Sete dos retrogames mais importantes da década

Muito tempo atrás, alguém achou que era boa ideia criar jogos na tela de osciloscópios e depois monitores de computador. Parecia o cúmulo da tecnologia, coisa dos Jetsons; nos fazia sonhar com cenas típicas de Tron ou comerciais da Atari — humanos em universos simulados, usando roupas estranhas e óculos hi-tech, numa vida alternativa futurista.

Videogames como Pong! eram ótimos, mas estavam longe de oferecer tal sensação. Não satisfeitos, evoluímos o 2D até dizer chega, e assim que possível, saltamos para a quinta geração de consoles com seus gráficos 3D. E de novo não paramos, até o realismo impressionante da nona geração. E não vamos parar: a realidade virtual veio pra ficar.

Mas não temos que olhar só pra frente.  O que ontem era o cúmulo da tecnologia, hoje é retrô, termo que soa bobo mas abraça tudo na estética de determinado período. É quase impossível ver um jogo 2D de plataforma e não associar à primeira metade dos anos 90. Ou ver um beat 'em up e não pensar no fim dos anos 80, começo dos 90. São épocas com um estilo próprio, e felizmente há gente disposta a revisitá-las.

Por saudosismo ou gosto, o old school conquistou um nicho no mercado. Primeiro com emuladores — vilões na visão das desenvolvedoras, mas depois eles mesmos oferecendo emulação de seus clássicos e roubando contratando as melhores cabeças da área. Ao mesmo tempo, jogos antigos foram traduzidos, reprogramados ou criados do zero, trazendo uma experiência clássica de volta.

Muita coisa boa fez barulho desde 2010 com um pé (ou os dois) no passado. Relembremos alguns desses jogos.

Pier Solar and the Great Architects

Lançamento: 2010

Dreamcast Pier Solar
Depois do Mega Drive, Pier Solar ganhou várias versões como essa em outro console antigo: o Dreamcast. Foi um dos retrogames mais comentados da década.

Provavelmente nada foi mais ousado do que Pier Solar na década em termo de retrogames. Quem ousaria fazer um RPG novo num hardware de quase 25 anos? Só mesmo fãs para levar algo assim adiante, e o projeto incrivelmente saiu do papel em 2010.

Nascido como uma discussão do fórum Tavern do finado site Eidolon's Inn, como Tavern RPG, passou por muita coisa até virar o jogo distribuído num cart de 64 megabit — o maior já lançado para o Mega Drive até então. Além disso, foi o primeiro (e até hoje único) do console a usar o Sega CD como base de expansão de som, com um disco de trilha sonora melhorada para o cartucho.

A produtora Watermelon prometeu mais games, que não vieram até o momento. Paprium seria um beat'em up nos moldes de Streets of Rage 2, cheio de recursos e num cartuchão de 80 mega, mas após vários atrasos tem status incerto. Nada que manche o papel de Pier Solar na década.

Sonic Mania

Lançamento: 2017

Sonic Mania
Após vários jogos não tão felizes, Sonic voltou à velha forma na melhor maneira possível em Sonic Mania.

Famoso caso de algo que nasce na comunidade, e uma vez abraçado por quem detém as marcas (em vez de meter o pé tipo certas empresas...), vira algo maior. O australiano Christian Whitehead vinha desde 2006 trabalhando em jogos independentes com Sonic. O que, claro, não tinha como virar nada muito grande, já que estava mexendo com propriedades da Sega. Em 2009, ele exibiu um vídeo de seu projeto conceitual de remake de Sonic CD para iPhone, que usava sua própria engine, a Star Engine.

Aconteceu o quê? Levou processo? Ao contrário, acabou "capturado" pela Sega. O port saiu oficialmente em 2011, e nos anos seguintes a parceria continuou, com ele cuidando de todos os remakes de clássicos para celulares. O melhor estava por vir, num jogo 100% original com um Sonic — não esse esguio 3D e de olhos verdes, mas aquele redondinho e pixelado, como nos velhos tempos. Sonic Mania teve aprovação quase total de público e mídia, numa verdadeira viagem nostálgica às raízes da série.

Shenmue III

Lançamento: 2019

shenmue iii
Shenmue III foi feito do jeito que Yu Suzuki quis, e não como os padrões da indústria moderna "exigem".

Diga o que quiser: Shenmue III pode ser um lançamento em 2019, mas já nasceu retrô. É um retrogame porque cada parte, cada mecânica e detalhe o põe esteticamente como sucessor de Shenmue II, poucos anos à frente numa linha do tempo imaginária de design. Não fosse pelos gráficos, passaria como um produto de 2003, no máximo. Nada de padrões modernos foi enfiado nele; ele não segue propostas de outras séries (muitas influenciadas pelo próprio Shenmue, por sinal), com exceções que não interferem na jogabilidade. E claro, não transformam o que seu criador chama de "experiência única Shenmue" em outra coisa, para o bem ou mal.

Ao contrário, jogar Shenmue III é como voltar a um lugar do passado e ver a evolução pelos olhos de Yu Suzuki, segundo seu ritmo, alheio aos arredores. E mais importante: ver Ryo livre daquela caverna quase vinte anos, seguindo sua jornada, não tem preço.

Stardew Valley

Lançamento: 2016

stardew valley
Juntando o melhor da série Harvest Moon com outras influências, Stardew Valley convenceu o público em 2016.

Criado pelo "exército de um homem só" Eric Barone, Valley surgiu como um dos games com foco em retrô mais bem aceitos da década. Lançado na Steam em 2016, o simulador de fazenda teve forte inspiração no clássico Harvest Moon, mas com elementos próprios. Resultado? Até o fim de 2017, já tinha vendido mais de três milhões e meio de unidades entre várias plataformas.

Por que "exército de um homem só"? Até certo ponto do projeto, Barone — formado em Ciência da Computação mas não necessariamente em game design — fez literalmente tudo, dos sprites à programação, passando por composição da trilha sonora e o material adicional. Só quando a publicadora Chucklefish entrou em cena ele pôde se concentrar exclusivamente no design.

Star Fox 2

Lançamento: 2017

star fox 2
Star Fox 2 estava quase pronto, mas com a chegada do Nintendo 64 próxima, acabou atrasado em 23 anos

Antes tarde do que mais tarde, diria Chapolin. Assim foi com Star Fox 2, a esperadíssima — nos anos 90 — sequência do rail shooter poligonal que deu uma agitada na guerra dos 16-bit. E que apesar de praticamente pronta naquela época, quase não veio ao mundo exceto pela distribuição da ROM, o que aconteceu em algum ponto dos anos 2000.

Eis que vem o SNES Classic Edition, vulgo SNES mini, e a Nintendo resolve tirar o coelho (e a raposa, o sapo) da cartola, enfim com seu lançamento "de verdade". Não que o mundo estivesse perdendo grande coisa: exceto pela mecânica de escolhas em tempo real, não acrescentou nada à série que sucessores já não tivessem feito. Star Fox 2 perdeu o bonde do tempo e ao surgir, não tinha mais qualquer relevância.

Ainda assim, e de novo: antes tarde do que mais tarde para dar a certos títulos o lugar que merecem. No caso, um lugar na história e nas mãos do colecionador fã da Nintendo. Mesmo como cartucho não-autorizado, já que habita só na memória do SNES Classic.

Super Meat Boy

super meat boy
Jogabilidade simples de dificuldade feroz: receita mais retrô, impossível. E funcionou.

Lançado em 2010, Super Meat Boy foi a sequência de um jogo indie em Flash dois anos mais velho, naturalmente chamado Meat Boy. O que parecia uma bizarrice sem fim, que jamais faria barulho no grande cenário, se revelou num dos sucessos retrô da década.

Com plataformas em 2D, lembra a dificuldade de nomes clássicos como Ghosts and Goblins, mas ainda mais acentuada. Nível infernal (sem duplo sentido com a trama). A dificuldade em fazer o cubo de carne passar pelas armadilhas é o mote real do game, remetendo a jogos espinhosos da terceira geração.

Talvez pelo apelo do desafio, o enredo insano e a sanguinolência cômica, Super Meat Boy vendeu mais de um milhão de cópias até 2012, universalmente aclamado pela mídia.

Cuphead

Em 2017, o run 'n gun Cuphead foi aclamado pela qualidade artística e o gameplay desafiador.

Um run and gun de tirar o fôlego dentro de uma animação dos anos 30. De onde tiraram uma ideia dessas? Os irmãos canadenses Chad e Jared Moldenhauer — que não viveram tal época — encontraram por acidente a inspiração ainda moleques, vendo fitas cassete que a família recebeu de alguém.

A primeira tentativa de game com o estilo foi em 2000, mas não tinham ferramentas adequadas e a ideia foi engavetada. Motivados pelo sucesso de outro game dessa lista, Super Meat Boy, resolveram tentar de novo "mantendo tudo como se alguém estivesse fazendo um game nos anos 30", explicou Chad. A inspiração da jogabilidade não foi tão longe: centrada nos games da terceira e quarta gerações, principalmente.

Segundo a desenvolvedora, apesar de ter uma história e da estética atraente (repare nos cenários de fundo em estilo aquarela), "Cuphead é um retrogame em sua essência, o que significa que se baseia muito mais na jogabilidade e não tanto na história".

Menções honrosas

Vários projetos com DNA retrô são dignos de nota na década.

  • Novos games para o Neo Geo, como Kraut Buster e os da NG:DEV (Gunlord).
  • O Mega Drive teve relançamentos como Legend of Wukong e Water Margin.
  • Chrono Trigger teve uma continuação independente que, para fãs, era a realização de um sonho: Crimson Echoes apareceu em meados de 2004, mas só tomou um cease and desist and 2009, sendo distribuído pouco depois. Flames of Eternity foi a tentativa de manter o sonho vivo, mas até hoje está em desenvolvimento (apesar de algo rodando por aí).

Quase todas as engines atuais servem para criar jogos em estilo retrô, fora as específicas ou amigáveis para iniciantes como RPG Maker e GameMaker. Para alívios dos amantes de pixel art, 2D e chiptune, muita coisa deve vir nos próximos anos. O retrogaming é cada vez mais uma subcultura dos games, e deve continuar firme e forte.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

3 COMENTÁRIOS

  1. Star fox 2 era o mais esperado na época...lembro das fotos da Super game power da época, eu tinha aquela edição!!!! Não mudou muita coisa da versão beta que tinha disponível na rede!!!! bons tempos!!!! valeu

  2. Poderia ter figurado nesta lista o game Horizon Chase, o qual é praticamente uma sequência espiritual e moderna de Top Gear

Deixe seu comentário

Digite seu comentário!
Digite seu nome aqui

Mais recentes

Análises