS ou menos no PlayStation. O reflexo na água seria virtualmente impossível de ser alcançado, e o Saturn tem sombreamento de Gouraud melhor, dando iluminação muito mais suave", disse.

Segundo Jim Blackler, programador de Crimewave, o Saturn foi escolhido porque os kits de desenvolvimento eram mais baratos. O jogo foi criticado pela baixa taxa de frames, resultado de uma escolha de design errada: gráficos passados do disco sem limitação de quantidade de dados por setor. Ele concordou que o Saturn era complicado devido aos dois SH-2, mas tanto quanto multinúcleos posteriores. "Eu nem usava as bibliotecas da Sega (o que era meu jeito típico de programar naquele tempo). Para ser justo, provavelmente não era mais complicado do que o PlayStation 2 para programar, mas era só eu trabalhando em Crimewave na maior parte do tempo".

Para Steve Snake, programador de NBA Jam e do emulador Fusion, o problema do Saturn estava em seguir um velho padrão, enquanto a indústria adotava outro. Desenvolvedoras não podiam mais passar meses aprendendo a lidar com uma plataforma, se outra entregava resultados quase imediatos. O mercado estava mudando, e o Saturn não era amigável às agendas:

A Sega nos deu exatamente o que queríamos. Mas a indústria mudava exatamente naquele instante, então não tínhamos mais muita escolha. De repente, as coisas tinham que ser finalizadas pra ontem. A Sega não podia adivinhar isso... A maior parte das third-parties não podiam fazer o que queriam rápido o bastante, então não se importaram. É incrível, porque não era preciso tanto esforço para fazer a máquina rodar no mesmo nível do PlayStation.

Programadores sendo programadores, contudo, provavelmente não estariam satisfeitos a não ser que explorassem bem a máquina, e parecia muito trabalhoso conseguir isso. Aprender a programar no Saturn era aprender a máquina. Aprender a programar no PlayStation era aprender C. Aprender C é muito mais fácil do que aprender o hardware de uma nova máquina, e com o Saturn, tinha muito hardware a ser aprendido."

Yu Suzuki em 1997. Talvez a maior mente criativa da Sega, Suzuki via poucos programadores capazes de tirar o máximo do Saturn. Foto: Saturn Magazine Japão, vol. 30.

A dificuldade em programar para o Saturn é amplamente citada como uma das causas principais do afastamento de desenvolvedores. Yu Suzuki disse que programar para duas CPUs tem problemas:

Virtua Fighter usa uma CPU diferente para calcular cada personagem. As duas CPUs iniciam ao mesmo tempo, mas há um delay quando uma tem que esperar a outra para seguir. Um processador central muito rápido seria preferível. Não acho que todos os programadores terão habilidade para programar com duas CPUs. A maioria pode obter só uma vez e meia a velocidade que poderia tirar de um único SH-2. Acho que só 1 a cada 100 programadores são bons o bastante para conseguir esse tipo de velocidade do Saturn.

Mais tarde, ele repensaria seu comentário 2, classificando-o como "impreciso". "O que eu disse é que é mais difícil criar programas e sistemas operacionais para sistemas multi-CPU. É possível para programadores talentosos tirar o máximo de duas CPUs, mas não é o ambiente ideal para o programador médio".

Para Joe Miller, o Saturn era inegavelmente difícil para programadores que vinham dos 16-bit. "O Saturn tinha oito processadores, e o conjunto de ferramentas, a documentação, treinamento, códigos de exemplo... Fazer a plataforma produzir aquilo para que foi projetada era uma tarefa muito complexa e dolorosa para desenvolvedores, incluindo as melhores e mais afiadas mentes que a Sega tinha para a missão, tanto no Japão quanto nos Estados Unidos".

Sonic R

Jogos também foram apontados como razão da falha do Saturn. Nem Sonic teve a devida atenção. O único jogo original foi Sonic R, programado pela Traveller's Tales e que sequer foi projetado originalmente como parte da série, mas sim um racing comum.

Kalinske repetiria em 2015 a opinião sobre a falta de timing, afirmando que "se tivéssemos esperado até termos games melhores, lançando para todos os vendedores em vez de só alguns, com marketing que alcançasse todos os jogadores, teríamos muito mais sucesso, mesmo que significasse atrasar o lançamento até o fim de outubro ou novembro".

Para Bernie Stolar, foi uma combinação de fatores. "Timing ruim, alto preço, software de lançamento que não vendia o hardware, não ter Sonic no lançamento, distribuição limitada, e o 32X não ajudava vendedores, consumidor ou a comunidade de desenvolvedores e publicadoras. Não acho que houve um fator principal; foi um efeito de estratificação que essas coisas tiveram no negócio".

Para o então COO da Sega Europa, Kazutoshi Miyake, "a chave do sucesso nos videogames hoje é o quão rápido e forte você firma seu modelo de negócio [...] Precisamos apelar ao público certo, e acertar o preço do hardware. Também precisamos de jogos que tenham apelo com vários usuários e publicadoras, e de uma estratégia de marketing abrangente. Acho que a Sega não fez seu modelo de negócio do jeito certo. Por isso ficamos atrás de nossos competidores... Acho que eles [parceiros] pensaram que nosso modelo não era atraente o bastante para que fizessem um enorme investimento... Talvez por causa de nosso enorme sucesso nos 16-bit, tenhamos dado menos atenção à importância da confiança das publicadoras third-party".

"Perdemos alguma credibilidade entre nossos usuários do Saturn, mesmo no Japão", disse Irimajiri em 1998 "porque viam o PlayStation se tornando a força dominante no mercado mundial de videogames. [...] Tenho dito uma coisa: pense e olhe as coisas pelo ponto de vista do consumidor. No passado, acho que a Sega talvez tenha sido arrogante".

Ao apressar o lançamento, a Sega criou uma bisonha disputa interna. O 32X precisava de consumidores que deveriam olhar para o Saturn. E pela arquitetura similar em certos pontos, também disputariam componentes. O acessório saiu rapidamente de cena. Se deixavam tão rapidamente o 32X de lado, quem garantiria futuro diferente para o Saturn? Muitos perderam a confiança na Sega, preferindo investir na Sony ou Nintendo.

Scot Bayless
Scot Bayless foi responsável comercial pelo Sega CD nos EUA. Para ele, o 32X mandou uma mensagem errada ao público. "Nos fez parecer gananciosos e burros para os consumidores".

"Consumidores de Estados Unidos e Europa imediatamente começaram a se perguntar o óbvio: 'por que devo comprar o 32X quando o Saturn está só a alguns meses de distância?'", explicou Bayless. "Infelizmente, a melhor resposta que a Sega arranjou foi que o 32X era um 'dispositivo de transição'; que ele seria uma ponte do Mega Drive para o Saturn. Francamente, isto nos fez parecer gananciosos e burros para os consumidores, algo que até um ano antes eu sequer imaginaria as pessoas pensando de nós. Éramos os garotos legais", completou.

Mesmo destacando a influência caótica do 32X, Bayless citou vários erros em sequência, incluindo o design do Saturn, inadequado para o momento:

A Sega deveria ter matado o 32X entre março e maio de 1994, mas não o fizemos. Subimos a montanha correndo e quando chegamos ao topo, percebemos que era a droga da montanha errada. Olhando para trás agora, diria que aquele foi realmente o começo do fim da credibilidade da Sega como empresa de hardware.

Quando você olha para trás, para escolhas de hardware feitas entre 1992 e 1995, era como assistir a morte do Hindenburg em câmera lenta. Praticamente todas as ligações que a empresa fez terminaram sendo erradas. Usar drivers baratos no Mega CD, jogos em FMV, posicionar o 32X como sistema-órfão, desenhar o Saturn como um sistema 2D de última geração modificado quando era claro que o 3D seria a próxima grande coisa... Até os periféricos da Sega foram estúpidos. Lembra do Activator? Sega VR? Foram despejadas quantidades insanas de dinheiro e tempo nesses projetos que simplesmente não faziam sentido, e consumidores fizeram o que sempre fazem: guardaram suas carteiras e se afastaram.

Legado

Durante o desenvolvimento e depois do Saturn, a Sega seguiu focada na busca por bom hardware. Houve um trabalhos sério com a Nvidia para produção de plataformas conjuntas. Dessa relação nasceu o chip NV1, usando a tecnologia de polígonos quadriláteros, tal como o Saturn. Assim vieram ports virtualmente idênticos para PC, como Panzer Dragoon e Daytona USA.

Para Goddard, o NV1 demonstrou à Sega que podiam fazer algo maior. A evolução do Saturn, com a evolução do NV1, talvez evitasse a vitória da Sony:

Fomos informados [durante a produção de Sonic X-Treme] que a Sega tinha uma máquina matadora do Saturn sendo construída, pois sabiam que o PlayStation seria dominante em breve. [...] A NV1 foi um protótipo para mostrar à Sega que eles [Nvidia] podiam fazer uma grande placa, e uma verdadeiramente revolucionária com a NV2.

Polígonos quadriláteros economizavam memória. Mas como explicou Hara, "...toda a indústria de gráficos 3D profissionais, incluindo as ferramentas de software, só trabalhavam com triângulos". A Sega enviou profissionais e teria colocado dinheiro — 7 milhões de dólares — para que a Nvidia concluísse o NV2. Também chamado de Mutara V08, ele seria o coração do Saturn V08.

Hara desmentiu. "A Sega não investiu dinheiro no desenvolvimento do NV2, mas tiveram um relacionamento colaborativo próximo com o time de design. O NV2 sempre foi propriedade da Nvidia, e também seria a base de uma versão atualizada para o mercado de PCs".

A Sega queria aquilo para venda até o final de 1996. Goddard descreveu o chip como "um monstro"; a Nvidia tentou nele técnicas comuns nos games só por volta de 2008. Mas a 3Dfx vinha seduzindo a Sega para uma parceria, incluindo uma tecnologia que a Nvidia não tinha. "Eles diziam ter pago 1 milhão de dólares por um "software de verificação de chip", explicou Goddard, "que praticamente garantiria que o design do chip funcionaria no hardware exatamente como simulado no software".

A Nvidia se apressou para entregar o NV2. Mas na hora do teste com a Sega, houve uma falha vexatória, relatada por Goddard:

A Nvidia correu e correu, então finalmente prensaram um chip — isso me foi contado diretamente por um grande funcionário da Nvidia, Michael Hara [...]. Eles ligaram o chip. Tela preta. Só preto. Mexeram, checaram controles, mudaram switches... Nada, só a tela preta. A Sega os largou na hora, assim como toda a plataforma Nvidia.

Depois do Saturn, houve negociações com a Lockheed Martin "com foco em construir o melhor hardware possível", disse Miller. Manteriam o modelo de negócio de lucro com software, oferecendo hardware de ponta às desenvolvedoras. Seria o Saturn 2, depois convertido no próprio Dreamcast.

Controle 3D: apesar de não ser o modelo "titular", foi um dos grandes legados do Saturn, já que seu modelo deixou características para o Dreamcast, que por sua vez foi inspiração para o Xbox clássico.

O 3D Control Pad deixou características fundamentais para o controle do Dreamcast. Entre elas, o analógico (que o Nintendo 64, lançado um mês antes, também tinha, mas em outra posição), a disposição de botões e o conceito de gatilhos nas posições L e R. Mais tarde, o padrão seria adotado pela Microsoft para o Xbox.

O Saturn foi o primeiro videogame da Sega a ter fonte interna como padrão. Segundo Stefano Arnhold, a Tectoy foi pioneira nisso ao produzir Master System e Mega Drive no Brasil, e os japoneses eram "200% contra" — sugerindo que a iniciativa talvez tenha influenciado o projeto.

A dificuldade em programar foi criticada no Saturn, mas aconteceu em máquinas posteriores. O PlayStation 2, lançado em 2000 com 10 processadores, teve perfil parecido sem afetar a oferta de jogos. Os PlayStation 2 e 3 foram considerados tão difíceis de programar, que alguns desenvolvedores levaram meses para descobrir como realizar tarefas simples. Lorne Lanning, desenvolvedor da franquia Overworld, foi duro crítico do design dos PlayStation 2 e 3. Votou contra a indicação de Kutaragi a um Lifetime Achievement da Academia de Artes Interativas e Ciências, declarando que o complexo hardware do PlayStation 2 colocara "metade da comunidade de desenvolvimento fora do negócio".

Cory Bloyd, da Munkeyfun Studio, descreveu programar no começo do PlayStation 2:

A máquina tem 10 diferentes processadores (IOP, SPU1&2, MDEC, R5900, VU0&1, GIF, VIF, GS) e 6 diferentes espaços de memória (IOP, SPU, CPU, GS, VU0 & 1), e tudo funciona de jeitos completamente diferentes. Há tantas coisas incríveis que você pode fazer, mas tudo requer cambalhotas através de lâminas invisíveis de segfaults. Fazer o primeiro triângulo aparecer na tela tomou um mês de algumas equipes, porque envolve rotear comandos por R5900->VIF->VU1->GIF->GS e afins, com nenhum feedback do que está dando errado até que você dê cada passo no caminho certo.

Isso sugere que o maior problema do Saturn foi o fracasso comercial. Foi praticamente o último videogame de ponta a ter linguagem assembly como a principal. A maioria dos games de PlayStation foram feitos em C, enquanto consoles modernos que geralmente usam C++.

O fiasco do Saturn destruiu as finanças antes robustas da Sega, quase os levando ao colapso. Além dos US$450 milhões negativos no último ano fiscal do Saturn, o prejuízo composto entre 1993 e 1998 passou de um bilhão. Praticamente um terço do que ganharam no auge do Mega Drive/Genesis foi pelo ralo.

Se o protótipo Pluto tivesse sido lançado, o Saturn teria sido o primeiro console da história com a função online por padrão. O mérito pertenceria a seu sucessor, o Dreamcast. Foi ainda o primeiro console a ter conversões virtualmente idênticas ao arcade (exceto Neo Geo, cujo hardware era o mesmo do arcade). Também foi plataforma do surgimento de marcas importantes da Sega, como NiGHTS e Panzer Dragoon.

Segundo Masami Ishikawa18, o desenvolvimento mudou dentro da Sega durante o trabalho com o Saturn:

O processo não era como hoje — não pedíamos opiniões aos desenvolvedores de software [a respeito do hardware]. Simplesmente tínhamos uma reunião quando terminávamos de elaborar as especificações. Desde o Saturn, o ambiente de desenvolvimento de software foi aprimorado, levando em consideração as opiniões de terceiros. A partir desse ponto, os métodos de desenvolvimento, a estrutura organizacional e os sistemas de pessoal foram alterados [...] Ao desenvolver o Saturn e o Dreamcast, as equipes de software e hardware trabalharam juntas — tudo, da especificação do design até o ambiente de desenvolvimento, foi revolucionado.

Jogos

Entre 1994 e 2000, aproximadamente 1300 títulos foram lançados para o Saturn, a maioria como exclusivos do Japão (258 nos Estados Unidos).

Mais vendidos

Em milhões de unidades

Japão3:

1. Virtua Fighter 2 - 1.30
2. Sega Rally Championship - 0.776
3. Virtua Fighter - 0.711
4. Virtua Cop - 0.629
5. Fighters Megamix - 0.62
6. Sakura Taisen - 0.558
7. Daytona USA - 0.557
8. Super Robot Taisen F - 0.548
9. Super Robot Taisen F: Final Edition - 0.548
10 Sakura Taisen 2 - 0.535

Brasil:

1. Scorcher
2. Virtua Cop
3. Cyber Speedway
4. Sonic R
5. Heir of Zendor
6. Nights
7. Amok
8. Street Fighter Zero 2
9. Riven
10. Daytona USA

Mundial:

1. Virtua Fighter 2 - 1.93
2. Sega Rally - 1.16
3. Virtua Fighter - 1.07
4. Virtua Cop - 0.62
5. Fighters Megamix - 0.62
6. Puvo Ruvo Sun - 0.60
7. Daytona USA - 0.55
8. Sakura Wars - 0.55
9. Super Robot Wars F - 0.55
10. Super Robot Wars F Special Edition - 0.55

Modelos

De 16 versões conhecidas do Saturn, nove foram exclusivas do Japão. Algumas foram produzidas por parceiros como a Victor e a Hitachi. Na maioria, a diferença foi meramente estética ou de conteúdo na embalagem. Só o Hi-Saturn Navi da Hitachi e o Pluto (não lançado) teriam adições: tela LCD e GPS no primeiro, e acesso à internet no segundo.

O modelo incial foi o HST-0001. O controle evoluiu diretamente do 6B do Mega Drive, com seis botões alinhados em grupos de três nos polegares. Enfim a Sega adotou os botões de ombro L e R, como o Super Nintendo, num design bem suave e curvilíneo.

Mas quando lançado na América, a Sega redesenhou o controle. O modelo NA1 era bem maior e angular que o japonês. A explicação oficial foi que o público local tinha mãos maiores... Um tolice completa, já que o controle japonês teve grande demanda; tiveram que lançá-lo como NA2 e inclui-lo na embalagem dos Saturns a partir de 1996.

Em 2013, foi descoberto o Pluto, um Saturn com o NetLink embutido. Como o acessório de acesso à internet só fez relativo sucesso nos Estados Unidos, acredita-se que tenha sido desenhado na Sega da América, ou como um exclusivo local. Se lançado, seria o primeiro videogame da história com acesso à internet de fábrica.

Bibliografia e referências

  1. Sega Retro - History of the Game Gear
  2. Game Informer - How A Series Of Bad Decisions Led To The Sega Saturn Failure
  3. Sega16 - Interview Tom Kalinske (arquivo)
  4. Polygon - Why former Sega presidente Bernie Stolar is still proud of the Dreamcast
  5. Shmuplations - 1998 - Interview with Hideki Sato
  6. Sega 16 - SVP Chip - The Road Not Taken
  7. Wired - How Virtua Fighter saved Playstation's Bacon
  8. Sega Mag - Dossier Sega Saturn - Le Reve 32 bit
  9. The Guardian - Sega Saturn: how one decision destroyed PlayStation's greatest rival
  10. VGChartz - Platforms total
  11. SegaRetro - E3 1997
  12. SegaRetro - Sega Graphics Library
  13. Revista Edge - Sega and Sony Sell the Dream, 02/1995, pág. 6–9
  14. Revista Edge. The Making of Playstation
  15. A Guerra dos Consoles: Sega, Nintendo e a Batalha Que Definiu uma Geração, de Blake J.  Harris
  16. Service Games: A Ascensão e Queda da SEGA
  17. Service Games: The Rise and Fall of SEGA: Enhanced Edition
  18. Polygon - How Sega built the Genesis (consultado em 16/02/2020)
  1. Revista Videogame, ed. 49
  2. Revista Next Generation, novembro de 1995, pág. 9
  3. Service Games: Rise and Fall of Sega
Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

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