Na 5ª geração, a Sega tentou repetir o sucesso anterior com um aparelho cheio de possibilidades. Mas errou no timing, na estratégia, e enquanto batia cabeça, a Sony agradeceu...

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Quando Nakayama determinou o futuro da Sega numa reunião em 1995, os subordinados, ao menos em maioria, concordavam. Pela visão local, parecia um passo óbvio. O Mega Drive nunca fora sucesso, mas sim o Genesis. O que colhiam era fruto das escolhas e ideias americanas.

Não tinha sentido perder tempo e dinheiro com algo jamais aceito na terra natal. Era um filho desprezado em seu solo, reconhecido ao cruzar o Pacífico. Japonês, mas um japonês criado na América. Na era dos jogos 3D, sonhavam ter a honra e orgulho merecidos na própria casa. Mesmo que significasse deixar para trás o recente passado de glórias do filho nipo-americano.

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Nos Estados Unidos, o Genesis era um titã. Enquanto o SNES tivesse lenha para queimar, havia campo para mais batalhas — que foram ferozes pelo controle do maior mercado mundial. A Sony se levantava, mas uma legião de fãs ansiava por novidades nos 16-bit. A quarta geração respirava por aparelhos e implorava por jogos.

Por isso o desastre quando Hayao Nakayama anunciou naquela reunião o fim do suporte ao Genesis e família. Foi um golpe na confiabilidade da Sega, já abalada perante um público antes fidelizado. Um golpe na confiança dos parceiros americanos, de mãos atadas com tanta ingerência.

Uma das primeiras imagens que o mundo viu do Saturn: protótipo final, divulgado em março de 1994.

Movidos pelo orgulho, jogaram o amado novo filho na arena sem armas, escudos, respeito. Praticamente decretavam o fracasso do Saturn, que ao contrário do planejado, não traria fortuna para a Sega. Pelo contrário.

Revolução 3D

virtua figther no arcade
Revolução: Virtua Fighter foi um divisor de águas no mundo dos games, tornando os gráficos 2D obsoletos, e influenciando no design dos hardwares.

A primeira metade dos anos 90 foi marcada pela batalha entre Sega e Nintendo. Sem perder tempo, as empresas lapidavam suas plataformas de próxima geração. A Nintendo foi cautelosa, optando por extrair o máximo do Super Nintendo enquanto não vinha o Project Reality, poderosa máquina 64-bit. Investiam em chips como o Super FX, base do aclamado Star Fox; além dele, houve uma série de coprocessadores, como os de Super Mario RPG, Yoshi's Island Mega Man X.

Já a Sega vivia num turbilhão. Tiveram o auge com o Mega Drive, o que foi ótimo, mas trouxe um novo patamar de responsabilidade. Conseguiriam se manter naquele alto nível? Ou teria sido o Genesis um one-hit wonder? O Sega CD fez algum barulho, pintou com cara de revolucionário, mas não convenceu. Àquela altura, todas as fichas estavam na próxima geração.

Em arcades era diferente. Após grandes placas 2D, desenvolvida desde 1990, a Model 1 veio em 1992. Era focada na nova trilha dos gráficos 3D. No fim da família anterior, a System 32 mostrara restrita capacidade poligonal, mas nada comparável. O primeiro game, Virtua Racing, banal para padrões modernos, impressionou com sua fluidez tridimensional. Pouco depois, Virtua Fighter se tornaria um dos produtos mais influentes da indústria.

Inquieta, a Sega buscou a evolução, lançando em agosto de 1993 a Model 2. Resultado de parceria entre Sega, GE Aerospace e Fujitsu, era melhor e mais barata que a antecessora. Mais importante, introduziu o mapeamento de textura. Polígonos "chatos" como nos Virtua agora podiam ser texturizados. Um passo crucial no visual de petardos como Daytona USA, Virtua Fighter 2 e Dead or Alive, entre tantos.

Mas e em casa?

No arcade, tudo lindo. Mas hardware capaz de tais maravilhas num console era financeiramente impraticável, pensava a Sega. O sucessor do Mega Drive, portanto, teria que ser uma máquina 32-bit, baseada em gráficos 2D. Seu nome não-oficial, usado principalmente na mídia, era Giga Drive.

Um fato novo, porém, alteraria a prometida segunda guerra entre Sega x Nintendo. Desprezada por ambas numa possível parceria, a Sony seguia resoluta em sua busca pelo setor de videogames. E chegaria metendo o pé na porta.

Desenvolvimento

Arabian Fight, da placa System 32: extrema manipulação de sprites era o objetivo inicial do Saturn.

A equipe incumbida de reduzir a System 32 — pequeno monstro 2D — a um produto de massa tinha 27 pessoas, entre engenheiros, designers e profissionais de marketing. Estavam sob comando do engenheiro Hideki Sato, chefe de design em todos os consoles da Sega. A meta era entregá-lo antes do Natal de 1994. Também davam como certo usar CD-ROMs, aproveitando a experiência recente com o Mega CD.

Fora isso, o rumo era um tanto livre. Sato explicou:

Enquanto o Saturn era desenhado, a indústria de videogames estava no meio da transição dos sprites para a computação gráfica. No mundo do arcade, você podia ver esse contraste entre as placas System 32, capazes de exibir até 300 mil sprites, e a Model 1, que corria Virtua Fighter e mostrava o futuro dos polígonos. Para não perder todos os recursos e conhecimentos que acumulamos nos anos anteriores, primeiro pensamos num Saturn baseado na System 32.

Em março de 1992, a Sega da América confirmou [note]Revista MegaTech UK 3[/note] a intenção de usar CD-ROM. A máquina abusaria de efeitos como rotação, zoom e escala, tal como em Arabian Fight e Spider-Man The Video Game, ambos da System 32.

Ao mesmo tempo, confabulavam sobre outras mídias a explorar. Ficar só com CD-ROM, ou incluir um slot para cartuchos? Tantas possibilidades... Além de ter a System 32 como base, e da JVC estar envolvida (provavelmente na produção da unidade de CD) pouco se sabia.

Mais pistas vieram no início de 1993, por Tom Kalinske, presidente do lado americano. Disse que o aparelho, já em fase avançada, seria um 32-bit retrocompatível com cartuchos do Mega Drive e discos do Sega CD.

Processadores 32-bit não eram novidade para a Sega. A System 32 ostentava um NEC V60, comercializado no Japão desde 1986. Mas o preço ao consumidor de um console com tal coisa estava longe do ideal. "Não tenho interesse em fazer marketing de qualquer máquina acima de 500 dólares", disse Kalinske [note]Revista EGM USA 50[/note]. Estavam convencidos de que 2D ainda tinha espaço na divisão doméstica, enquanto o 3D amadureceria nos parrudos arcades.

O problema é que, se a Nintendo demoraria a trazer o sucessor do Super Famicom, outra ameaça surgira. Em novembro de 1993, a Sony anunciou o projeto PS-X. No mês seguinte, circulavam especificações de arrepiar. E ainda havia o 3DO de Trip Hawkins: um 32-bit em CD, sedutor diante da tecnologia um tanto rudimentar do proto-Saturn.

Um estrepitoso alarme soou na Sega. O que o designer sonysta Ken Kutaragi preparava literalmente limparia o chão com os concorrentes. Seria um espancamento tecnológico.

Ironia ou não, a inspiração foi um produto da própria Sega.

O fator Virtua Fighter

kalinske kutaragi nakayama
Tom Kalinske, Ken Kutaragi e Hayao Nakayama: protagonistas — de formas diferentes — na transição para a 5ª geração.

No começo de 1993, o projeto da Sega passou a ser chamado de Aurora. Com rivais em ação e novidades pipocando o tempo todo, não podiam ser inflexíveis. Não tardou para que, apesar de seguir baseado na System 32, capacidades 3D limitadas entrassem na prancheta do Saturn. A máquina estava quase fechada no segundo semestre, menos dedicada ao 3D do que seria o Saturn final.

Além do provável processador V60 CISC da NEC, que a Model 1 também tinha, semelhanças paravam aí. A Sega não via como condensar o avançadíssimo Virtua Fighter num sistema doméstico tão cedo; não a preço acessível, pelo menos. A 3DO Company era exemplo recente do potencial futuro tenebroso para videogames caros.

Só que Virtua Fighter embaralhou tudo, virando a cabeça de muita gente: de John Romero (Quake) a Toby Gard (Tomb Raider), passando, claro, pelo time da Sony. A expectativa geral, inclusive entre jogadores, não estava mais sobre 2D. De repente, termos como scrolling e sprites disputavam popularidade com texture mapping e polys.

A Sega seguia, como diz o ditado, fritando o peixe de olho no gato. Logo o projeto ganhou o codinome definitivo, Saturn. Ali deixava de ser mera corruptela da System 32 para se tornar algo mais evoluído. O nome teria vindo da posição dos planetas no Sistema Solar — sexto planeta, sexta plataforma da Sega (lembrando: SG-1000, Master System, Mega Drive, Game Gear, Sega CD, Saturn). Vários planetas batizariam projetos seguintes.

Japão x EUA

Tom Kalinske

Em setembro de 1993, Kalinske revelou que o nome provisório era Saturn, e que quase certamente seria baseado em CD-ROM. Fez também bravata, dizendo que a Sega podia "lançar uma máquina [32-bit] mais ou menos amanhã", se quisessem. A compatibilidade com o Mega Drive já não era tão certa, nem provável.

Mas quando a Sega do Japão apresentou o Saturn primitivo aos americanos, a recepção foi morna. O chefe de P&D*, Joe Miller, não ficou entusiasmado, e foi procurar Kalinske. Eles perceberam o óbvio: naquele estado, o Saturn nasceria obsoleto.

Apesar de seu status como responsável pelas conquistas do Genesis, o executivo era um funcionário na hierarquia. Acima estava toda a casta japonesa, de onde partiam ordens. Desenvolver hardware era prerrogativa oriental, e palpitar demais seria inconveniente numa relação que já apresentava desgaste.

* Setor de Pesquisa e Desenvolvimento, geralmente abreviado em inglês como R&D (Research & Development)

Então, à revelia da matriz, os americanos começaram a formular alternativas. Precisavam convencer o comando a tomar um novo rumo, algo que pudesse salvar o Saturn.

A saída Sony

A primeira ideia era um console em parceria com a Sony, algo sondado no mínimo desde 1992. As partes vinham de bom relacionamento com o Sega CD, através da Sony Imagesoft. A divisão, comandada pelo islandês Olaf Olafsson, gastou muito lançando games para o CD-ROM da Sega — segundo Kalinske, talvez mais que a própria Sega. Por outro lado, ganharam experiência num setor novo. Gigantes dos eletrônicos, o produto mais famoso da Sony era o Walkman, o toca-fitas com rádio portátil que TODO MUNDO TEVE.

"Demos a eles ajuda técnica, e muita", avaliou Kalinske. "Emprestamos pessoal, e havia um maravilhoso trabalho colaborativo. Ambos nos beneficiamos do trabalho uns dos outros, e acho que isso é algo que foi esquecido na história da indústria de games: que existiu esse vínculo muito forte entre as companhias".

Rival em comum

Melhor: tinham um rival em comum. A Sony vivera péssima aventura com a Nintendo quando se associaram em 1988 para criar um dispositivo com jogos em compact disc. As primeiras notícias falavam de um acessório chamado "Play Station", conectado ao Super Nintendo para ler mídia digital. O contrato regia que a Sony teria direitos sobre software em CD, e a Nintendo controlaria cartuchos.

O SNES CD que seria feito com a Sony.

Na época não pareceu problema, mas três anos depois, muita água havia passado por baixo da ponte. A Sony não era mais a conservadora fabricante de eletrônicos, restrita a seu nicho. Estava abrindo asas sobre a grande mídia, como ao adquirir a CBS Records em 1988, e a Columbia Pictures no ano seguinte. Sem falar da fundação da Sony Imagesoft, originalmente para publicar games no Nintendinho.

O decano nintendista Hiroshi Yamauchi entendeu que aquele contrato, sob tais fatos, tornara-se um desastre. Sob sua batuta, os cabeças da Nintendo da América, Howard Lincoln e Minoru Arakawa, procuraram secretamente a Philips para um negócio paralelo. Poucas semanas antes da Summer CES* 1991, reuniram-se em Eindhoven com Gaston Bastiaens, diretor do grupo Compact Disk Interactive, que gerenciava o formato de disco dos holandeses.

Consumer Electronic Show, feira para exibição de novidades eletrônicas para a indústria, fechada ao público. Até 1994, acontecia em duas edições: Winter CES em janeiro, e Summer CES, em junho.

Foi selado um acordo nos seguintes termos:

  • A Philips produziria um acessório que, acoplado ao SNES, rodaria discos.
  • Os discos seriam compatíveis com leitores de CD-i fabricados pela Philips.
  • A Nintendo teria direitos sobre software, quer fossem lançados para o acessório ou leitores de CD-i.

Dois meses antes do lançamento do Super Nintendo na América, a notícia caiu como uma bomba na CES. Publicava o jornal The New York Times em 03/06/1991:

Um dia após a Sony comunicar acordo com a Nintendo para criar aparelhos de jogos eletrônicos, a Nintendo anunciou fechamento de acordo com a Philips, uma das principais rivais da Sony. A Nintendo Company evidentemente foi até a Philips N.V., gigante holandesa dos eletrônicos, para tentar manter seu domínio sobre o mercado de US$4.7 bilhões dos videogames, depois de assinar o que alguns especialistas dizem ser um acordo desfavorável com a Sony Corporation.

A desculpa do vice-presidente Lincoln foi de uma escolha "puramente baseada no aspecto tecnológico". Mas todo mundo sabia: tinham cedido demais à Sony, e com o contrato paralelo, forçavam uma renegociação. Dada a fragilidade técnica dos contratos japoneses, muito baseados na cultura local de confiança mútua, Yamauchi esperava chutar a Sony sem pagar multas. E segundo alguns, optou por não avisar a "parceira" antes da CES. Tudo para vê-los humilhados, minando força da corporação que crescia mais do que ele gostaria.

O PlayStation depois da "traição" da Nintendo virou um console compatível com discos da Sony e cartuchos de SNES, mas também não chegou ao mercado. Esse é o único protótipo funcional conhecido. Foto: Engadget

A nata da Sony ficou furiosa, mas a traição não violava o contrato original. Ainda tinham um vínculo com a Nintendo, e pretendiam vê-lo cumprido. O projeto mudou para um console chamado PlayStation, compatível com o Super Famicom e rodando CD-ROMs. Seria incompatível, lógico, com produtos da rival Philips.

A Sony via naquilo sua porta de entrada para os videogames. Mas apesar de previsto para o fim de 1992, e do hardware pronto (protótipo funcional descoberto em 2015), a Big N atrasou continuamente o lançamento, até que se tornou inviável. Assim, o Super Nintendo jamais ganhou um dispositivo para CD-ROM.

Mas a Sony ficou com o que tinha...

Saturn Playstation?

Este elo com a Sega — de rivalidade com a Nintendo — parecia semente de uma parceria frutífera. Como numa conspiração universal, os eventos levavam àquilo. A "conspiração" alcançou o presidente da Sony da América, Mickey Schulhoff, que gostou. A proposta dos executivos era uma joint venture; a Sony estava convicta de que jogos 3D em CDs eram o caminho.

Kalinske idem:

Colocamos tudo aquilo de modo que não fosse só papo de engenheiros, mas algo que as pessoas pudessem entender. Lembro que tínhamos um documento que Olaf e Mickey levaram à Sony [do Japão], em que diziam que gostariam de desenvolver juntos a próxima geração de hardware, a próxima plataforma com a Sega, e o que deveríamos fazer. A Sony aparentemente deu luz verde.

O plano era favorável a todos. A Sega iria à nova geração riscando o embrionário e antiquado Saturn 2.5D do mapa. A Sony teria sua desejada estreia de mãos dadas com um nome de peso. O potencial de lucro era maior para a Sega, que além das grandes franquias para explorar, de Mega Drive e arcade, trazia a experiência do Sega CD. Subindo na curva de aprendizado, a Sony lucraria no começo com licenças de filmes. As partes dividiriam prejuízos com hardware, que no modelo de então, era mais barato em favor dos ganhos com software.

Tudo ia bem. O presidente da Sony, Nobuyuki Idei, gostou. Vale notar que, por muito tempo, os figurões da empresa sequer queriam ouvir falar em videogame. Não fosse a teimosia de Kutaragi, que fez sozinho o hardware de áudio SPC700, do Super Famicom, jamais teriam entrado naquilo. Depois, permitiram-se desenvolver e publicar jogos. Agora a barreira dos consoles estava ali, para ser superada.

Se produzir games ou um chip era risco tolerável, o mesmo não valia para uma plataforma inteira. Pelo duto de pesquisa, desenvolvimento, testes e mercado, correriam milhões, desembocando na arena dominada por Sega e Nintendo, fora fatias menores com SNK, Atari e 3DO. Depois do imbróglio com a Nintendo, o pacto com a Sega parecia uma bênção.

Al Nielsen, Shinobu Toyoda e Tom Kalinske, por volta de 1993.

Faltava a aprovação da Sega do Japão.

Kalinske foi com o vice-presidente Shinobu Toyoda seduzir o comando. O primeiro a saber foi Mike Fischer, gerente de produto que circulava entre São Francisco e Tóquio. Ele respondeu com entusiamo, mas aconselhou Kalinske a apresentar a parceria com a Sega no estrelato. Sato, que havia se dedicado muito ao Saturn, não veria seu trabalho inutilizado dessa forma. Também sugeriu que o time de arcade fosse encarregado, deixando o pessoal de P&D empolgado em produzir software.

Finalmente, lá estavam frente ao núcleo oriental da Sega. Nakayama e os figurões, incluindo Sato. Kalinske escolheu as palavras, enfatizando que a Sony seria complementar ao que o engenheiro-chefe projetara. Apesar da palavra final ser de Nakayama, a reação de Sato pesaria.

E naquela reunião, tudo foi por água abaixo, como relatado por Kalinske:

Levei aquilo à Sega do Japão, e disse que era o que pensávamos ser a plataforma ideal, ao menos na perspectiva dos Estados Unidos, com base no que aprendemos com o Sega CD e nosso envolvimento com a Sony e nosso próprio pessoal. A Sega disse "sem chance". Por que quereriam uma plataforma com a Sony? Disseram que era bacana que tivéssemos algumas ideias [...], e que as levavam em consideração, mas que a empresa desenvolveria a próxima plataforma por conta própria.

Com outra decepção, a Sony seguiu sozinha, guiada por Kutaragi. E foi quando Virtua Fighter mudou tudo: não fosse o game de Yu Suzuki, o PlayStation teria sido um hardware profundamente diferente. "E se tivéssemos feito o PlayStation usando hardware 2D? Essa ideia foi seriamente considerada", disse Ryoji Akagawa, produtor da Sony.

Shigeo Maruyama, ex-chairman da Sony Computer Entertainment, lembrou que os funcionários visitavam outras desenvolvedoras para entender a tecnologia. "Pessoalmente, não tinha ideia dos detalhes quanto aos jogos que o PlayStation poderia ter. Eu dava apresentações sobre o assunto sem saber muito sobre ele", confessou. "Quando Virtua Fighter saiu, a direção do PlayStation ficou imediatamente clara. Com uma sincronia incrível, a Sega salvou nossa pele".

A saída SGI

Jim Clark

A segunda saída seria com a Silicon Graphics, renomada empresa de computação gráfica. Kalinske lembrou as origens da aproximação:

Lembro de Joe Miller e eu conversando sobre isso [a geração seguinte ao Genesis], e estivemos em contato com Jim Clark, fundador da SGI. Ele nos ligou um dia, disse que tinham comprado uma companhia chamada MIPS Inc., que esteve trabalhando em algumas coisas com grandes pessoas de P&D. Aquilo tinha dado num chip que pensaram que seria ótimo para um videogame.

Falamos que não fazíamos design de consoles nos Estados Unidos, mas software. Mas soava interessante, então iríamos lá dar uma olhada. Ficamos impressionados e ligamos para o Japão, dizendo que mandassem o time de hardware porque aqueles caras tinham algo bem legal.

Segundo Miller, Kalinske e ele eram "fortes proponentes" da parceria. Só conseguiram levar a ideia à sala de reunião porque a Sega primava pela busca de hardwares de ponta. "Havia um tremendo orgulho dentro da organização por sua engenhosidade em criar o que fosse preciso", disse.

Orgulho ferido

Mas os orientais não queriam pitacos yankees, europeus ou de onde fossem. Ou se viessem, que não fossem radicais. Queriam redenção depois do Mega Drive ser um colosso na América e pífio no Japão. Nakayama cobrava intensamente os subordinados, potencializando ressentimentos e ciúme.

Um episódio emblemático, citado pelo jornalista e escritor Blake J. Harris, demonstra como a ascensão do americano Kalinske envergonhava o time nipônico. É sobre uma de suas visitas ao setor de P&D da Sega do Japão, quando conheceu o protótipo do brinquedo eletrônico Pico.

Garantiu que se pudessem lançá-lo custando até 100 dólares, o faria "produto número um do ano" de seu segmento na América. A meta não foi possível, para ira do chefe:

[...] Nakayama analisou bem o protótipo final do Pico. Peças já haviam sido encomendadas e moldes produzidos; o Pico aconteceria, gostasse o presidente ou não. Mas ah, como eles queriam que Nakayama-san desse um sorriso! Mas Nakayama-san não estava pronto para sorrir ou fazer careta. Era claro que o time de P&D tinha ido bem, o dispositivo parecia impressionante. Isto era importante, porque Kalinske acreditava que aquele produto seria um vencedor. Mas também parecia caro, e quis saber quanto custaria produzir, e melhor ainda, qual seria o preço ao consumidor. Uma sequência de olhares ao redor da mesa finalmente levaram à resposta: alguém sugeriu ¥15 mil, talvez ¥20 mil — algo entre US$150 e US$200.

Enquanto processava a informação, Nakayama pegou o Pico de novo. Quinze mil ienes? Por isto? Mas por quê? Tom Kalinske disse que precisava custar cem dólares; que por esse preço ele o faria uma sensação. Tom havia dito isso muito claramente, e aqueles funcionários estavam lá quando ele disse. Não havia desculpas, não...

De repente, Nakayama-san bateu o dispositivo sobre a mesa. Isto era inaceitável. Ergueu e bateu de novo. Inaceitável. Outra pancada, mais forte dessa vez. Inaceitável! Foi batendo de novo e de novo, até [...] sua mensagem ficar mais que clara."

No lançamento de Sonic 2, Kalinske e seu time projetaram um grande evento mundial. Mas a Sega do Japão resolveu comer o bolo antes da hora, lançando o game três dias antes. Já era um sinal de que não estavam dispostos a aceitar sugestões (ou comandos) americanos.

Kalinske observava há tempos a mudança de comportamento. Colegas japoneses não eram mais tão solícitos e dispostos a aceitar suas opiniões, como ao idealizar o bombástico lançamento mundial simultâneo de Sonic 2. Seria uma terça-feira de novembro de 1992 — a bem sacada campanha "Sonic 2sday" (2s de two's, soando como Tuesday, terça-feira em inglês). A Sega do Japão, num pequeno ato de rebeldia, não respeitou o cronograma, distribuindo o esperadíssimo game três dias antes.

Também acontecia de não responderem a faxes e telefonemas. As conquistas da matriz em relação à filial causavam as cobranças do chefe? Nada melhor para agradá-lo do que criar — sem interferência americana — um senhor hardware.

Kalinske avaliaria a situação décadas depois:

Acho que em algum ponto na metade dos anos 90, talvez 94 ou 95, eles desenvolveram um grande ressentimento. Não percebi na época, até talvez a parte final de 1995. Foi quando um dos meus colegas no Japão, que eu conhecia bem e com quem tinha bom relacionamento [Fischer], me disse algo tipo "Você não entende o quanto intimidados e incomodados estão os executivos japoneses com o seu sucesso. Em toda reunião, Nakayama pergunta 'Por que não podemos fazer as coisas como os americanos e europeus? Por que não fazemos o mesmo sucesso que eles?'".

Acho que os executivos locais não gostavam do tom que ele usava. Ao que parece, ele também os confrontava por causa de Sonic, que nunca foi tão bem no Japão quanto nos Estados Unidos e Europa. Acho que ele sempre jogou isso na cara deles. Então era claro, lá pelo fim de 1995, que havia um grande ressentimento em construção: ciúme, despeito, e o tipo de desejo de dar a volta por cima naqueles americanos que Nakayama vivia jogando em suas caras.

Para os japoneses, ter as rédeas do Saturn era questão de dignidade. Não podiam, em mais uma geração, bater palma para a glória dos americanos. Muito menos em hardware, eterna honra da Sega do Japão.

Kalinske trabalhou com Miller, Doug Glen e Toyoda para apresentar a "Solução SGI" de forma convincente. Elencaram razões da parceria ser potencialmente melhor que o Saturn original. O chip da Silicon era mais barato e superior a qualquer coisa que fizessem sob a arquitetura da Hitachi.

Hideki Sato

Não teve papo. A Sega do Japão não cedeu, pondo todas as objeções possíveis, como contou Kalinske:

O time chegou, o chefe do design [Sato] de hardware também veio, e quando avaliaram o que a SGI tinha feito, não deram qualquer resposta. No fim da reunião, basicamente disseram que até era interessante, mas o chip era muito grande, o fluxo de caixa seria muito alto, e havia muitas características técnicas que não queriam: o áudio não era bom o bastante, nem a taxa de frames, tal como várias outras questões.

Nakayama, quase sempre a seu lado, também não gostou (ou não quis saber) da parceria, como completou:

Os caras da SGI foram embora e trabalharam naqueles pontos. Então nos ligaram e pediram que o mesmo time fosse mandado de volta, porque tinham resolvido tudo. Nakayama estava com eles dessa vez. Revisaram o trabalho e foi quase a mesma reação: ainda não era bom o bastante. Não sou engenheiro, e você tem que acreditar nas pessoas da sua empresa, então voltamos para nossa sede, e Nakayama disse que aquilo simplesmente não era bom o bastante. Continuaríamos do nosso jeito.

Para Miller, parte da negativa era explicada pelo chamado Princípio de NIA*, mas não só isso. Havia uma preocupação válida com a capacidade da SGI atender à demanda:

Eles estavam preocupados com o processo requerido para fabricar aquele chipset, que era novo. Havia preocupação com a produção; preocupações expressas sobre quantos poderiam ser produzidos rapidamente. Parte do que faz uma empresa de produtos de consumo bem-sucedida é entender o processo de fabricação o bastante para saber que podemos atender a demanda, e havia a preocupação em particular naquela oportunidade com aquele chip ser difícil de fabricar na quantidade necessária.

* Não Inventado Aqui (NIA) é o princípio filosófico que visa evitar soluções de terceiros só por sua origem externa. O orgulho leva organizações a adotar invenções imperfeitas, ignorando, boicotando ou se recusando a usar ou incorporar soluções superiores desenvolvidas por outros. Wikipedia.

A SGI caiu com seu magnífico produto no colo da Nintendo. Kalinske:

Jim Clark me ligou e perguntou o que fazer a partir dali. Tinham gasto todo o tempo e esforço no que pensavam ser o chipset perfeito para um videogame, então o que fariam com aquilo? Falei que havia outras companhias a quem poderiam ligar, porque claramente não éramos a opção para eles. Desnecessário dizer que ele fez isso, e o chipset se tornou parte da geração seguinte dos produtos da Nintendo. Então, isso é só um exemplo de como, parcialmente devido ao nosso sucesso na América, o Japão simplesmente não queria fazer as coisas como sugeríamos.

ultra 64
Pouco depois da Sega recusar a SGI no Saturn, a tecnologia seria a base do Ultra 64 (Nintendo 64).

A Sega do Japão, assim, ajudou involuntariamente no projeto do Nintendo 64. O Saturn seguiu seu curso.

Próxima parte: o jeito japonês com a Hitachi, revelação e lançamento.

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3 COMENTÁRIOS

  1. Por ser fã da sega, me bateu uma raiva tão grande desses japoneses! Li essa matéria de madrugada, estou indo dormir boladão kkk

  2. Foi uma fase boa, lembro!!!! Joguei poucos clássicos...aqui onde moro tinha alguns amigos que chegaram a comprar o vídeo game e assim consegui jogar determinados clássicos!!!! Gostei muito de jogar Resident Evil, Thunder Force V, Daytona USA e outros, o que era bom mesmo era o design do controle, a tela menu do Video e o som que impressionava na época...era mais bonito do que o Playstation em termos de tudo!!!! valeu!!!!

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