A história do Sega Saturn – parte 4

Este artigo é parte de uma série. Comece pela primeira parte.

Sai Kalinske, entra Stolar

Bernie Stolar com o Dreamcast: substituto de Kalinske na Sega da América jamais teve interesse no Saturn. Para ele, o sistema era uma perda de tempo precioso.

Em julho de 1996, houve a confirmação da saída de Kalinske, a ser efetivada em setembro. A Sega americana não tinha a autonomia de antes. Outros funcionários vitais na arrancada do Genesis haviam partido, e o fim do suporte aos 16-bit foi a gota d'água. O co-chairman (vice-presidente do conselho administrativo), David Rosen também deixou o posto no dia 15, ficando como diretor. Nakayama, que acumulava cargos da Sega da América e Japão, anunciou a renúncia como chairman na primeira, ficando no quadro de direção. Mas seguiria como presidente japonês até 1998.

Irimajiri foi nomeado chairman e CEO da América. Enquanto isso, Bermard "Bernie" Stolar deixava a vice-presidência executiva da Sony CEA. Lá, foi o segundo na linha atrás de Steve Race, que por sua vez, fora segundo na Sega da América até o começo de 1994. Na Sony, controlou o relacionamento com third-parties, e entre outras ações importantes, convenceu a Sony a comprar a exclusividade de Crash Bandicoot da Naughty Dogs.

Passou a ser vice-presidente executivo da Sega da América em seguida. Desde então, a Sega do Japão se preparava para o substituto do Saturn, como revelou Stolar:

Aceitei a posição na Sega baseado em conversas com Hayao Nakayama, que era o chairman da empresa. Iríamos instituir e trazer um novo hardware com jogos multiplayer online. Aquilo se tornaria o Dreamcast.

Se o Japão planejava seguir em frente, Stolar mais ainda. Ele não havia aceitado o cargo só por temer uma demissão na Sony (na época, acontecia uma reestruturação da Sony CEA), mas pela proposta de comandar algo novo. "Quando cheguei à Sega, imediatamente eu disse 'Temos que matar o Saturn. Temos que parar o Saturn e começar a construir a nova tecnologia'. E foi o que fiz".

Saturn na Internet

Em outubro, a Sega lançou o NetLink, modem de 28.8 kbit/s no formato de cartucho, para conexão discada com a internet. No Japão era preciso usar uma central, o serviço chamado SegaNet (depois convertido para o Dreamcast). O acesso era cobrado com cartões de crédito pré-pago; os Saturn Media Cards custavam ¥2,000, e um crédito de jogo era ¥20. Ou seja, era possível jogar 100 partidas por cartão.

Na América não havia uma central: a ligação era direto entre as duas máquinas. Por não depender de servidores, enquanto os usuários tivessem o número uns dos outros (e o hardware necessário), tudo seguiria funcionando. Embora a Sega indicasse um provedor específico nos Estados Unidos, não era obrigatório usá-lo.

Com o NetLink, o Saturn era usado para acessar a internet, ler e-mails e até jogar partidas online.

A memória do dispositivo era limitada, permitindo o armazenamento só de informações da conta e favoritos. Como o slot de cartucho estaria ocupado, restava a (pouca) memória interna do Saturn para armazenar dados baixados. Isto impossibilitava guardar arquivos como vídeo, imagens, ou até criar cache de páginas visitadas.

O navegador da Planetweb era levíssimo, usando 570 KB de memória — os de PC consumiam cerca de 6 MB. Era possível enviar saves de qualquer game via e-mail; o site da Planetweb tinha centenas de saves disponíveis para download. A Sega da América também teve um site dedicado, o NetLink Zone.

Claro que também era possível jogar online, com os poucos games compatíveis:

  • Daytona USA CCE Net Link Edition
  • Duke Nukem 3D
  • Saturn Bomberman
  • Sega Rally
  • Virtual On

Bomberman, o mais popular, permitia até 4 jogadores simultâneos online; os demais tinham limite de dois jogadores.

O NetLink foi testado na Finlândia, mas ficou restrito ao Japão e Estados Unidos. Apesar do sucesso modesto, teve um número razoável de usuários. A Sega esperava vender 100 mil unidades na América, mas a estimativa mais otimista aponta 50 mil; no Japão, houve cerca de 15 mil usuários. O preço inicial, 199 dólares, não era tão caro, mas a pouca oferta de jogos compatíveis não ajudou o acessório a decolar. Também faltaram títulos de apelo popular, como os de esportes e luta.

Foram lançados acessórios para a navegação, como mouse e teclado, e considerado um console com o NetLink embutido, o Pluto (cancelado, veja em hardware). No Japão saíram também uma unidade de disquete e um conversor para cabos de impressora.

Mascote x mascote

Crash

Em maio de 1996, Nakayama comandou uma revisão no marketing da Sega na América. Foram cortados laços com a empresa Goodby, Berlin, and Silverstein, criadora do icônico grito "Sega", onipresente na gestão de Kalinske. Buscaram amadurecer a imagem da empresa, rumo a um público menos suscetível às campanhas sarcásticas.

Alguns fãs se sentiram abandonados pela nova persona. Já a Sony agradeceu a brecha e a usou para ganhar mais público. Kaz Hirai, promovido a vice-presidente em julho, coordenou um marketing agressivo, divertido e irônico. Como o de Crash Bandicoot, fazendo chacota da Nintendo — com o Nintendo 64 pronto, bater na Sega já parecia irrelevante.

O jogo fez tanto sucesso que promoveu o marsupial ao cargo de mascote do PlayStation.

O retorno de Sonic

A guerra de preços fez o Nintendo 64 ter o valor de estreia reduzido para US$199. A campanha de pré-lançamento prometia: dinossauros voarão. A Sega, em conferência de outubro de 19961, reagiu com o vice-presidente de marketing, Ted Hoff, jogando o 64-bit pela sala, demonstrando que "ele não voa". A empresa garantia que o rival sofreria com falta de títulos nos primeiros meses.

A guerra tripartite se intensificou. Veio um novo pacote do Saturn, com três jogos (Virtua Fighter 2, Daytona USA e Virtua Cop), e redução do preço máximo dos jogos, de US$69,99 para US$59,99. Houve boa resposta, com relatadas vendas de 900 mil consoles até o Natal. Naquele fim de ano, a Sega promoveu Sonic; não o cancelado X-Treme, mas o 3D Blast.

Em 14/12/1996, a revista Billboard comentava o retorno de Sonic:

Sonic esteve ausente da cena gamer desde 1994, e faz sua estreia no Saturn em Sonic 3D Blast [...] originalmente planejavam lançar outro jogo, "Sonic Extreme", na temporada de férias. Versões prévias do jogo lembravam títulos com uso intensivo de polígonos hoje em 32 e 64-bit, como Super Mario 64, Tomb Raider e Crash Bandicoot.

O retorno de Sonic está sendo respaldado por uma campanha multimilionária de anúncios na TV com o slogan "Blue is Back" ("O Azul Voltou"). Analistas da indústria estão atentos ao desempenho de vendas da Sega na temporada de festas. Alguns especulam que a empresa pode deixar o negócio de hardware completamente se não se saírem bem.

O Saturn chegava à marca de 1,6 milhões de consumidores, sendo 1,2 só em 1996, seu melhor ano. Mas não dava para comemorar: o Nintendo 64 já tinha vendido 1,7 milhão em apenas 3 meses, e o PlayStation batia a marca de 3,2 milhões. Todos com menos tempo no mercado.

Como um Titanic

1997 começou com a Nintendo vendendo mais que as rivais. Apesar dos pesares, a Sega mantinha 15% do mercado e as vendas cresciam, ainda que em ritmo mais lento. E como previam especialistas no mercado, o uso de cartuchos minguou as parcerias da Big N.

Tudo era favorável à Sony. Se proporcionalmente, a venda de consoles crescia para todos, o PlayStation, com um fluxo de jogos constante, abria vantagem absoluta. O ano fiscal encerrado em março marcou o menor lucro da Sega desde o lançamento do Genesis: 46 milhões de dólares (menos da metade de 1996).

Peter Moore: Stolar foi montando sua equipe, e ficava claro que a próxima geração se aproximava.

Ainda em março, Stolar foi promovido a presidente e COO. O executivo fez linha dura, com muitas mudanças, incluindo corte de quase 200 funcionários. "Senti que ninguém era forte o bastante para fazer seus trabalhos. Demiti a maioria". Trouxe Peter Moore, com quem havia trabalhado na Rebook, convencido de que era o homem certo para reconstruir a marca Sega. A preocupação era limpar a barra com o público. "Quando cheguei à Sega, esse foi nosso primeiro desafio: como podemos meio que nos desculpar pelo Saturn e enfim ter um novo começo com o Dreamcast".

No começo de junho, o Saturn caiu mais de preço, com o pacote mais barato indo a US$149,99. As vendas chegavam a 1,7 milhões na América (somados aos 4,4 no Japão, cerca de 900 mil na Europa e 900 mil nos demais mercados somados). Desenvolvedoras pulavam do barco o tempo todo; ele afundava como um Titanic, e nada seria capaz de mudar o naufrágio. O grande iceberg PlayStation, com jogos como Final Fantasy VII, bateu 47% de mercado, contra 40% da Nintendo.

E a Sega? A participação caiu para 12% no fim de 1997. Remessas de Saturn pelo mundo desabaram de 2,35 milhões para 600 mil no período entre março/96 e setembro/97. Nos Estados Unidos, a queda foi de 800 mil para 50 mil. Em meados de 1997 eram fortes os boatos sobre seu sucessor.

A Sega acompanhava as reduções de preço de Sony e Nintendo. Mas desde abril já vendiam o Saturn com prejuízo, tentando lucrar ao menos com a venda de software. Fizeram a promoção "compre dois jogos, ganhe um", com títulos como NiGHTS, Sega Rally Championship (com o controle Arcade Racer), Sega Worldwide Soccer e Virtual On. Um pequeno respiro, e a promoção foi estendida até o fim de maio. Neste mês, com a derrocada iminente do Saturn, em alguns pontos o preço caiu para 150 dólares — contra a vontade da Sega. Só no começo de junho a Sega anunciaria esse preço como oficial.

A Sony deu mais uma pancada no rival moribundo, fazendo acordo com lojas que tinham estoque das primeiras unidades do PlayStation. Menos confiáveis por causa de uma falha no design que causava desalinhamento da unidade óptica, saíram por atrativos 130 dólares.

Aventuras de Stolar

Adeus da Working Designs

Na E3 de 1997, em junho, um golpe para os fãs de RPGs. Stolar causou (ao que consta, sem intenção) um conflito com a Working Designs, estúdio especializado na localização de títulos japoneses. No Sega CD, levaram à América excelentes jogos, como os clássicos da série Lunar.

Na Sony, Stolar desprezou os RPGs japoneses. Dizia que não exploravam a capacidade 3D do PlayStation, e por isso, não apoiava a publicação deles. Numa das abordagens da Working Designs, teria rechaçado enfaticamente a oferta de seu presidente, Victor Ireland.

Em entrevista de 1998, Ireland lembrou:

[...] quando estava na Sony, ele [Stolar] foi um dos que diziam que RPGs não eram significativos. Ele nos disse; uma pessoa extraiu isso dele através de seu representante — Bernie disse que RPGs não eram parte importante do mercado, e não queremos dar suporte a eles nos Estados Unidos. Foi por isso que Arc the Lad não saiu, nós estávamos trabalhando pelo Arc the Lad.

Lunar foi parar no PlayStation, para ira de muito dono de Saturn...

A negativa virou inimizade quando a WD foi relegada a um canto do setor da Sega na E3, por motivos supostamente alheios a Stolar. Ireland tomou como algo pessoal, anunciando que passariam a apoiar a Sony com exclusividade. Lunar Silver Star Story Complete, um dos games mais esperados no Saturn, foi sumariamente cancelado, mesmo perto do estado final. Pior: acabou no PlayStation.

Só a localização do RPG Magic Knight Rayearth seria completada pela Working Designs, e com muito atraso.

"Saturn não é nosso futuro"

Se seguistas já maldiziam Stolar pela perda de Lunar, dois dias após a E3 (23/06), o executivo faria pior, ao dizer num evento: "O Saturn não é nosso futuro". Era uma voz oficial afirmando o que muitos não queriam ouvir: a Sega não tinha planos a longo prazo para o 32-bit.

A frase foi explorada à exaustão pela mídia especializada. Stolar virou persona non grata para muitos fãs. Chegou a ser acusado de sabotador do Saturn. Por seu papel na aceitação mundial do PlayStation, até teorias conspiratórias nasceram. Uma delas é que o executivo foi um agente infiltrado na Sega por membros influentes. O propósito seria afundar a divisão de hardware doméstico e transformar a empresa em desenvolvedora apenas de software.

Cancelamentos

Virtua Fighter 3

Naquela E3, 44 jogos de Saturn foram apresentados, entre eles Resident Evil, Marvel Super Heroes e Sonic R, e outros 5 anunciados. Uma sentida falta foi Virtua Fighter 3, lançado nos arcades em setembro de 1996 sobre a Model 3. Em novembro do mesmo ano, Yu Suzuki havia dito 2 que a própria AM2 cuidaria do port.

Andy Mee, diretor de marketing da Sega Europa, disse que3 um cartucho adicional era considerado para melhorar a qualidade. Mas quando não houve notícia na E3 após meses de trabalho, dúvidas ressurgiram sobre a capacidade do Saturn. Um protótipo foi concluído em julho, mas a Sega do Japão não queria mais lançá-lo, alegando que prejudicaria a versão Dreamcast, em andamento. A equipe continuou trabalhando mesmo assim, até o cancelamento oficial, em setembro.

Exclusivos do Japão

Radiant Silvergun: um dos bons jogos japoneses que não foram para a América - na visão de parte do público, por causa da "Política das Cinco Estrelas" de Stolar.

No mesmo evento, no dia 19, foi anunciado que a partir do dia seguinte, a Sega adotaria um sistema para aprovação de jogos, a "Política das Cinco Estrelas". Todo lançamento (em todas as plataformas) passaria pelo crivo da Sega antes de entrar no mercado americano. Queriam melhorar a qualidade do acervo de jogos, ou seja, buscar qualidade acima de quantidade. Mais ou menos o que Stolar havia feito com o PlayStation.

Dizia o press release:

O COO Bernard Stolar e um quadro de desenvolvedores de produto, testadores e equipe de marketing farão a revisão e monitoramento de cada jogo, desde o conceito inicial até o produto final. Metas mensais serão firmadas para garantir que padrões de qualidade gráfica, sonora, originalidade, facilidade de uso e jogabilidade estejam sendo mantidas, qualificadas numa escala de pontuação até 100 (20 pontos por cada categoria).

Se a qualquer ponto do desenvolvimento o jogo não estiver na meta da "Política de Jogos Cinco Estrelas", caindo a um placar inferior a 90, o quadro direcionará designers para corrigir as falhas, ou apenas sugerirá o encerramento completo do projeto.

Parecia uma medida drástica, mas eficaz. Contudo, logo foi vista pelo público americano como culpada por grandes jogos do Japão jamais chegarem, como Radiant Silvergun.

Outro título ausente pela queda inevitável do Saturn foi X-Men vs Street Fighter. Sega e Capcom não fizeram acordo sobre a expansão de memória de 4 MB que o jogo precisava. O cart japonês não foi lançado na América; a Capcom teria que fabricar seu modelo e o vender com o selo da Sega. Pelo alto custo, preferiram lançar a espetacular conversão do arcade só no Japão.

E ainda em junho, o PlayStation teria Final Fantasy VII. A Square vendeu 2,5 milhões de unidades nos primeiros três dias. Jogadores compravam o PlayStation por causa de FF VII. Reconhecendo a força do título, a Sony da América "abriu uma exceção" na política anti-RPG e localizou o game, para um sucesso ainda mais estrondoso: não só foi RPG do ano, como o jogo mais vendido de 1997 entre todas as plataformas. Ali o Saturn perdeu a liderança também no Japão.

Grandia parecia candidato a, quem sabe, perturbar Final Fantasy. A Gamespot avaliou em 1998 a versão Saturn, dizendo que batia "Final Fantasy VII em quase todos os fatores que importam" e que era não só maior, como tinha "um elenco de personagens mais cativantes". Mas também não foi à América, graças àquela rusga entre Stolar e Ireland na E3. Enquanto RPGistas donos de Saturn lamentavam, a Sony teria Grandia no PlayStation em 1999. O cúmulo do desaforo.

O caso Bandai

Em 23/01/1997, Okawa e Nakayama. da Sega, se cumprimentam com Makoto Yamashina (centro), presidente da Bandai, na sala de conferências da Bolsa de Valores de Tóquio. Acabavam de anunciar a fusão das empresas para outubro. Foto: Kimimasa Mayama/Corbis.

Numa tentativa final de salvar a Sega, Nakayama trouxe uma notícia bombástica no começo de 1997. A Sega estava adquirindo a Bandai, e as empresas se fundiriam num único grupo, o Sega Bandai.

A união transformaria o grupo Sega Bandai num dos maiores de games e brinquedos do mundo. As operações iriam de arcades e consoles a parques temáticos, bonecas, animações e material derivado como música. A receita estimada seria de 6 bilhões de dólares por ano, mais que Nintendo, Mattel ou Hasbro.

Seria a fusão dos entretenimentos digital e analógico. Brinquedos de Sonic, games de franquias da Bandai. Parecia perfeito. "Somos uma empresa realmente voltada à tecnologia", disse Nakayama no anúncio. "Mas a Bandai tem os poderes de logística e marketing. São muito bons em desenvolver produtos fofinhos. A combinação do low-tech e do high-tech é ótima".

O negócio correu sob sigilo, lentamente, desde 1994. Então, ambas iam bem das pernas na América. A Sega vivia o sonho com seu 16-bit, e a Bandai vendia bonecos dos Power Rangers até dizer chega. Havia ambição enorme, de talvez rivalizar com a própria Disney usando os quase incontáveis personagens que ambas tinham direitos em parques e produtos.

Mas o Saturn falhara. A Bandai vinha de decepções nos videogames; o Playdia fora um fiasco, e o Pippin, misto de console e PC em parceria com a Apple, desastre ainda maior. Os Power Rangers não davam mais o lucro maravilhoso de antes.

A fusão estaria finalizada em outubro, num negócio de 129 bilhões de ienes (cerca de 1 bilhão de dólares). Isao Okawa, chairman da Sega e chefe do conselho da CSK Corporation (empresa que detinha 20% da Sega), seria o chairman da Sega Bandai. Nakayama seria o CEO e vice-chairman, e Makoto Yamashina, presidente da Bandai, seria presidente da nova empresa.

O "bichinho virtual", ou Tamagotchi, foi uma das razões da Bandai ter pulado fora da fusão com a Sega. Pra que precisariam perder sua identidade num novo grupo, se acabavam de descobrir uma pequena fonte de dinheiro?

Mas o acordo, assinado em 22/05/1997, não foi concretizado. Apesar da crise, houve implacável resistência dentro da Bandai contra o que chamavam de "absorção". Supunham que a operação terminaria com muitas vagas fechadas. Outras causas apontadas foram o fracasso do Saturn, levando diretores da Bandai a questionar a capacidade de Nakayama controlar o novo grupo. Além disso, tinham o sucesso recente do Tamagotchi, que tapava um pouco dos prejuízos da Bandai sem ter que recorrer à Sega.

As partes foram à imprensa seis dias depois anunciar a falha na conclusão da operação. Yamashina, envergonhado pelo que chamou sua "falta de habilidade em unir as empresas", demitiu-se no mês seguinte.

Foi também a última cartada de Nakayama. No mês seguinte, revistas noticiavam que a Sega desistira do projeto de upgrade do Saturn. Enquanto preparava sua saída, concretizada em janeiro de 1998, ele ainda viu em agosto a Sony tomar a dianteira no Japão.

Fim do Saturn

Em setembro de 1997, a Sony tinha mais de 20 milhões de usuários. O público pedia conversões no PlayStation dos melhores títulos do Saturn japonês, como Grandia. Revistas davam espaço mínimo ao 32-bit da Sega.

Mesmo com o Katana anunciado, a Sega soltou uma última grande campanha no dia 30, visando o fim de ano. A leva de jogos não era das piores: Last Bronx, Manx TT, Sega Touring Car Championship, Enemy Zero, Fighters Megamix, Sonic R, Madden 97, NFL 97, Mega Man X4, Resident Evil, Street Fighter Collection, DOOM, Quake e Duke Nukem 3D.

Stolar investiu 25 milhões de dólares. Mas o resultado foi pífio, e nenhum dos games entrou sequer na lista dos 25 mais vendidos do ano. Ele não gostava, e como mais tarde reforçaria, "achava que o Saturn estava mais prejudicando que ajudando". Até a liderança no Japão estava perdida, e desenvolvedoras migravam em massa para o PlayStation, muitas em regime de exclusividade. Várias deixavam também a Nintendo.

As rivais dos 16-bit deixaram um monstro sair da caixa, e era tarde para tentar domá-lo. Stolar foi ao comando dizer o que já sabiam: era hora de seguir em frente. Encontrou quase completa receptividade japonesa. Mais tarde revelaria que, embora o Saturn tivesse bons jogos, não pretendia "mentir para o consumidor". E que nas negociações para juntar-se à Sega, um novo hardware estava na mesa:

Considerei o que Nakayama dizia por causa de seu amor pelo software. Falamos sobre construir uma nova plataforma de hardware em que eu estaria muito envolvido, moldando sua direção, e de contratar um novo time de pessoas para reestruturar a Sega. Aquilo pra mim era uma grande oportunidade.

Isao Okawa e Nicolas Hayek Jr, da Swatch, trocam seus produtos durante conferência em fevereiro de 2000. O Dreamcast foi seu último ato na Sega, e após o fracasso, o executivo deixou - a título de doação - 85 bilhões de ienes (US$692 mi) em ações para recuperar a Sega.

O principal nome do conselho de acionistas alinhado a Stolar foi Okawa. Milionário investidor e fundador da CSK (holder da Sega desde 1984), ele vinha acompanhando contrariado as decisões de Nakayama. "A questão é que a Sega era muito frouxa com o dinheiro", disse em entrevista de 2001. "Não importava o que eu dizia a Nakayama, ele me ignorava e falava 'Okawa-san, você não entende o negócio de games'. O que eu entendo é de negócios. Nakayama podia entender de games, mas não entendia de negócios".

Sem meios termos, descreveu as falhas que via na Sega, um quase amadorismo que só podia levar ao caos:

O gerenciamento empresarial da Sega me deixava totalmente perplexo. Uma das premissas básicas do negócio é você entregar o produto e receber dinheiro em troca. Infelizmente, nosso pessoal do gerenciamento não parecia saber dessa regra básica. É por isso que que a atitude deles vinha sendo tão apática, mesmo que a Sega estivesse acumulando débitos. Eles não tinham conceito de agendas de produção ou gerenciamento de produto em mente. Não pensavam nem nos balanços ou fluxo de caixa. Sabiam muito sobre games, mas não como gerenciar uma empresa.

Com o Dreamcast em duas frentes (americanos e japoneses trabalhavam de forma independente), o Saturn entrou na fase final. Stolar reforçaria depois sua visão do hardware como "um erro", mas no comando, ainda tinha que lidar com o erro. Yu Suzuki e a equipe AM2 fizeram o que seria um RPG baseado em Virtua Fighter, com o subtítulo Akira's Story. Virou nada menos que Shenmue.

O fluxo de jogos, que nunca foi generoso, diminuiu sensivelmente na América. Até 1998, houve alguns bons como The House of Dead, Shining Force III, Panzer Dragoon Saga, NBA Action '98 e Fifa. Mas diversos cancelados, como o próprio Shenmue, Vectorman, Toe Jam & Earl, Sonic X-Treme, Sonic the Fighters, Tomb Raider II, Diablo, Grand Theft Auto (então chamado Race'n Chase), etc. O Dreamcast herdou a maioria.

Outro caso emblemático foi o de Resident Evil 2, lançado em janeiro de 1998 para o PlayStation. Com 80% pronto, o produtor Shinji Mikami estava insatisfeito com o resultado, e ordenou um reboot. Enredo e engine foram recriados, atrasando a entrega em quase um ano. A versão Saturn, confirmada por Stolar em janeiro de 97, jamais veio.

Para completar o fiasco, a nota oficial de Mikami dizia que "encontramos dificuldades em alcançar o mesmo nível de qualidade no Saturn que tivemos no PlayStation. Então decidimos mudar a plataforma para o Dreamcast, e desenvolver um novo jogo chamado Bio Hazard Code: Veronica para o sistema".

Imagens supostamente da versão Saturn de Resident Evil 2.

No vermelho em quase 360 milhões de dólares, o chairman Okawa promoveu mudanças nos primeiros meses de 1998. Okawa queria um CEO com perfil de homem de negócios, mas indicou Irimajiri — a quem via como homem de tecnologia — como "única opção disponível". O veterano Hideki Sato tornou-se o Chefe de Operações.

Em junho, Nakayama deixou a Sega em definitivo. O quadro diretivo foi reduzido de 25 para 15 membros, com alguns forçados a sair, outros assinando rescisões voluntariamente. Além dos quase 30% de demissões na Sega do Japão, os escritórios americano e europeu também encolheram. Divisões sofreram cortes ou foram extintas.

Ainda em janeiro, partiu do Japão a ordem de limpar estoques. Saturns foram esgotados na América a US$100, e jogos a US$10. Okawa disse a Stolar que se livrassem do "estoque inútil" o mais rápido possível, já que muitos consoles e jogos estavam guardados. "Disse ao nosso pessoal que se vão ficar estocando", lembrou Okawa, "também podem dar tudo". Lojas baixaram o preço ainda mais, para US$75, e jogos a meros US$5. Os melhores, como Virtua Fighter 2, NiGHTS, Panzer Dragoon e os de luta da Capcom sumiram em poucas horas, enquanto o "resto" encalhou por anos nas seções de descontos. A Sega perdeu muito dinheiro na operação limpeza; nem um centavo da queima de estoque entrou nos cofres, foi prejuízo puro.

No final, o Saturn vendia menos que o SNES na América. Em 11/03/1998, começaram a ser distribuídos kits de desenvolvimento do Dreamcast, e no dia 14, a Sega anunciou a descontinuação do Saturn. A Sega do Japão lidaria com 450 milhões de dólares de perdas só da subsidiária, entre seguros, software e eliminação de estoque.

No dia 24/03, Irimajiri promoveu Stolar à presidência da Sega americana; ele pavimentaria os caminhos para o Dreamcast. Stolar garantiu que RPGs seriam apoiados dessa vez, mas irredutível, Ireland manteve a posição de só trabalhar com a Sega quando Stolar saísse. Com isso, o Dreamcast foi ignorado pela Working Designs em favor do PlayStation 2. Ironia ou não, a empresa teve problemas de licenciamento com a Sony da América, e acabou falindo em 2005; de suas cinzas, nasceu a Gaijinworks.

Em 21/05, o Dreamcast foi revelado. Só mais quatro jogos foram lançados para Saturn depois disso: House of the Dead, Shining Force III, Burning Rangers, e o último foi o bastante atrasado Magic Knight Rayearth, em 02/09/1998. Desde maio, todos os projetos financiados pela Sega não tinham mais suporte, e só umas poucas softhouses completaram os que estavam na fase final.

Saturn pelo mundo

Europa

A primeira exibição pública do Saturn na Europa foi no European Computer Trade Show Spring 1995, em março. O lançamento, em 08/07, dois meses mais que na América, também antecipado de sua data original. Em alguns países como Alemanha e Espanha, ocorreu no dia anterior. O preço era exorbitante:

  • Reino Unido: 399 libras.
  • França: 3 mil francos.
  • Alemanha: 799 marcos (699 sem jogo).
  • Espanha: 79,900 pesetas (com Virtua Fighter).

Como na América, o adiantamento pegou muita gente de surpresa. O marketing foi bastante prejudicado, afetando as vendas. Quase todas as decisões seguiam o que acontecia no Reino Unido, e a Sega tentou manter um pouco mais de controle sobre vários mercados. Na geração 16-bit, cada país operava com relativa independência.

Cinco mil unidades foram vendidas no Reino Unido na primeira semana, e dez mil até a segunda. Com poucos consoles disponíveis, houve remanejamento de unidades; estima-se que havia apenas 30 mil para toda a Europa. Os consumidores procuraram e não encontraram o Saturn no início britânico. A versão continental vinha com cabo SCART, e se o consumidor precisasse do RF, compraria à parte. Não era exatamente problema, já que até 80% das TVs europeias tinham a interface SCART.

A chegada do PlayStation em 29/09 causou imediato impacto. Enquanto a Sony investia ₤20 milhões em anúncios, vendendo na proporção 3:1 no Reino Unido, a Sega só dispunha de 4 milhões. A Europa foi prioridade para a Sony, não um submercado, obtendo expansão quase imediata. Em dezembro de 1995, diziam ter vendido 35 mil consoles no Reino Unido, contra 25 mil da Sega. Os números totais eram de aproximadamente 130 x 80 mil a favor da Sony.

Até a metade de 1996, a diferença não mudou tanto. Em abril, segundo um revendedor britânico 4, Saturn e PlayStation vendiam na proporção 1:1. A Sega, com o Saturn a £249,99, acompanhou os cortes da concorrente, com ambas as máquinas custando £199,99 no segundo semestre. O preço caiu também em outros países (2,100F na França, 649DM na Alemanha, 39,900Pts na Espanha, 29,990$ em Portugal, etc). Mas no Natal, a Sony já passeava, vendendo quase cinco vezes mais.

Alguns revendedores logo depois deixaram de estocar o Saturn, e em 1997, o preço desabou para menos de cem libras. O último jogo lançado na Europa foi Deep Fear, em setembro de 1998. A Sega alega ter vendido 450 mil unidades só no Reino Unido até o final de 1997.

Próxima parte (final): Saturn no Brasil e Europa, opiniões, legado e galeria.

  1. Revista Games Master UK, ed. 47
  2. Sega Saturn Magazine UK, ed. 15
  3. Mean Machines Sega UK, ed. 52
  4. Revista Maximum UK nº 6
Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

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