Por que jovens que cresceram ouvindo as bandas favoritas nos bolachões torceram o nariz para CDs no início dos anos 90? Só pelo do tal "som com mais graves", ou porque era o som da geração deles? Por que algumas pessoas jamais se adaptam às mudanças naturais que a evolução traz, ficando por vontade própria presas aos moldes "do seu tempo"?
De forma geral, essa foi a questão que a Nintendo se fez num dos momentos cruciais dos games e de sua própria história: a transição do 2D para 3D, em meados dos anos 90. Mais do que tirar os jogos de camadas e sprites móveis, para colocá-los em ambientes tridimensionais, era preciso revisar a jogabilidade, controles, toda a experiência do jogador — e nesse processo, convencer uma geração que cresceu com um ou dois botões de ação e um direcional, a evoluir junto com hardware e software.
Tal como a vovó, mãe ou irmãozinho caçula, que se davam bem com os controles simplificados do Atari 2600, mas jamais com dois ou três botões de ação, a cada geração uma parcela do público abandona o negócio. Suavizar o impacto é uma preocupação comum das desenvolvedoras, especialmente quando estão no topo; é aí que o dilema aumenta: inovar pouco pode afastar os "hardcores", e muita invenção afasta os casuais.
Como conciliar inovação com intuitividade, pra manter o equilíbrio entre grupos tão distintos?
Super Mario 64: a base
No início do desenvolvimento de Super Mario 64, o conceito era um caminho fixo, isométrico, algo similar ao feito em Super Mario RPG, do Super Nintendo, mas claro que com "umas coisinhas a mais". A equipe mais tarde enveredou pelo tridimensional livre que todos conheceram e se encantaram: o site Edge acredita que o SM64 colocou as expectativas acima do que o 3D podia oferecer àquela altura; a Nintendo Power disse que o game marcou a trilha para a era 3D e a Gamespot o listou entre os mais influentes da história. Tudo justo.
Embora com aprovação quase universal, Satoru Iwata acreditava que ele (ou melhor: não essencialmente o jogo, mas sua tecnologia) acabou dividindo os fãs: num lado, os da geração 2D que curtiam a série e não se adaptaram, e do outro, novatos e veteranos que absorveram melhor a novidade.
Em 2007, num dos episódios da série Iwata Asks, Satoru disse:
"Onze anos atrás, quando lançamos Super Mario 64, parecia ser a aurora de uma nova era. Mas ao mesmo tempo, o game criou um grupo de pessoas que sentiam que os games em 3D eram algo distante, como se não fossem feitos pra eles. Mas por outro lado, aumentou nossa demanda por criar excelentes games de Mario que pudessem surpreender o mundo".
Avançando no tempo chegamos a 2011, quando a opinião de Iwata continuava a mesma:
"Super Mario 64 foi um game aclamado. Mas ao mesmo tempo, criou um grupo de jogadores que sentiam que games 3D eram muito difíceis para eles", disse. Na mesma entrevista, explicou um pouco sobre a dificuldade dos jogadores num ambiente aberto: "Andar livremente por aí traz muita liberdade, mas também o problema de não saber aonde ir e se perder. Num game 2D de Super Mario, você só tem que seguir sempre à direita até o poste final que estará lá; você não tem que se preocupar se está seguindo na direção certa".
Embora revolucionário, a Nintendo não se iludiu achando que Super Mario 64 era a síntese da perfeição, ou mesmo o modelo ideal 3D; era só o começo de uma caminhada, com muita coisa a ser aprendida e reaplicada.
Numa entrevista de 2008, Eiji Aonuma (designer e produtor na fase 3D da série Zelda) lembrou que um problema de Super Mario 64 inspirou a criação da famosa mecânica do "Z-targeting" — a mira com o botão Z que fixa o alvo como ponto de referência para movimento do personagem, como uma âncora, implantada com sucesso em The Legend of Zelda: Ocarina of Time.
Super Mario Sunshine
Em 2003, Shigeru Miyamoto concedeu entrevista sobre Super Mario Sunshine, sequência de Super Mario 64. Uma das metas era melhorar o sistema de câmeras, dando aos jogadores mais controle.
Miyamoto foi perguntado por que Mario Sunshine não vendeu bem, e ele avaliou que criar sequências mais profundas e complexas de Mario diminui a audiência da série. "Super Mario Sunshine é uma sequência autêntica para Super Mario 64. Me arrependo um pouco disso — não pela qualidade de SMS, mas porque este game pode não atrair jogadores que estão voltando depois de um tempo", disse Miyamoto, reforçando a ideia de que quanto mais elaborado / complexo, mais reduzido o público:
Anos depois, Yoshiaki Koizumi (designer da Nintendo) também falou sobre as questões envolvendo o controle de câmera em Super Mario Sunshine. Sua visão era a mesma de Miyamoto, chamando atenção a outro tópico: o enjoo de movimento que câmeras 3D podem causar:
Iwata completou: "Além das que sofrem de enjoo de movimento em games com ação em 3D, há algumas outras que se perdem no campo de jogo porque não conseguem descobrir para onde ir a seguir. E há um bom número de pessoas que sentem que games 3D não são pra elas".
O rico sistema de câmera de Mario Sunshine foi criticado negativamente por parte da imprensa, o que fez a Nintendo repensá-lo, para torná-lo mais fácil. Talvez fosse hora de buscar apoio num velho tipo de jogador: os que se sentiam seguros com a simplicidade do passado recente. Menos complicação, mais intuição, mais recompensa.
Segundo matéria da CNN em 2003, "Miyamoto concorda com as críticas sobre o game ser muito difícil. E numa decisão que pode enfurecer os jogadores hardcore, a palavra de ordem é fazer games menos desafiadores. "Estamos tentando voltar atrás e nos certificar de não alienar jogadores com a tecnologia", disse George Harrison, vice-presidente sênior de marketing."
Retorno às origens
Jogador insatisfeito = perda de :grana: e no ocaso do GameCube, Iwata teria culpado a queda nas vendas de jogos ao rumo que as produções da casa estavam tomando: a complexidade era difícil demais para atrair jogadores novos e casuais, e por consequência, ruim para o negócio. Com um grande desafio, o jogador poderia passar meses "preso" sem comprar outros títulos, e dependendo do quão intensa fosse essa dificuldade, até ficar tão descontente que não se sentiria inclinado a comprar mais nada.
"A mensagem da Nintendo para a indústria parece ser: esqueça os discos abarrotados de níveis cada vez mais complexos e envolventes, e dê aos jogadores algo que possam completar rapidamente — para ir logo comprar outra coisa. Iwata quer games com um apelo mais amplo", completou o artigo da CNN.
De volta a prancheta, pensando em reconquistar quem se afastou da vastidão de Mario 64 ou das câmeras de Mario Sunshine, a Nintendo trabalhou numa jogabilidade enriquecida, e ao mesmo tempo mais simples, acessível: algo como uma real evolução do que faziam no SNES.
Nada mais apropriado do que o universalmente aceito controle do Wii. Em Super Mario Galaxy, muitos mundos foram desenhados para manter certa linearidade, contornando lugares e obstáculos. O programador Koichi Hayashida explicou que "embora seja um game 3D, nunca é difícil para o jogador entender aonde deve ir a seguir. Acho que a forma que o jogador se sente ao ir de um planeta a outro é similar aos mundos de um game 2D de Mario".
Não por acaso, Galaxy receberia críticas mais positivas desde a fase 2D de Mario, incluindo "3º Maior Game da História da Nintendo" pela Nintendo Power, e praticamente todas as premiações de "Jogo do Ano" quando lançado.
Conclusão
Essa luta (talvez perdida) por unir públicos de gerações diferentes já teve seus princípios reconsiderados lá dentro. Menos de um ano atrás, o mesmo Miyamoto que considerava vital o casual, adotava um tom até meio agressivo contra quem não experimenta algo novo e só se diverte com as mesmas fórmulas repetidas à exaustão.
Falando a Edge sobre diferenças entre os "hardcore" que jogam nos modos multiplayer, e os casuais, ele foi direto:
Seria só uma mudança de rumo forçada pelos anos no vermelho ou a Nintendo realmente quer amadurecer? A última tentativa de guinada nesse rumo (com Super Mario Sunshine) não foi tão bem aceita e tiveram que voltar com o rabo entre as pernas para resgatar os fãs "tradicionais" com Galaxy — pra depois mergulhar no dinheiro dos casuais com o Wiimote. É como uma relação de dependência quase doentia.
Seja qual for o futuro da Nintendo, é difícil imaginar que em grandes saltos como 2D→3D seja possível agradar a maioria. Sempre existirão choques de geração, independente de quanto melhor seja a tecnologia do amanhã, porque além da experiência adquirida, a nostalgia tem um peso importante. É o mesmo sentimento que faz alguém preferir o som de um cassete abafado do que o FLAC no pendrive, ou o carro antigo, beberrão e desconfortável do que um moderno, confortável e econômico. Se a geração seguinte muda muito, parece irreal manter a mesma base de jogadores sem ficar preso em estilo. Ou anda-se pra frente, levando quem quiser seguir junto (e ganhando mais seguidores no caminho), ou se reduz a passada para manter os antigos.
Como sugerem patentes recentes relacionadas ao NX, próximo videogame da Big N, o hardware vai andar: talvez não tenha drive de disco e o controle terá algo como um scroller nos dedos indicadores, nas velhas posições L e R. Parece que outro choque de geração está a caminho.