Miyamoto e equipe falam do desenvolvimento de Super Mario 64, em 1996

Há mais de 20 anos, Super Mario 64 foi o título de lançamento do Nintendo 64. Apesar de não ter vencido a batalha da geração, o console marcou época com games seminais do 3D. O mundo explorável em todas as direções — inclusive embaixo d'água — ia além das expectativas, e virou um ícone, pioneiro em tendências que seguem até hoje. Como diria Dan Houser décadas mais tarde, "Todos que fazem games 3D e dizem não pegar um pouco de Mario 64, estão mentindo".

É verdade que não foi o PRIMEIRO game 3D. Longe disso. Mas foi nele que surgiram modelos. É como o caso de Santos Dumont x Irmãos Wright: na pior das hipóteses, havia ideias fervilhando, experimentadas ao mesmo tempo, e com resultados distintos que foram se fundindo. Crash Bandicoot foi produzido em paralelo e saiu apenas dois meses depois no PlayStation, com uma jogabilidade mais fechada, mas semelhanças (lembrando que foi desenvolvido para o controle mais tradicional do PSX, e não o "3D-adaptado" do 64). Tomb Raider, quatro meses mais jovem, começou a ser desenvolvido em 1993.

Enquanto não vier um inevitável novo salto de tecnologia em videogames, como realidade virtual ou aumentada, as tendências de SM64 seguirão como norte para os mais variados estilos de jogabilidade em ambiente tridimensional. O próprio Mario 64, como toda experiência inovadora, tinha muito a ser melhorado, servindo como "estudo" crucial para protagonistas ainda no Nintendo 64 como Zelda: Ocarina of Time e Majora's Mask, capítulos de Mario, Zelda e outros no GameCube, e jogos de outras empresas como o aclamado Banjo-Kazooie. "Super Mario 64 foi o ímpeto para a criação de Kingdom Hearts", disse Tetsuya Nomura.

De onde tiravam ideias quando não havia modelo a seguir? E que tipo de conceitos foram planejados, mas ficaram fora do jogo? É um pouco do que revela essa compilação de duas entrevistas da equipe de desenvolvimento de Super Mario 64, publicadas em japonês no guia oficial do jogador, em 1996.

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Equipe de desenvolvimento de Super Mario 64 em fotos da época. Acima: Shigeru Miyamoto, Takashi Tezuka, Hajime Yajima; abaixo: Yoshiaki Koizumi, Yasunari Nishida, Yoshinori Tanimoto.

Parte 1: Shigeru Miyamoto

Pergunta: Quando alguém está jogando Mario 64, todos assistindo ao redor ficam empolgados. Isso é diferente de jogos anteriores da Nintendo, nesse sentido, não?

Miyamoto: Pela primeira vez desde Donkey Kong, pensamos que para um game vender, ele precisa ser empolgante para quem assiste o jogador — que os faça dizer "ei, eu sou o próximo no controle!". Tentamos fazer isso com Mario 64.

P: Mas desta vez, as pessoas que assistem parecem ter muita diversão, como ao apontar e dizer coisas como "mova a câmera ali!".

M: Um tema eterno pra mim no game design tem sido deixar que jogadores criem sua própria visão. Não quero só entregar experiências prontas — vá lá, jogue esse estágio que fizemos, solucione esse puzzle; em vez disso, quero um game que permita ao jogador entrar com sua própria solução e estilo de jogo, e testá-las na hora. Acho que isso é o melhor na interatividade. Nesse sentido, fico feliz que os observadores também se envolvam na criatividade.

P: Não me lembro onde li, mas acho que você disse que a empolgação de alguém com o game não começa quando ele pega o controle, mas antes, quando está caminhando da escola pra casa e pensando no que vai fazer para vencer certa parte do jogo, etc.

M: Bem, mesmo que eu não tenha dito isso, imagino que seja verdade para o jogador, certo? Em Mario 64, em termos de gameplay, voltamos de propósito a um estilo e sentimento antigos. Nos games de Mario até hoje, fomos cuidadosamente modelando cada estágio e nível por pixel. Veja um salto, por exemplo. Implementar um salto em 3D é bem difícil. Nos jogos anteriores, conseguíamos medir o número de pixels que Mario podia saltar e sabíamos exatamente que era possível.

Dessa vez, tivemos que desenhar os níveis de um jeito que se você saltar "perto o bastante", consegue; é difícil para o jogador avaliar. Isso é uma escolha de mudança no design que fizemos no meio do desenvolvimento, quando o game já estava bastante avançado. Houve muita queixa dentro da equipe.

P: Parece que o salto se tornou mais intuitivo e menos quantitativo.

M: Exato. Mas essa é a diferença fundamental entre 2D e 3D. Ao mesmo tempo, é o que conta para que jogadores apreciem a dinâmica 3D num game. A essência do que faz um game 2D "divertido" é totalmente diferente.

P: Aliás, você tem referências ou qualquer coisa em que tenha se baseado ao criar os diferentes movimentos de Mario?

M: Tentamos usar coisas diferentes como captura de movimentos, mas por fim decidimos fazer tudo manualmente. Criamos um "esqueleto" de Mario que é a base de todos os movimentos.

arale dr slumpP: Qual o centro de gravidade? Pra mim parece ser o quadril...

M: Você tem uma boa visão! (rindo) A área ao redor do quadril é uma grande "junta" que controla o jeito que o corpo se move. Criamos todos os movimentos a partir daquele ponto de origem; quando ele acelera ou se inclina pra frente, quando vira ou se curva para um dos lados, etc. Então Mario corre tipo como Arale-chan¹, com o senso correto de peso corporal.

¹Arale é a personagem central da série de mangá Dr. Slump, primeiro de sucesso de Akira Toriyama. Wikipedia.

P: Mas há muitos movimentos irreais no repertório de Mario. Como o que faz no salto longo: é mais rápido que se ele estivesse correndo!

M: Com o 3D, pequenas "mentiras" podem passar despercebidas, então mentimos muito! Quero dizer, Mario é um carinha estranho que consegue fazer saltos 3 vezes maiores que sua altura... Então, quem vai notar isso? (risos)

P: O jeito que Mario move o rosto é realmente ótimo. Como a cena de abertura.

M: Aquilo veio de um protótipo de Mario Paint 3D (que ainda vamos lançar²). Skin animation, como é chamado, é algo básico do mundo da animação, mas achamos que esta é a primeira vez em que foi incluída num game.

² Mario Paint 3D, ou Mario Paint 64, foi lançado com exclusividade no Japão para o 64DD como Mario Artist: Paint Studio, em 1999.

P: É simples, mas divertido.

M: Desenvolvedores de jogos estão começando a ter grandes pretensões com 3D. No passado, as pessoas costumavam me perguntar "Fazer games é como fazer filmes, não?", e eu sempre dizia "Sim, mais ou menos. É um processo similar". Elas então perguntavam "E você não quer fazer filmes, então?". E eu sempre respondia que não, não queria fazer filmes, porque estamos fazendo games.

Mas recentemente, todos que fazem games parecem aspirar ser algum tipo de diretor de filmes! Parte de mim diz "Que diabos, vocês tem algum complexo de inferioridade em relação aos filmes?". Mas ao mesmo tempo, quando fazíamos as cenas de abertura de Mario 64, percebemos que aquilo era muito parecido com fazer um filme! Decidimos tentar fazê-la interativa, algo que você pudesse brincar, como o resto do próprio jogo. Como uma tela título, se as pessoas sentirem que ficou um pouco vazia, ou faltando algo, tudo que posso dizer é "desculpe!".

P: Percebi que Mario fala com um sotaque italiano no game...

M: Não há qualquer detalhe de história sobre isso, mas sim, considera-se que Mario é um ítalo-americano do Brooklin, Nova Iorque. Aquela voz foi feita por um ator profissional; ele fez a voz de Mario cinco ou seis anos atrás, num evento de games.

Aliás, Mario fala muito mais na versão americana de Mario 64. Ele diz "okie dokie!" e muito mais. Peach também fala. Tivemos mais tempo para a versão americana, então melhoramos o jogo.

P: Notei também que há bem menos variedade de inimigos do que em games anteriores de Mario...?

M: Não há qualquer razão em especial pra isso (risos). Normalmente incluímos cerca de 80 inimigos, mas dessa vez ficamos abaixo de 40. E muitos não são inimigos nem amigos, algo num meio-termo. Esse foi um dos nossos temas para o desenvolvimento, na verdade.

É meio como se não quiséssemos só atirar o jogador num mundo assustador, lançá-lo direto na aventura; ao contrário, quisemos fazer um game onde o jogador se sinta "uau, que lugar misterioso é esse em que estou?" Então muitos dos personagens parecem inimigos à primeira vista, mas na verdade não serão hostis. Os coelhos, pinguins, o homem de neve...

yoshism64P: Notei que Yoshi só aparece no fim do game, você teve planos de incluí-lo nos estágios iniciais?

M: Havia originalmente um evento com Yoshi. Mas ficamos satisfeitos com o que estava feito, então o tiramos. Como seria um desperdício não usar o modelo pronto, o incluímos no final.

P: E por falar nisso, o que aconteceu com Luigi?

M: Bem... Até fevereiro [de 1996] ele estava no game (rindo). Por fim, por questão de memória, tivemos que tirá-lo. Ele seria incluído num mini game estilo Mario Bros., mas como a maioria dos usuários provavelmente não teriam um segundo controle quando comprassem seus Nintendo 64, essa foi a razão (entre outras) pela qual decidimos tirá-lo.

Parte 2: time de desenvolvimento

Shigeru Miyamoto – Diretor / Produtor
Takashi Tezuka – Diretor Assistente
Yoshiaki Koizumi – Diretor Assistente
Hajime Yajima – Programador
Yasunari Nishida – Programador de Sistema
Yoshinori Tanimoto – Programador de Sistema

P: Como começou o projeto de Mario 64?

Miyamoto: Bem, no início trabalhávamos em algo bem simples — um simples enganador, considerando que a equipe o transformou num jogo gigantesco (risos). Havia uma única sala em blocos tipo Lego, e Mario e Luigi corriam ao redor dela, escorregando em declives, pulando, etc. Estávamos buscando pelos controles certos com o analógico, e ao sentir que estava suave, soubemos que era metade do caminho. Desde então, ao longo do caminho, percebemos que queríamos uma área um pouco mais extensa para que eles se movessem...

P: Não sei se "um pouco" é o termo certo aqui...

M: Bem, é sempre assim com todos os nossos desenvolvimentos (rindo). Para esse game, as coisas estavam especialmente vagas no início, porque o desenvolvemos em conjunto com o hardware do Nintendo 64, e não sabíamos exatamente o quanto poderoso ele seria. Isso porque, bem no começo, trabalhávamos num grande e poderoso computador, que simulava as especificações do hardware que deveria ser o N64³... Então bem, tínhamos as coisas num ponto onde controles eram bons e responsivos, e pensamos que aquela poderia ser a base de um jogo.

O problema é que tudo tinha sido feito num computador que custava dezenas de milhares de dólares. Ninguém acreditava que seria possível conseguir algo parecido numa maquininha de 250 dólares como o Nintendo 64 (risos). Mas quando o protótipo do N64 ficou pronto e nos foi entregue, vimos que ele lidava com movimentos e controles com quase perfeição. Foi quando percebemos que as coisas funcionariam, então rapidamente revisamos a folha de especificações para o game. Quando o time viu o quanto longo ela era, disseram que tínhamos mentido pra eles: ninguém disse que teriam que fazer um jogo tão grande! (risos)

É assim que fazemos games na Nintendo: obtemos primeiro uma base sólida, e então fazemos o máximo a partir daquele núcleo conceitual que nosso tempo e ambições permitirem.

³ a equipe trabalhava num poderoso sistema Onyx da SGI, com o subsistema gráfico RealityEngine2, simulando as especificações do Nintendo 64. Cada estação era avaliada entre 100 e 200 mil dólares.

P: E nesse caso, a base fundamental era o modelo que você tinha feito de Mario e Luigi correndo pela sala.

M: Sim, foi ao conseguir que Mario e Luigi corressem com o analógico 3D, e a possibilidade de alterar ângulos de câmera com o pressionar de um botão. Um de nossos grandes temas de desenvolvimento era permitir que jogadores movessem Mario pelo caminho como quisessem. Queríamos fazer um game onde apenas mover Mario fosse divertido.

P: As pessoas têm descrito Mario 64 como "animação interativa", e acho que o termo cabe perfeitamente. Mario é muito agradável de controlar.

M: Por isso acho que teria sido ótimo se pudéssemos tê-lo feito para dois jogadores, com Mario e Luigi. Mas se saísse algo errado, poderia ter virado um jogo de luta ou algo assim (rindo), então vamos deixar o desafio para a próxima vez.

P: Eu realmente gosto das nuances de movimento de Mario. Parece natural.

Miyamoto: Foi tudo feito por Nishida e Koizumi. Eu devia ter dito a eles pra fazer um salto mais legal, talvez (rindo). Quase tudo que dissemos a eles em termos de instrução foi criar o máximo de movimentos que pudessem.

Koizumi: Não achei que acabaria sendo TUDO aquilo (rindo).

Nishida: Koizumi criou os dados da animação, e eu fiz a programação. Eu os contei, foram 193 padrões de animação. E se você incluir as 50 ou mais animações criadas e rejeitadas, foram quase 250!

Koizumi: Claro, entramos com nossa parte ao adicionar animações. Por exemplo, vimos que Mario não tinha animação ao pressionar salto de uma posição agachado, então nos adiantamos e a incluímos por conta própria. Queríamos continuar adicionando mais e mais.

Miyamoto: Nosso pensamento era que conforme os jogadores ficassem bons no controle, tentariam mais e mais combinações de botão, e se não houvesse nada além do básico, ficariam desapontados. Então criamos movimentos para quase todas as combinações de botão — é claro, isso significa que há algumas inúteis também (rindo).

P: Houve algum padrão difícil de criar em especial?

Koizumi: Movimentos que não eram conectados a nenhuma meta de jogabilidade específica eram difíceis. É fácil desenhar saltos, já que Mario precisa deles para alcançar locais a certas distâncias, etc. Mas sua animação dormindo, por exemplo, não se conecta a nada no jogo, então é difícil criar a animação pra isso. As pessoas nos diziam "Ninguém dorme assim!".

Miyamoto: Mario sabe como tirar uma soneca, eles diziam (rindo).

P: Me acostumei muito rápido ao analógico 3D, ele me pareceu completamente natural no uso em Mario 64, mas acho que deve ter sido difícil chegar ao ponto certo?

Miyamoto: Foi um desafio enorme, com certeza. Agora que tiveram tempo pra jogar, as pessoas dizem que ele parece natural, mas quando exibimos Mario 64 numa exposição em novembro [de 1995], muitos diziam "Não sei, os controles parecem vagarosos e imprecisos..." Mas não desistimos fácil. Fomos adiante, sabendo que esse tipo de resposta era esperada se você está tentando mudar uma cultura. E enfim, enquanto dizíamos a nós mesmos "Andar por aí sem pressa pode ser divertido também!", eu tinha que admitir internamente que estava um pouco preocupado... Games normalmente tem um ritmo mais acelerado (rindo).

Por fim, queríamos mudar a cultura dos games, e esse foi o espírito quando fizemos Mario 64. E isso se refletiu nos controles, e no tempo que leva para acelerar.

P: Quando joguei aquela versão em novembro, se posso falar honestamente, minha primeira impressão é que eu gostaria de controles um pouco mais responsivos. Mas quando testei a versão final, a responsividade cabia perfeitamente no jogo.

Miyamoto: Fizemos ajustes em Mario, talvez? Não sei (rindo). De qualquer forma, Mario 64 requer muitos cálculos físicos. É um pouco exagerado para explicar meu ponto, mas quando Mario está se movendo como um carro, ou como um humano, ou como um avião, todos esses movimentos requerem um diferente cálculo de física. Seus vários saltos requerem cálculos também. Era muito chato.

P: Lembro de você citando Stunt Race FX, que envolvia muitos cálculos matemáticos relacionados a carros. Os movimentos de Mario também têm um sentido próprio de força centrífuga e atrito de desaceleração... Notei isso ao jogar, e lembrei de nossa conversa sobre Stunt Race.

Nishida: Não são "físicos" de verdade, claro, mas brincamos com eles um pouco. Gravidade, fricção, resistência... Isso tudo tem parâmetros ajustados, mas se você se basear nas verdadeiras leis da física, não seria um game muito bom. A flutuação do salto de Mario, por exemplo, funciona bem no jogo, mas um avião de verdade nunca conseguiria voar do mesmo modo.

Miyamoto: Sim, foi realmente difícil! Foi como se estivéssemos no ensino médio e aprendendo conceitos básicos de leis da física de novo e de novo — tipo "o que faz um corpo estar em repouso"? Nunca pensei que teria que estudar essas coisas outra vez, na minha idade (rindo). Mas também foi parte da diversão.

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A mecânica de saltos de Mario não era só útil, como também feita para incentivar os jogadores a praticar com o controle analógico do N64.

P: Falando sobre os movimentos de Mario na câmera, posso ver que trabalhar em 3D certamente teve desafios próprios. Quais eram os aspectos disso no game design?

Miyamoto: Bem, não acho que nosso processo de game design seja muito diferente do feito em nossos games 2D. Gastamos cerca de metade do tempo e energia desenhando o sistema básico de que falamos. Caminhos e inimigos, esses vieram, na verdade, bem perto do final. Foram feitos num esforço único, praticamente lançados juntos. O hardware era muito inteligente, então tivemos muita liberdade para criar tudo.

Yajima: O Nintendo 64 tem algo chamado Z-Buffer, e graças a isso pudemos desenhar o terreno e os visuais do jeito que queríamos. Ele nos deu, como designers, a chance de brincar com Mario num mundo-diorama, de um jeito muito livre. Pudemos fazer muitos testes, e então jogar Mario lá e ver como seria nos mover com ele por ali. Foi muito divertido.

P: Sei que é um pouco off-topic, mas poderia explicar como o Z-Buffer funciona?

Tanimoto: Para explicar de forma simples, quando usado na computação gráfica 3D, ele ajuda visualmente a distinguir primeiro plano e objetos de fundo. Se você tem Mario e um inimigo, e eles se movem a frente ou atrás um do outro, o z-buffer é o que faz o cálculo e os fazem aparecer nas distâncias corretas, sem flickering ou overlapping.

Miyamoto: Por exemplo, sem este hardware, se você tiver personagens A e B, só poderia calcular a posição do A de forma geral (não pixel por pixel). Então, quanto mais complexo ou sutil o posicionamento envolvido, você terá artefatos estranhos. Para evitar isso, os designers teriam que fazer pedidos específicos: não desenhe esse tipo de terreno, não deixe a câmera fazer aquilo, etc. São muitas restrições. O Nintendo 64 em geral não tem esses problemas — praticamente. Claro que não quero pessoas pensando que foi moleza, também (rindo).

P: Não, acho que todos veem que criar um enorme mundo 3D como aquele foi um desafio! Quando você criou os mapas dos níveis, fez um modelo / blueprint antes?

Miyamoto: Na verdade não, não mesmo. Havia algum tipo de arte conceitual em rascunhos, notas e memorandos. Por exemplo, eu podia falar com o diretor de cenários Yoichi Yamada sobre uma ideia de nível, então ele faria uns esboços rápidos. Yamada não é artista, mas desenha coisas estranhas (rindo). Então podíamos olhar e falar mais como "Uhn, deviamos ter um snowman aqui!", e aqueles elementos chave de nível seriam escritos. Yamada e outros designers de níveis então usavam isso para se basear ao desenhar níveis com nosso software de desenvolvimento.

P: Nossa, vocês conseguiam criar níveis complexos como aqueles com apenas algumas anotações?

Miyamoto: Era como esculpir um diorama do barro. Primeiro você cria um forma bem geral. Por exemplo, o estágio do Bob-omb, em nosso design geral inicial, teria um rio no meio do mapa, cruzado para chegar à área do chefe, no topo da colina que você contorna enquanto sobre. Mas ao colocar Mario no mapa e movê-lo por ali, notamos que o rio corria muito rápido e o arrastava embora (rindo), era muito difícil para os jogadores, então trocamos o rio por um vale desértico, como o Death Valley. Assim a forma continuava a mesma, mas gradualmente adicionamos mais e mais ideias, alterando o mapa enquanto prosseguíamos.

Tezuka: Às vezes ficávamos com o terreno estrutural e sem nenhum propósito, e aí era tipo: "Certo, vamos colocar uma casinha de cachorro aqui" (risos).

Miyamoto: Foi assim que fizemos, basicamente adicionando e complementando detalhes pouco a pouco. Pessoas continuavam fazendo anotações com coisas que queriam adicionar, mas... Só vendo as notas, eu tinha dúvidas se muitas das ideias funcionariam, mas quando criadas in-game, era tipo "Ok, agora entendi como funciona" (risos).

Mario 64 clay diorama, taken from an unofficial strategy guide (image courtesy of Nintendo Life). The development team, interestingly, didn’t use any such blueprint maps, but created everything as they went.
Diorama de barro de Mario 64, tirado de um guia não-oficial de estratégia. O time de desenvolvimento não usou qualquer blueprint ou mapas, criando as fases enquanto prosseguiam. Imagem: Clay-Zulah via Nintendo Life.

P: Que tipo de dúvidas?

Miyamoto: Por exemplo, quando alguém teve a ideia de uma corrida com Koopa, fiquei pensando como isso seria feito no game (rindo).

Tezuka: Tivemos uma versão inicial onde o curso era mais determinista e restritivo de onde você podia ir. Você basicamente tinha que correr montanha acima em linha reta. Mas aquilo não parecia mesmo com uma corrida, então mudamos para uma versão mais livre, onde você pode desviar das bolas conforme sobe.

Miyamoto: Nossa ideia original era uma corrida contra um coelho. Mas correr contra um coelho, que é tão rápido, seria mais difícil e estressante. Além disso, seria mais divertido fazer o jogador perder para um koopa (risos).

P: Abraçando pinguins, pegando coelhos... Adorei todos esses pequenos detalhes que vocês adicionaram e não estavam diretamente conectados ao game principal. Me deixou realmente feliz finalmente pegar o coelho — caminhei ao redor dele, tentando libertá-lo... Fiquei com ele por um tempinho.

Miyamoto: No início, Mario poderia jogar o coelho também (risos). Se tivéssemos mais um mês, poderíamos ter uma animação em que Mario atirava o coelho pelas orelhas... Mas estávamos no tempo limite. Eu queria fazer isso.

Tezuka: Eu queria ter mais macacos, também. Numa versão inicial do game, tínhamos eles em mais áreas, e você podia persegui-los.

Miyamoto: Se houvessem 3 deles juntos, eles provocariam Mario.

P: Que outras coisas vocês queriam adicionar, mas não puderam?

Koizumi: Eu queria mais moedas, brinquedos e coisas para Mario brincar como bolas, carros, etc. Realmente acho que poderíamos ter trabalhado mais isso.

Miyamoto: Chegamos a falar sobre incluir mais elementos frívolos como estes: rolar uma bola pelo caminho até o alto da montanha, ou usá-la para conectar um conduíte de gás, coisas assim. Acho que se você incluir uma bola num estágio, os jogadores naturalmente tentariam fazê-la rolar até o alto da colina, certo? Você pode nos dizer se isso soa meio chato (risos).

P: Não, gosto de fazer coisas assim. Com King Bob-omb, nossos editores tentaram ver o quanto longe podíamos fazê-lo rolar monte abaixo (risos).

Miyamoto: É o tipo de coisas que quero ver os jogadores fazendo! Coisas sem propósito assim. Verdade seja dita, fizemos algo em Mario 64 que não era nosso costume: testes com crianças. Tivemos uma fila de uns 10 alunos de ensino médio, e os colocamos pra jogar a fase do King Bob-omb por metade de um dia, enquanto as observávamos. Meu filho era um deles, na verdade...

Mas ao vê-los tentando dezenas de vezes, de novo e de novo, subir o monte impossível de escalar, como um pai não pude evitar de pensar "Caramba, essas crianças têm mesmo cérebro?" (risos). Depois perguntamos às crianças o que eles achavam do game, e eles disseram que era divertido e que queriam jogar de novo.

Até então, acho que havia a imagem de que games que não podem ser batidos não são divertidos ou um bom game, certo? É uma filosofia que seguimos na Nintendo também, mas percebi que se um game for divertido de jogar mesmo se você não estiver indo a lugar algum... Bem, então está tudo bem. Até aquele game, eu era muito cético sobre algo assim ser divertido.

P: De fato é divertido ficar vagando por aí fazendo nada em particular. Quando o joguei, no começo eu só ficava ao redor do castelo, nadando, pulando... Era realmente bom.

Miyamoto: Essa foi nossa grande aposta. Pensamos que metade das pessoas iriam direto para dentro do castelo, e a outra metade ficaria fora explorando os arredores, como você descreveu. Fizemos o game com a segunda metade dos jogadores em mente. Não estou dizendo que um jeito ou outro de jogar é o "certo", é claro.

P: E os outros? Algo que queriam ter incluído em Mario 64?

Yajima: Eu gostaria de ter feito terrenos que pudessem ser alterados, e que o game lembrasse disso. Por exemplo, se você destruísse um bloco em algum lugar, e voltasse àquela área, o bloco continuaria destruído. O N64 é capaz de fazer isso, e não acho que tenhamos chegado nem perto de explorar suas possibilidades, para ser honesto.

Tanimoto: Uma das coisas que programei foi um efeito de ondulação quando Mario acerta uma parede ou pula através da pintura. Esse é outro tipo de coisa que só foi feito graças à velocidade de processamento do Nintendo 64. Porém, como falamos antes, Mario 64 foi desenvolvido em paralelo com o o próprio hardware do N64, então havia muito potencial não explorado no console. Quando o conhecermos melhor, acho que faremos gráficos muito mais agradáveis, e muito mais será possível.

Miyamoto: É por isso que digo, e sem exagero, que usamos só uns 60% das capacidades do N64 nesse jogo. Não... Se você olhar bem no geral, talvez só uns 40%.

Tezuka: Há muita diversão nas possibilidades de gameplay. No meio do desenvolvimento, percebemos que poderia ser feito muito mais em termos de gameplay, e o time estava dizendo que queria se apressar para fazer uma sequência!

Miyamoto: Vamos fazer isso — mas com Zelda dessa vez (risos).

P: Agora que você mencionou, Mario 64 parece um pouco "Zeldizado" às vezes.

Miyamoto: Pra mim, Mario e Zelda existem lado a lado. Seus elementos básicos de jogabilidade são os mesmos, com apenas diferenças sendo os focos em ação, e o outro em resolver puzzles. Eles são sempre desenvolvidos ao mesmo tempo, com muitas boas ideias de Mario sendo aplicadas em Zelda, e vice-versa.

Na verdade, o sistema do castelo de Mario 64 nasceu como algo para Zelda, e agora que o usamos aqui, estou me perguntando o que faremos com Zelda (risos). De qualquer forma, estou ansioso pelo desenvolvimento do próximo game para o Nintendo 64.

Oh oh, melhor eu parar de falar sobre o que vamos fazer (risos).

P: Nós, jogadores, também estamos ansiosos pelo próximo jogo de vocês!

Miyamoto: Fico feliz de ouvir, isso é bom. Vamos lançar muitos jogos com coisas que nunca fizemos antes. Ainda temos dúvidas às vezes, como "Será que isso é divertido?", mas é exatamente por ser diferente que queremos testar! O N64 é esse tipo de hardware — ele torna isso possível. Por favor, aguardem por nosso próximo esforço!

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

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