A história da Power Glove, a luva do poder da Nintendo… Ou quase

Em 1989, um acessório de videogame foi lançado e parecia o cúmulo da tecnologia. Depois de alguns anos controlando games com joysticks e gamepads, o mundo ganhava uma luva. A luva do futuro. Você a vestiria e teria o poder em sua mão; o poder de controlar pixels na tela como num filme de ficção científica.

Isso é o que os comerciais da Power Glove vendiam. Infelizmente para todos nós, não era bem assim que funcionava. Confusa, desajeitada e pouco responsiva, acabou como uma decepção para os donos de NES, mas hoje é um belo enfeite em qualquer coleção. Um fiasco com status cult como poucos produtos conseguiram.

Não se pode negar o visual atraente, ainda mais para um pirralho no fim dos anos 80. Parecia algo espacial, saído de algum laboratório futurista, ou de um filme como Tron. E não estava tão longe: a semente da "Luva do Poder" passou pelas ideias de um dos pioneiros da realidade virtual.

Power Glove
Power Glove em exibição no Museu do Videogame, em Berlim.

Quase da Atari

A história começa nos anos 70, e não tinha nada a ver com videogames. Thomas G. Zimmerman era um engenheiro formado no MIT que a princípio, queria trabalhar com energia eólica, e depois migrou para música eletrônica. Observando mãos regendo uma orquestra ou tocando violão, pensou em algo que captasse o movimento e simulasse os sons em caixas acústicas. "Imaginei uma luva em que você tocaria os dedos para tocar acordes", lembrou. "Um amigo meu conhecia teoria musical e gostou da ideia. Mas não levei a sério até 1979 ou 1980".

Seu primeiro esboço foi com uma luva marrom de jardinagem e cerca de dez dólares em componentes comprados na Canal Street. O protótipo tosco usava tubos ocos nos dedos, com um LED em cada extremidade. Quando o dedo era flexionado, o tubo se comprimia, deixando passar menos luz. Um fototransistor na outra ponta calculava a luminosidade e por consequência, a flexão.

O inventor escreveu programas simples para lidar com os sinais. O primeiro permitia escrever letras no ar e elas apareciam na tela; outro tocava notas musicais de acordo com o quanto o dedo fosse flexionado. Vendo que funcionava, tratou de patentear a criação, em 1982. Mas não tinha certeza do que faria com ela.

Segundo Zimmerman:

Uma mulher com quem eu saía deixou Nova York para ir ao Oakland Ballet e eu a segui. Essa é uma parte essencial da história. A Califórnia era o lar de mentes parecidas. Juntei-me à Atari. E, claro, achava que Atari estaria interessada na luva.

Sempre de olho em boas novidades, a empresa quis comprar sua patente por US$10 mil. Um amigo de Nova Iorque o desaconselhou, sugerindo que valia mais, e ele recusou a oferta. Veio então o crash da indústria de games em 1983, e a Atari fechou o laboratório, acabando com sua curta passagem por lá. Zimmerman se ocupou com outros projetos, como um sintetizador vocal, com um amigo. A contragosto, a luva ficou arquivada.

Num evento musical na Faculdade de Stanford, mais tarde, ele conheceu Jaron Lanier. Por muitos considerado um gênio, seu estilo meio hippie, barbudo e de dreadlocks, não se encaixava no estereótipo típico. Falava coisas diferentes, papos-cabeça sobre computadores e realidades alternativas.

Jaron Lanier

Desde muito jovem Lanier se dedicava à matemática e a música. Era entusiasta da proposta de computadores usados como instrumentos musicais. Mas após fazer pouco dinheiro como músico, envolveu-se com engenharia de som para games, e criou seu próprio jogo, Moon Dust, lançado para o Commodore.

"Fiz o jogo em 1983 e de repente tinha muito dinheiro, dando aquelas palestras visionárias sobre o futuro", admite lembrando da época. "Eu estava fascinado pela ideia de usar algo chamado realidade virtual para transcender a linguagem". Lanier foi responsável por cunhar o termo realidade virtual, antes mais citada como realidade artificial.

Chegando ao espaço

O jogo abriu uma porta para a Atari, mas tal como Zimmerman, o crash de 1983 o fez perder o emprego. Lanier começou a trabalhar numa linguagem de programação visual, e ao conhecer a invenção do novo amigo, pareceu a interface perfeita para seu projeto. Em vez de programar na tela usando ícones com um tablet, usuários poderiam interagir num ambiente virtual com a luva.

"Fizemos demos — incríveis, as demos iniciais eram incríveis", lembrou Lanier. "Usamos óculos 3D tipo esses para filmes. Criamos protótipos num Amiga com imagens estéreo. Gostaria que houvesse uma maneira de reconstruí-las, eram espetaculares. Uma delas era como um cruzamento entre raquetebol e pinball".

Lanier conseguiu fundos para formar uma empresa e chamou Zimmerman. Os dois fundaram a VPL Research, primeira a focar exclusivamente em realidade virtual. Contrataram engenheiros e programadores para desenvolver a linguagem de programação e a luva.

Data Glove, da VPL Research, foi base da Power Glove, que usou tecnologia barata: o modelo original podia custar mais de 100 mil dólares a unidade.

Zimmerman adicionou escaneamento por ultrassom — técnica usada antes num tipo de caneta para mover imagens na tela. Isso permitiu, além da flexão dos dedos, a detecção da posição espacial da mão. Eles a batizaram Z-Glove, e o projeto começou a chamar atenção. "Em 1986 ou 1987, estávamos na capa da Scientific American", lembrou o engenheiro.

Um novo protótipo foi produzido, com novidades: sensor de flexão com fibra óptica, inventado pelo engenheiro Young L. Harvill. Sensores magnéticos cuidavam do escaneamento de posição. Era um modelo caríssimo, mas incrivelmente mais preciso que o protótipo inicial de Zimmermann e que a Z-Glove. A Data Glove tomava forma.

Potenciais clientes foram apresentados ao projeto, e ficou claro o interesse deles mais na luva do que na linguagem visual. A VPL se concentrou, então, na luva. Logo firmavam contrato com ninguém menos que a NASA, através de um velho colega de Atari, Scott Fisher. A agência espacial americana queria controlar robôs no espaço e criar ambientes virtuais de treinamento, com um tipo de óculos de realidade virtual. A luva foi o toque de imersão que faltava.

A Data Glove foi licenciada a várias empresas de ciência e tecnologia antes de chegar aos games, como a NASA, que fez o The Virtual Interface Environment Workstation: um display estereoscópico tipo head-mounted com a luva para total imersão num ambiente virtual.

Empresas médicas também licenciaram a tecnologia, para simular cirurgias e estudar tremores nas mãos. "Vendemos para a NASA e todo tipo de lugar de alta tecnologia", disse Lanier.

A Data Glove, de repente, havia inaugurado um novo mundo cheio de possibilidades. Mas a VPL queria levá-la a audiências maiores do que cientistas e pesquisadores. "Eu os encontrei. Não foram eles que nos encontraram", garantiu Lanier, falando de uma empresa de videogames. A indústria estava revitalizada após o sucesso do NES, e parecia caminho natural a desbravar.

"Estávamos brincando com a ideia de fazer produtos para o mercado de consumo, mas era na tentativa e erro".

Enfim, videogames

Os irmãos gêmeos Anthony e John Gentile tinham um estúdio de marketing e design, onde produziam, entre outras coisas, cartazes de cinema. Durante a produção do cartaz do filme Rambo II, pensaram: por que não lançar também action figures do personagem de Stallone?

Brinquedos, contudo, não era a praia deles. Procuraram Marty Abrams, veterano da indústria e um dos fundadores da Mego Corporation, falida em 1982 — hoje ele é conhecido como "o pai dos action figures modernos". Foi criado um conceito, mas nenhuma fabricante (e nem o estúdio TriStar Pictures) quis os bonecos: Rambo era um filme violento, para o público adulto. Quem compraria aquilo para crianças? "Seria como G.I. Joe num exército de um homem só", lembrou John.

Arte do filme Rambo II: a história da Power Glove passa brevemente pela produção dessa peça.

Nenhuma exceto a Coleco, que apostou naquilo e se deu bem. Os action figures de Rambo foram um tremendo sucesso no Natal de 1985.

Os irmãos se associaram em definitivo com Abrams, formando a Abrams/Gentile Entertainment, ou AGE. O foco era 3D e realidade virtual: planejavam um brinquedo que usasse hologramas. Não conseguiram projetá-lo com custo adequado para o mercado, e os irmãos resolveram pedir ajuda ao caçula da família, Christopher Gentile, engenheiro de uma usina nuclear pelos últimos cinco anos.

Ele reduziu o custo de produção; lançada pela Hasbro, foi a linha de action figures chamada Visionaires. Teve sucesso modesto, que bastou para convencer a AGE a seguir investindo em 3D e em parceria com a Hasbro. Mas Christopher, já integrado ao time em definitivo, queria ir além: sugeriu desenvolver um videogame com headset e monitor próprios, baseado em 3D.

Para tal, não queria um controle tradicional, mas colocar o jogador de forma imersiva no jogo. A Hasbro também não achava que um controle tradicional funcionaria. "Seria um sistema todo 3D com a Hasbro", explicou Christopher, "mas então a Nintendo veio querendo licenciar G.I. Joe e acharam que haveria um conflito, então foi paralisado".

A VPL licenciou a tecnologia da Data Glove para a AGE criar seu videogame. Christopher desenvolveu várias aplicações de teste, entre elas um piano virtual. Mas em 1987 o timing estava perdido, pois a Nintendo dominava o mercado de games. Qualquer concorrente provavelmente seria destroçado. O projeto foi abandonado, mas encantado com as possibilidades da luva, Christopher não desistiu de usá-la.

Parceria com a Mattel

"Àquela altura, percebemos que se não podíamos batê-los", lembrou Christopher falando da Nintendo, "então que nos juntássemos a eles". A AGE adaptou a Data Glove como acessório do NES, e o resultado parecia perfeito, fosse flexionando os dedos para fazer Mario saltar, ou simulando socos em Punch-Out!.

Faltava o parceiro para fabricá-la. Em outubro de 1988 conseguiram o interesse da tradicional Mattel, que vinha de experiências traumáticas com games e épicas com brinquedos. "Já tínhamos uma relação anterior com eles, tendo feito algumas das primeiras Barbies falantes", disse Christopher.

"Videogame era meio que palavrão para a Mattel na época", explicou William Novak (mais conhecido como Novak), programador da empresa e veterano da Sega. "O Intellivision quase os colocou fora do negócio. Pessoas perderam suas aposentadorias por causa dele. A última palavra que queriam ouvir era videogame".

Jill Barad, da Mattel, testou o protótipo de Power Glove antes de sinalizar positivo para a parceria. Mal sabia ela que o produto final seria tão diferente.

Os executivos da Mattel conheceram alguns projetos da AGE, mas se mantiveram céticos. Entre eles, um protótipo de óculos de realidade virtual de Lanier; descartaram, preocupados com a chance de crianças caindo de escadas. "Me aproximei da Mattel e meio que me disseram que eu não sabia nada sobre a indústria e que deveria voltar com alguém que soubesse", contou Lanier.

Enfim a Data Glove os agradou, mas só após uma demonstração feita pelo próprio Christopher, jogando Rad Racer e Punch-Out!. "Lá estava Chris com um velho Mac preto e branco. Tinha uma luva de golfe com fios saindo dela. O Mac era a interface entre a luva e o NES", explicou Novak. A vice-presidente de marketing da Mattel, Jill Barad — e desde 1982 diretora da linha Barbie, que os salvou da falência — foi convidada a testar o dispositivo. Sem experiência com games, ela experimentou Punch-Out!

Segundo Novak, um soco e Glass Joe (o boxeador fracote do jogo) estava no chão. E a executiva, conquistada:

O que o vendeu, e foi a coisa mais estranha, foi quando ele [Christopher] sugeriu que a Jill Barad tentasse. Ela colocou a luva, ele ligou o Punch-Out, e ela derrubou o cara em seu primeiro golpe. Jill tirou a luva e disse "Quero fazer isso".

Foi o sinal verde para a parceria. Todos estavam céticos, mas Barad ficou extremamente entusiasmada. "Ela essencialmente perguntou como seria para ter aquilo pronto na CES de janeiro de 1989", explicou Hal Berger, da Image Design and Marketing. Teriam que se virar para ter um protótipo apresentável ao público em três meses. "Eles ofereceram um sério dinheiro para desenvolvimento, então a resposta foi sim. Mas deveria ter sido não. A AGE foi até a Mattel e disse "Ah claro, podemos vender isso por US$90", mas não tinham nem um plano de como fazer isso".

Ficou acertado que a Mattel fabricaria a luva. AGE e VPL receberiam royalties para cada unidade vendida. Lançamento: Natal de 1989. Engenheiros não sabiam se um ano bastava para transformar a luva da reunião — produto de alta tecnologia que valia não menos que US$9 mil a unidade — em algo acessível. Mas foi assim que as coisas caminharam.

A Mattel contratou Berger e Gary Yamron, ambos da IDM, para ajudar na conversão da tecnologia bruta em produto de massa. "Eles basicamente vieram [para a reunião] com um sistema Data Glove de US$250 mil ligado a um Commodore", avaliou Hal. Anos-luz de distância de um produto final.

Mas em oito semanas o resultado foi entregue.

Nasce a Power Glove

Um dos conceitos iniciais da Power Glove.

A principal diferença, claro, era nos sensores. A fibra óptica saiu, dando lugar a trilhas de PET revestidas com tinta semicondutiva, comum em placas flexíveis para eletrônicos. No lugar dos caríssimos sensores magnéticos da Data Glove, engenheiros inseriram um sistema de "rastreamento ultrassônico" — similar ao sonar de morcegos.

O sistema consiste de dois alto-falantes ultrassônicos na luva, e três microfones ultrassônicos posicionados ao redor da TV, como receptores. Os alto-falantes se revezam emitindo um bip de 40 kHz; o sistema mede o tempo que o som leva para alcançar os receptores. Um cálculo de triangulação usa as coordenadas X, Y e Z de cada alto-falante para determinar a posição, ângulo e giro da luva. Era o mesmo método da Z-Glove.

Tecnologia definida, veio a parte de ergonomia e visual da luva, sob comando de Grant Goddard e Samuel Cooper Davis, da AGE. Fixada à mão por correias com velcro, cheia de botões, ganhou um feeling futurista. Os botões do controle do NES ficaram no antebraço, com numéricos para digitar programações. Seria disponibilizada em dois tamanhos. "Passamos por 300 a 400 tamanhos de mãos tentando chegar a um tamanho universal", lembrou Novak. E não existe Power Glove para a mão esquerda — menos de 10% da população mundial é canhota, e lojistas não queriam armazenar luvas para as duas mãos. Optaram por fabricar apenas a direita.

O design final foi proposto por Bob Reyo, vice-presidente de marketing — John diz que se inspiraram no visual de Robocop. Ficou mais robusta que o primeiro modelo, que segundo Novak, era mais aracnídeo. "Bob tipo segurou aquilo com dois dedos e olhou como se estivesse cheirando um monte de cocô. Ele jogou a luva no meio da mesa e disse "Não posso vender isso por US$80", e saiu. Foi quando aprendi sobre o valor percebido. Essa luva, legal como fosse, não parecia valer 80 dólares, então colocaram 15 a 20 escultores nela".

O design final da Power Glove: inspiração em Robocop.

O resultado foi entregue em cinco meses. Reduziram a fantástica luva com tecnologia que a NASA usava a acessório que a Mattel produziria por US$23 e venderia por $80. O foco era um público alvo dos 8 aos 14 anos.

Nintendo cética

Faltava só um "pequeno" detalhe: o licenciamento oficial. A Mattel tentou obter apoio da Nintendo no desenvolvimento, mas não foram atendidos. Pior: havia tensão entre as partes que beirava o despeito. "Jill [Barad] ia à Washington uma vez por mês ou mais", afirmou Novak, falando da cidade onde ficava a sede da empresa. "Eles sabiam que não podiam fazer nada sem uma licença. A Mattel odiava a Nintendo."

Quando os executivos da Mattel apresentaram o conceito pela primeira vez, a Nintendo considerou tirar deles a produção. "Quando a Nintendo viu a luva, sabiam que não havia maneira de reunir as pessoas para fazê-la eles mesmos", contou Christopher. "Fomos levados ao Japão por um grupo de pessoas que queria comprar a nossa tecnologia. Foi uma pequena mudança de ritmo, para dizer o mínimo".

A Big N dizia que a luva era complicada para crianças, e também exigia que fosse resistente. Só após várias reuniões, quando a Mattel provou que a Power Glove suportava mais de 10 milhões de flexões de dedo, a "parceira" concordou em ceder o famoso "Selo de Qualidade". Como condição final, exigiram melhoria do manual de instruções.

"Nintendo sendo Nintendo", disse Hal, "trabalhavam duro para jogar pessoas contra as outras. A Mattel queria adicionar funcionalidades e a Nintendo resistia. Eram empresas bem grandes e arrogantes. Todos queriam estar no controle".

Publicidade da Power Glove: ela tinha o visual e o apelo, mas não bastava.

Para ter sucesso, a Mattel pretendia investir em duas frentes: adaptar-se ao software preexistente, e criar seu próprio acervo, que seria a linha Power Glove Gaming Series. Para assegurar compatibilidade com os jogos do NES, literalmente todos foram examinados, e criados programas de conversão dos comandos para a luva.

Para o lançamento, consideravam importante ter ao menos um jogo exclusivo. Sem tempo para desenvolvê-lo do zero, compraram a licença de Bad Street Brawler, beat 'em up da Beam Software — "um lixo", de acordo com Novak, que ficaria responsável por criações futuras. "Pagaram de 30 a 40 mil dólares pelos direitos. Tenho nojo até de falar esse nome". Ele havia feito um filme interativo da Mattel chamado Captain Power, baseado numa série de TV, além de brinquedos. Mas seu real campo de interesse sempre foram games.

Novak era um dos presentes na reunião em que Christopher apresentou a Data Glove à Mattel. E sua impressão não foi das melhores. "É a coisa mais estúpida do mundo", lembrou sem dó. "Quando Gentile veio com o protótipo da Power Glove, fui o único a dizer que era má ideia". Pesquisas de mercado indicavam que cada sessão de jogatina no NES durava entre 90 e 120 minutos. O designer não imaginava ninguém usando aquilo na mão por tanto tempo.

Christopher Gentile demonstrando Super Glove Ball em 1990.

Mesmo contrário ao projeto, era sua oportunidade de voltar ao ramo de videogame, e assim ficou encarregado de planejar games para a luva. Por cerca de duas semanas, Novak fez anotações, observando a própria mão, de gestos aproveitáveis. Um deles era o de tapa, como ao bater numa bola — o conceito de Super Glove Ball. O desenvolvimento ficou para a Rare, e foi o único título em que a luva era parte fundamental da jogabilidade.

De cinema

A primeira aparição pública foi na Winter CES, em janeiro de 1989, criando expectativa. Mas além da falta de jogos — problema do qual a VPL vinha alertando a Mattel —, o que se viu na feira era uma encenação. Nem os sensores estavam prontos ainda. "O que mostramos na CES era basicamente um Amiga com um jogo e um menino ator fingindo jogá-lo. Isso é o que vendeu aos varejistas", contou Novak. A Mattel sequer colocou sua marca no stand, temendo a reação do público.

Mas foi excelente: graças à feira, receberam 700 mil pedidos de distribuidores. A sensação geral era de sucesso à caminho. Jornais de negócios falavam com otimismo, como o Wall Street Journal, que em 01/12 publicava:

A [empresa de investimentos] Kidder Peabody repetiu a recomendação de que investidores comprem ações [da Mattel] porque acreditam que a "power glove" da empresa, para o Nintendo Entertainment System, será um hit.

Em outubro de 1989, a Power Glove chegava ao público pela Mattel na América, e pela PAX no Japão. Custando US$75 — em valores corrigidos para 2019, cerca de US$150 —, acompanhava dois manuais, atendendo à exigência da Nintendo. O primeiro tinha uma HQ com os personagens Glove Master e Little Digit, explicando como configurar o sistema, além de instruções fotográficas de uso. O outro vinha com instruções sobre o carregamento dos programas de configuração.

Não era tão simples quanto plugar, espetar o cartucho e pronto. Primeiro o jogador escolheria o game, então consultaria o manual para saber qual programa carregar na luva. Assim, ela teria os comandos certos. Só jogos próprios para ela dispensavam programação; ou seja, no lançamento, só Bad Street Brawler.

A popularidade estourou de vez com O Gênio do Video Game. O filme, lançado dez dias antes do Natal daquele ano, foi inspirado nas competições que a Nintendo promovia nos Estados Unidos. Apresentava vários produtos da casa, entre elas a Power Glove, com uma cena só pra ela que virou meme:

O filme (mais para propaganda de longa duração da Nintendo) vendeu uma imagem descolada da luva. Criou-se um hype sobre a Power Glove; de repente, crianças queriam entrar naquele incrível mundo de videogames controlados pelas próprias mãos. Antes do Natal, lojistas já tinham solicitado quase 1 milhão de unidades.

A Power Glove se tornou um dos itens quentes do fim de ano, vendendo 650 mil unidades nas seis semanas seguintes. Em algumas áreas dos Estados Unidos a demanda era alta e o preço disparou, chegando a quase US$140. A revista Popular Science incluiu a luva na lista "Top 100 Melhores Novidades" para 1990. Foi seu grande momento.

Mal sabiam elas como funciona o marketing. Bad Street Brawler era um beat 'em up de qualidade questionável. Super Glove Ball foi um puzzle razoável, mas estava longe de aparecer. Qualquer jogo do NES podia ser controlado com a luva, então na pior das hipóteses, virava um controle de luxo bacana. Mas a molecada viu que ainda assim era tenebroso. Além do carregamento do programa específico, não era nada intuitivo jogar o que foi desenhado para um controle tradicional naquilo.

No fim das contas, servia só para impressionar os amigos — até que descobrissem o quanto era ruim.

Vida curta, história longa

Christopher Gentile

A Power Glove viveu sua glória no marketing e hoje tem lugar garantido nos museus e coleções. Mas não onde deveria estar: na mão dos jogadores. Logo ficou claro o quanto ruim era a experiência, com games apresentando lag e outros simplesmente não funcionando direito.

Segundo Christopher, parte dos problemas era mera questão de calibração, mas crianças em geral não sabiam fazer isso direito. "Para configurá-lo, você tem que manter a mão com o punho fechado", explicou Novak. "Senão, o sistema operacional não sabe o que é o punho ou mão. Precisa estar apontando para os sensores, e ninguém estava fazendo isso". Outra falha eram crianças usando o código de programação errado, resultando em controles absurdos. O ideal (e impossível) teria sido autoprogramação de cada jogo.

A estrutura do sistema nasceu errado, admitiram os designers depois. Ao precisar manter a luva apontada para o centro de triangulação ultrassônica, o jogador cansava e de forma inconsciente, acabava baixando o braço, perdendo a precisão. "Você está mantendo algo o tempo todo, e vai gerar cansaço no braço, não importa o que aconteça", explicou Lanier. "Manter sua mão estendida não é legal. Você quer estar em movimento. Por isso as primeiras demos eram de raquetebol".

A fama manchada se espalhou como fogo em palha, destruindo a reputação hi-tech. Quem ganhou um no Natal logo enfiou o presente no armário e voltou ao gamepad. O interesse caiu depressa ao longo de 1990 — assim como o preço, custando pouco menos de US$50 nos últimos dias. Para piorar, nem Mattel, e muito menos Nintendo fizeram jogos, fundamentais para consolidar a popularidade de qualquer hardware. Três foram planejados por Novak: Terror of Tech Town (ou Tech Town), Glove Pilot e Manipulator Glove Adventure (ou Manipulator). Todos seriam feitos pela Rare, aventuras em que o jogador interagiria com o cenário.

Nenhum saiu do papel porque a Mattel ficou obcecada com o dispositivo em si. Por mais bisonho que seja, não deram a mínima atenção aos jogos. Super Glove Ball foi lançado no mês da descontinuação da Glove; estavam tão focados na luva e não no software, que o desenvolvimento só começou entre fevereiro e março de 1990.

"A Mattel disse "Por que gastar o dinheiro? Eles vão usar os games do NES", contou John. "Mas o valor da Power Glove estava em jogos específicos tipo Nolan Ryan's Baseball*. Você teria sido capaz de jogar a bola no batedor e focar em spin e rotação, coisas assim. Teria sido fantástico". Hal sugeriu que a Mattel lançasse a luva só no Natal de 1990, assim teriam "alguns jogos 3D, e não ficar fazendo hack em jogos já existentes".

* jogo de baseball lançado em julho de 1991 para o Super Famicom como Super Stadium, e em fevereiro de 1992 para o Super NES.

Para a Mattel, Super Glove era a última esperança, como lembraria Novak. "Naquela época, a Nintendo controlava os cartuchos porque vendiam o chip de bloqueio [10-NES]. A Mattel vai até eles e diz "Queremos encomendar 300 mil cartuchos de Super Glove Ball. Queremos cobrir o período de férias com eles". E a Nintendo diz "Daremos 20 mil"".

Provavelmente foi a melhor decisão. "Quando Super Glove Ball saiu, haviam se passado 14 meses e o interesse tinha simplesmente desaparecido", analisou Christopher.

Power Glove japonesa, feita pela PAX.

O brinquedo foi descontinuado um ano após o lançamento. Apesar do fracasso, a Mattel não perdeu dinheiro. A estimativa inicial era faturar US$60 milhões, mas o sucesso na CES elevou o otimismo e dobrou a meta. Graças ao estouro de partida, a Power Glove gerou incríveis US$80 milhões.

"Queria ter uma falha dessa todo ano", disse Christopher. "No total, vendemos 1,3 milhão de Power Gloves, incluindo o Japão". Lá, a PAX teria vendido 600 mil unidades, incluindo campanhas promocionais com Michael Jackson e o filme Robocop. Espantoso, já que nenhum dos jogos exclusivos foi lançado, o que fazia dela mera alternativa tosca ao controle do Famicom. "Na época, havia entre 3 e 4 milhões de Famicom em uso, então alcançar 20% da base instalada foi ótimo", considerou John.

A PAX declarou falência pouco depois do lançamento, inclusive por outros problemas. Lembrou Christopher:

Hiro Sakeo, dono da PAX, era um desenvolvedor do mercado imobiliário por todo o Japão. Supostamente, em alguns desses negócios, ele tinha vários tipos de empresa que seriam partes menores, e o governo descobriu que algumas teriam sido criadas para lavar dinheiro. Não foi a PAX diretamente.

Saiu dos planos da Mattel também a Turbo Glove, versão mais leve da luva com teclado separado, que poderia ser fixado a um cinto. De qualquer forma, todos sabiam — inclusive a Mattel — que era hora de seguir e deixar a Power Glove ocupar seu estranho lugar na história.

Deixou um legado, sendo o primeiro produto de VR em grande escala, servindo de referência para outras criações. A Nintendo acertaria em cheio com seu dispositivo de controle interativo 17 anos depois, o Wii Remote — longe de ser luva, mas com propósito similar. "O Microsoft Kinect foi meio que um sucessor espiritual da Power Glove", disse Lanier. Para Hal, foi um "produto fundamental, infelizmente fora do tempo, mas que mudou a mentalidade das pessoas". Já para Zimmerman foi "uma manifestação tangível de VR para o mercado de massa. Foi quase cyber-punk".

A Power Glove fracassou no objetivo, mas virou parte da cultura pop e da própria identidade da Nintendo, mesmo sem participação. A impressão final foi um amargo-doce, de algo que abriu os olhos do mundo para possibilidades não exploradas. Não por ela, pelo menos.

"Acho que prestou ao mundo da VR um enorme desserviço", lamentou Zimmerman. "A Power Glove criou uma enorme plataforma de visibilidade, mas o jogar não era satisfatório. Isso matou a Atari. Muito mais poderia ter sido feito: orquestras virtuais, cerâmica virtual — havia mais aplicações artísticas".

Power Glove luva

Bibliografia

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

2 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom saber da História da Luva power glove!!!! Bons tempos do filme o Gênio do Vídeo Game...não se passam mais filmes como este na sessão da tarde, triste isso!!!! Acredito que a primeira vez que eu vi uma foto da luva foi mesmo em uma revista da Ação Games!!!! Bons tempos mesmo!!!!

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