A primeira ninguém esquece: revista Supergame

Como diz o ditado, a primeira a gente nunca esquece. Calma lá, não vá pensando bobagem pois isso se aplica a muitas coisas na vida. Por exemplo: a primeira revista. Aposto que você lembra a sua.

A primeira revista de games com a qual tive contato nos velhos tempos de gamer de fato (hoje jogo casualmente), aquela que me acompanharia por muitos anos depois e que hoje, quase dez anos após a extinção, nada mais é do que uma velha lembrança, foi a Supergame, publicada pela Nova Cultural.

No longínquo 1991, eu estava na 7ª série do ensino fundamental e jogava Atari 2600 (na verdade clone do 2600, o — por coincidência — Supergame, da CCE), e só tinha ouvido falar de outros consoles através de colegas de escola. O pessoal da rua também estava na geração Atari, então só na escola mesmo eu fiquei sabendo sobre um tal de Master System, que tinha um jogo incrível chamado Phantasy Star, ou sobre o Mega Drive, algo que beirava o inimaginável pra mim.

Capa da Supergame nº4Meus amigos eram todos "seguistas", então eu mal sabia o que era Nintendo. A curiosidade sobre máquinas da Sega crescia; quanto mais os amigos instigavam, mais eu queria conhecer, e eles levavam e traziam informações obtidas com outros amigos, colegas de classe, etc. A escola ensinava mais do que português e matemática, era também o grande centro de informação de games, que corriam como fofoca. Claro que tudo com um atraso absurdo em relação ao exterior: enquanto mercado americano quebrava em 83, o Brasil mal começava sua febre dos clones de 2600. Quanto a Supergame foi lançada, o NES já era um monstro na América. O povo que nasceu com internet mal sabe das dificuldades desse tempo...

Pois bem, a Supergame veio a mim totalmente ao acaso. Poucos dias antes, eu tinha visto uma Ação Games com alguns desses amigos da escola. Achei incrível, especialmente porque publicavam jogos de Atari 2600, mesmo estando no fim de sua vida útil (mais morto que vivo, mas eu ainda e jogava). E comecei a alimentar o desejo de comprar algumas revistas também e entender melhor como aquele mundo novo funcionava.

Pra um pirralho estudante de 12 para 13 anos, ter dinheiro para comprar alguma coisa passa por um "pequeno" detalhe: as contas bancárias de pai-mãe, e não tinha coragem de ficar azucrinando meu pai com isso: ele já havia gasto recentemente, comprando joysticks e games de 2600. Mas acabei pedindo. Ele não quis comprar de cara, achou que era coisa de momento e eu logo esqueceria, mas nos dias seguintes voltou atrás; ele sempre fazia minhas vontades, dentro de nossas restritas possibilidades.

Grudei na revista de tal forma que a levava pra todo canto: casa, escola, banheiro, não importa aonde, ficava namorando as imagens e sonhando em comprar um aparelho mais moderno. A Supergame tinha um visual "adolescente", com cores fortes, sem ser infantil, talvez tentando seguir a linha Sega, única empresa tratada no conteúdo. Era a edição 4 ("droga, perdi as três primeiras"), e trazia na capa um clássico que eu jogava no arcade: Pit Fighter, mas do Mega Drive.

Editorial da revista Supergame 4
Logo no começo da revista, o Chefe em sua primeira versão. Depois, ganharia um visual meio punk, com cabelo espetado pink

Para uma ponta de tristeza, não havia sequer uma linha sobre meu 2600, mas àquela altura já não importava muito: eu estava apaixonado pelo 8-bit da Sega, fortemente influenciado pelos amigos que jogavam Phantasy Star e viviam falando dos incríveis labirintos 3D.

Logo nas primeiras páginas, o editorial e a seção de cartas, com uma das características da revista que mais marcaram: a presença dO Chefe, personagem baseado no editor-chefe da época, Matthew Shirts; era um chefe linha-dura, sempre chicoteando os editores em busca de mais matérias enquanto curtia os games e as mulheres. A identidade real do Chefe era secreta, e muito se especulava sobre quem seria. Só em um campeonato de games organizado pela revista em 1992, chamado de "Super Olimpíadas de Games 1992" teve-se certeza de quem era.

As cartas eram respondidas pelo próprio Chefe ou redatores (pelo menos na brincadeira era assim). Em algumas seções, o layout era esquisito, com terríveis escolhas de cores de fonte, como a seção Canto da Cobra com um desenho forte ao fundo, e letras claras por cima; outras páginas tinham fundo verde com letras em vermelho. Mas ter uma revista de games nacional em mãos era grande negócio para a criançada que não entendia bulhufas do inglês das GamePro da vida, que aliás eram caríssimas no tempo dos Cr$ e Cz$.

Na seção de dicas, pela primeira vez uma tela de Castle of Illusion do Master System (jogo que eu teria meses depois), e Shadow Dancer do Mega. Lembro que fiquei bastante impressionado com a imagem da Estátua da Liberdade. "Gráficos incríveis" padrão anos 90;

Seção de dicas da Supergame 4

Havia também uma inesquecível propaganda de Phantasy Star, de página dupla, com uma grande ilustração de Lassic. "Este jogo tem três meses de duração"? Como podia ser isso? Foi naquela revista ainda que vi pela primeira vez consoles como Neo-Geo e SNES (na verdade, um Super Famicon) em propagandas.

Entre outras gracinhas havia a HQ de Billie Joy e Seus Sticks na Vídeo Dimensão. Era uma história em quadrinhos bizarra, sobre um cidadão mascarado metido a conquistador e seu parceiro Big Bró, na luta contra o vilão Dr. Shimega Baitz, com direito a aranha de estimação e Hadaly, uma androide loira boazuda de roupa vermelha.

Wander Taffo falando de games na Supergame
Wander Taffo falou de seus gostos em games

Entre as matérias de destaque: Pit Fighter, Alien Storm e Batman (Mega Drive), e Sonic, prometido para Master System em breve. Matérias sobre o joystick Chimeras, dicas do Hotline (serviço telefônico da Tec Toy que dava dicas sobre games), classificados e uma entrevista com o saudoso Wander Taffo, apresentando seu gosto pelo Mega Drive, fechavam a revista.

Minha primeira de muitas Supergames, que dois anos depois seria fundida com a Gamepower, transformando-se em SuperGamePower, que por sua vez duraria muitos anos ainda (encerrada em definitivo em maio de 2005), até ser devorada pelo nosso amigo Monstro da Internet.

E tinha também um brinde, um jogo de montar em borracha que se transformava em cubo ou peça plana.

Veja um preview com mais algumas páginas:

[documento id="0B2zAx6uxH6QCejhZUzBWTkpIcUU"]

Você encontra essa e outras relíquias no Data Cassete, em formato PDF, preservando a história dos games no país.

Atualização 07/13: devo ter sido a última pessoa na Terra a saber, mas o UOL fez uma entrevista sensacional com a nata que formou a Supergame e depois a SGP, incluindo o Chefe (Matthew Shirts), Baby Betinho (Roberto Carnicelli), Akira (Akira Suzuki) e o redator Fábio Pancheri. Até a identidade real da Marjorie Bros é revelada...

Detalhe cômico para o trecho em que o Akira revela a tática de passar informações falsas para equipes das outras revistas. Assista aí se ainda não viu.

https://www.youtube.com/watch?v=uUwO5jvQULM

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

4 COMENTÁRIOS

  1. Bons tempos da revista Super game!!!! A minha primeira revista foi mesmo a Video game,,aquela edição com o Super mario world na Capa, bons tempos!!!! Lembro que a edição que destacou muito em minha vida foi a ediçãoi do kid Chameleon na capa...tive essa revista, naquele tempo comprava revista, vendia e emprestava e...muitas não sei o que aconteceu, mas tinha uns caras lá que nunca devolveram as revistas, lembro!!!!
    rock, video game e bons filmes tem tudo haver...é uma boa mescla em termos de hobby e passatempo...mas muitas vezes acaba virando e fazendo parte da sua vida...igual a ter que tomar café todos os dias para encarar um bom dia de trabalho...é uma vitamina e tanto!!!!!

  2. Eu ainda tenho essa revista!

    Na época a sensação era realmente essa, a gente ficava maravilhado com as fotos. E até ler esse post eu não sabia quem era de fato "O Chefe". O cara foi importante, foi editor da National Geographic também.

    E essa seção "Canto da Cobra" era bizarra mesmo - a começar pelo nome. Na edição seguinte a essa que você apresentou, a nº 5 com o Ayrton Senna na capa, a seção falava que a chegada do CD-ROM ia representar o fim da pirataria. Acertou em cheio, heim!?

    • kkkkk Canto da Cobra e Dr. Kissab eram os piores, davam cada bola fora de doer... E esse negócio do Chefe eu "descobri" por dedução, já que ele era o editor chefe, e numa edição que não me lembro qual, havia um desenho do Chefe feito pelos mesmo ilustradores do Billie Joy que é parecidíssimo com o Matthew Shirts. Só fui confirmar muitos anos depois já com ajuda da internet.

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