Quando: meados de 1993
Moral da história: não empreste o que não é seu. Pensando melhor, não empreste nada.
Antes do PlayStation, as empresas achavam que mídia digital não seria copiável tão cedo. Enquanto cartuchos piratas brotavam como mato e até traquitanas para dumpar cartuchos para disquetes, um gravador de CD custava milhares de dólares.
A confiança nessa barreira de preço era tanta que máquinas foram lançadas sem qualquer proteção contra CD-R. Na época não fazia diferença, mas sorte de quem tem um e hoje pode jogar à vontade sem mexer num parafuso do aparelho. Sega CD, 3DO, Turbografx CD e Neo Geo CD? Nada de modificação, é só copiar o disco na velocidade mínima e botar pra rodar.
Diziam alguns que "copiar CD nunca vai compensar"...
Mas a tecnologia não para. Na chegada dos 32-bit, essa segurança incidental caiu. Saturn e PlayStation precisavam ser desbloqueados via modchip e com o sucesso do segundo, uma enxurrada – mais pra tsunami – de discos piratas invadiu o Brasil.
De certa forma até fomentou as vendas do console. Sei que muita gente odeia admitir pois considera "apologia" à pirataria, mas a verdade tem que ser dita. Era muito mais barato ir à banca do camelô e comprar o jogo do que alugá-lo; muito dono de PlayStation não tinha um disco original sequer, mas coleções enormes feitas na base do "3 CDs por 5 reais".
Se foram ruins pra Sony, os discos a preço de banana exterminaram um ícone daquele tempo: as locadoras.
Alugar, sério?
Até então, havia duas opções básicas para jogar qualquer coisa: comprar ou alugar – além das paralelas como a casa do amigo, namorada, cunhado, etc. ROM e emulador? Claro, dali uns 15 anos. Comprar nem sempre era possível, então alugar o jogo no final de semana por precinhos como R$3,00 funcionava pra quase todos.
Se o jogo fosse lançamento e muito procurado, era certeza de disputa apertada. Uma chance era apelar à reserva (algumas locadoras cobrariam uma taxa extra) ou amizade com o dono do estabelecimento que seguraria o cart pra você.
Para alugar cartuchos, a gente assinava um contrato. Nem devia ter validade legal, mas constava nosso endereço, nome e documentos dos pais, então parecia algo a ser levado muito a sério. Geralmente havia alguma cláusula ameaçadora como "é expressamente proibido emprestar cartuchos alugados ou alugá-los em nome de outras pessoas".
Tinham que ter alguma segurança, já que a maioria não cobrava nada pela abertura de cadastro: era só chegar com documentos, comprovante de residência e sair com um cartucho novinho. Algumas tinham multas pra quem fazia isso, era uma atitude considerada intolerável por parte dos clientes. Com razão.
Poucas sensações eram melhores do que chegar à locadora no sábado de manhã (ou sexta-feira à noite, nas que faziam promoções) e encontrar o jogo que a gente queria placidamente nos aguardando na prateleira. Se acompanhado, você poderia trocar uns sopapos com os amigos pela posse do item, mas fazia parte do ritual. Ser o primeiro a chegar no sábado garantia qualidade nas escolhas, mas jogos desejados nem esquentavam lugar, viviam sob reserva constante.
Algumas locadoras safadas abriam meio período aos domingos só pra nos obrigar a devolver os cartuchos. Senão, teríamos que pagar outra locação de cada cartucho para devolvê-los na segunda. Outras faziam promoções tipo três ou mais games na sexta à noite com devolução na segunda pelo preço de locação simples.
E claro, a gente tentava ficar com o cartucho pelo maior tempo possível, às vezes até quase a hora de fechamento na segunda. A primeira vez em que terminei Phantasy Star IV lembro que foi assim, tive que sair literalmente correndo pra chegar antes de fechar a locadora.
E havia as que cobravam taxa ou depósito no ato de inscrição, pra desestimular golpistas que estivessem planejando abrir um cadastro fajuto, tirar vários cartuchos e sumir. E acredite, tinha muito. Com carts tão apetitosos e em grande quantidade, a locadora corria o risco constante de tomar rasteira.
Resumindo: emprestar a própria ficha era proibido. O ápice da má-conduta do cliente, que arcaria com a responsabilidade caso alguma ? acontecesse.
O golpe
Um amigo em comum com colegas de jogatina apareceu certa vez no nosso grupo de peregrinação às locadoras. Seu apelido (ou nome, nunca soube) era Araquém. Na época, imaginei ter relação com o personagem Arakem, o Showman, quadro conhecido na Globo durante a Copa de 1986 e que ainda era bem lembrado.
Não o conhecia pessoalmente, mas de vista e sabia onde morava. Estava sempre na área, era "rato de fliperama" da primeira máquina de Street Fighter II da região, num boteco a caminho da escola. Tinha o desprezível costume de esconder as mãos com o corpo para ninguém ver como soltava hadoukens e shoryukens. Não ensinava e fazia questão de entrar em nossas partidas de iniciantes e nos destruir.
Ele tinha Super Nintendo e na ProGames, pediu que alguém do grupo alugasse o jogo Battletoads para ele. Era um dos cartuchos raros de parar na prateleira mas milagrosamente dava sopa aquele dia. Fiquei meio em dúvida, e um dos amigos ainda cochichou "não pega não, ele não quer ensinar os golpes de Street Fighter, ele que se foda".
Mas como eu era idiota, babaca, burro legal, tirei o jogo no meu nome e entreguei na mão do cidadão. Ficou combinado que ele iria à locadora na segunda-feira fazer a devolução. Sabia onde morava, estava tranquilo quanto a um possível golpe. Não achei que ele fosse tão cretino, enquanto o mala estava ali no bar estragando nossas partidas de Street não teria perigo, né?
Será que ia dar merda? Não, imagine...
Sim, claro que deu merda
Joguei o que aluguei pra mim, aliás tinha Master System ainda. Devolvi, tudo na santa paz do trouxa ingênuo pacífico. O tempo passou, episódio casual até esquecido. Uns vinte dias depois, voltei à locadora e fui surpreendido com uma dívida no meu cadastro. Não poderia tirar cartucho nenhum.
Nem precisa fazer força pra adivinhar. Ele não devolveu o Battletoads.
Eu era tonto sim, mas revoltado. Saí da locadora igual um bicho feroz, disposto a arrancar a pele do sujeito. Não que fosse conseguir, ele era maior e bem mais forte e provavelmente ainda me espancaria. Cheguei em casa e vociferei os fatos pra minha família. Minha mãe mandou meu irmão mais velho me acompanhar até a casa do nobre cidadão, com medo que eu fizesse alguma bobagem (tipo apanhar).
Gritei o nome, esmurrei a porta da garagem. Nada. Ele estava em casa mas ficou escondido lá dentro. Será que soei tão ameaçador assim?
Fui até a casa de um amigo em comum, expliquei a situação e consegui o telefone do golpista. Pedi que o amigo ligasse, pois se notasse que era eu, desligaria na minha cara. Ele conseguiu marcar pro ilustríssimo sair e me atender. Cheguei lá um pouco mais calmo e ele disse com cara de sonso que "estava dormindo" (eram três da tarde ou mais).
Perguntei do cartucho e ele confessou que o havia emprestado pra outro cara no fim da rua! Filadaputagem máxima, pegou o cart no meu nome e emprestou!
— Pensei que ele ia devolver, juro [em suposta surpresa e indignação]. Vamos lá na casa dele agora que eu resolvo.
E lá fomos todos buscar o Battletoads desaparecido, quase em silêncio pelo caminho. Ele entrou e voltou minutos depois com o estojo da locadora. Examinei rapidamente e respirei aliviado. Deu-me também o valor referente a uns dez dias de locação e voltamos à casa dele para buscar o restante.
Corri pra locadora e finalmente entreguei o jogo, com o alívio de quem salvava o pai da forca. Pedi mil desculpas ao atendente com a maior cara de tacho. Ele aceitou até me liberar uma locação no mesmo dia, já no começo da noite.
Acabou? Iéié, não
Dias mais tarde, estava eu chegando para a habitual locação de sexta-feira quando fui recebido pelo carinha da locadora com um aviso grave: o Battletoads havia sido violado.
Seriamente violado. Um dos dois pilantras ou ambos em conluio, tanto faz, tinha aberto o cartucho e roubado a placa do jogo, colocando um joguinho tosco qualquer no lugar.
Além de me fazer de trouxa, esculacharam por completo com a cereja do bolo da pilantragem.
O pessoal da locadora ficou com tanta pena da minha burrice que perdoaram. Avisaram sem qualquer ameaça ou intimidação que não cobrariam o valor do cartucho novo, pois sabiam que o cara tinha agido de má-fé total. Até hoje não sei como uma empresa pode ter sido tão camarada com um cliente. Talvez por ver como fiquei possesso quando soube do roubo.
Mas fiquei também com vergonha. Tanta que nunca mais aluguei nada lá (e não me proibiram de fazê-lo) e poucas vezes voltei. Foi o fim do meu ciclo na inesquecível ProGames de Santana.
Infelizmente o estabelecimento foi fechado no fim dos anos 90, após dois assaltos seguidos que dilapidaram seu acervo, segundo relatos. Araquém continuou circulando na área e a vontade de socá-lo era enorme sempre que o via. Só não foi posta em prática porque eu era burro mas não tanto: além de roubado, ainda apanhar?
Tive uma "pequena vingança" mais tarde com ajuda do Ken, mas é outra história...
KKKKKKKKKKKK PQP, TOU AQUI NO TRAMPO, cagando de dar risada. O saudades desse tempo.
Fiquei muito revoltado na época, hoje acho graça.
eu tinha um amigo que o pai dele era programador e de emprestasse o jogo pro reinaldo gordo podia contar que o voltaria com o label onde tinha os parafusos dos cartuchos atari furados, depoiss que comecei a ficar com a irma dele, ate levava o jogo novo com a desculpa para ver a denise
Certo, se fosse pra violar o cartucho, que tivesse alguma justificativa pelo menos. =D
Quero confessar meus pecados:
1- Cara....eu ja catei muita fita de master system dessa maneira, eu alugava e trocava o chip, eu tinha a técnica de descolar a label com uma chaleira saindo vapor quente, colocava um chip velho de algum jogo ruim e o dono nem percebia. E detalhe: Eu voltava lá dias depois e catava a capinha do jogo.
2-Quando tinha o Sega Saturn era raríssimo encontrar jogos, nem as locadoras tinham (estavam abarrotadas de playstation), por sorte achei um amigo do meu amigo que tinha aquelas capinhas de guardar cds recheadas de jogos do sega saturn, todos originais. Consegui na lábia pegar 80% dos jogos emprestados e nunca mais devolvi, ela não sabia onde eu morava.
3- A técnica mais tenebrosa aprendi logo depois, passei observar as locadoras de filme (que muitas delas tinham games também) que na hora que o cliente alugava a locadora não pedia documento com foto, ou seja, era só dar o nome, eles confirmava no sistema e pronto.
Com isso eu estava na recepção e gravei o nome completo de um dos clientes que aparecia na tela azul, três dias depois aluguei 4 fitas de nitendo 64 (muito caro na época), dois jogos do recém lançado dreancast (code veronica e mortal kombat gold) e sai fora..... faço ideia da confusao que gerei na locadora com isso, eles ligando pro cliente do nome que eu dei e o mesmo sem saber de nada.
Deus me perdoe por isso, se pudesse voltar atras e consertar...
Abraços, eu adoro esse site.
Menos mal se você hoje reconhece o erro. Abraço.
Cai nesse golpe, porém emprestei o cartucho para um "amigo" e quando finalmente reavi o meu cartucho depois de muito tempo de insistência, o pilantra tinha trocado a placa do meu Super Mario World pela placa da coletanea do Mario... Muita sacanagem.. E agora descobro que então era um golpe corriqueiro nas ruas.
Parece que sim, só não sei como conseguiam abrir e depois fechar tão bem, já que tem que dobrar parte do label pra isso (em cima). Ladrão sempre tem as "técnicas"...
Aqui no meu bairro também tinha uns moleques que pediam pra alugar, ou então pagar 1 hora para jogar na locadora. Eu sempre fiquei com um pé atrás de emprestar jogos de locadoras, na verdade só emprestava pra um amigo, que sempre foi de confiança.
A atitude da ProGames foi realmente louvável... hoje dificilmente alguém agiria dessa forma.
Eu diria que a atitude deles não foi profissional, mas humana.