Quando o Wii foi lançado em 2006 e começou a vender mais que pão quente, muita gente ficou chocada. Como podia um console menos poderoso que os rivais de geração – PlayStation 3 e Xbox 360 – vender tanto? Processador quase 80% mais lento, GPU 50%, quatro vezes menos memória, nem rodava DVD ou BD...
Mesmo assim, a Nintendo saiu vitoriosa com 101 milhões de Wii vendidos. Sony e Microsoft não exatamente perderam, mas tiveram que brigar pelo segundo lugar. Briga feroz: acabaram com uns 85 milhões cada. Continua sendo muita coisa.
Considerando o fiasco do GameCube, com seu hardware nada mal, muita gente viu o Wii "simplão" como um passo mais atrás ainda. "Pô, nunca vamos ter algo tipo o SNES, que humilhava o Mega Drive", etc.
Fora o já esperado apoio do Japão – onde o Wii chegou a vender na proporção 4:1 sobre concorrentes americanos – muito da explicação estava na novidade. Mesmo sem alcançar a excelência gráfica, tinha o Wii Remote e o Wii Fit, que se provaram populares.
E as franquias tradicionais da Nintendo? O Wii U provou que ajudam, mas não salvam um sistema.
Mas voltando ao Wii: a Nintendo recebeu um novo fluxo de jogadores e não eram necessariamente os mesmos do passado. Já não existia a barricada de fanboys fidelizados, em que cada um comprava seu aparelho do coração e atacava os outros. Ele convenceu da vovó se exercitando no Fit até o jovem que tinha um PlayStation 3 mas não dispensava Mario Bros. Wii ou Donkey Kong Returns.
Mais com menos
A lição do "fazer mais com menos" vai se demonstrando funcional de novo com o Switch. Lançado em 2017, o híbrido segue numa ascendente de vendas em plena crise de chips. Com 90 milhões de unidades, o Switch já ultrapassou as vendas finais de PlayStation 3 e Xbox 360. À frente, só o próprio Wii e o PlayStation 2.
E ao que tudo indica, vai passar ambos. Analistas do mercado estimam que até 2025, o Switch baterá em 155 milhões de unidades. É a marca histórica do PlayStation 2, cujo reinado absoluto já não soa tão intangível.
Juntando os modelos clássico e Lite, o Switch vendeu mais de 4 milhões de unidades em pouco mais de 2 meses. Segundo a Nintendo, vendas foram impulsionadas pelo lançamento de Animal Crossing: New Horizons, em março do ano passado.
Mas se jogos em si não salvam console e sem a novidade de um Wiimote, porque o Switch vende tanto? Uma soma de fatores e alguns lembram o Wii.
Preço
O PlayStation 3 teve um preço absurdo no lançamento. Com hardware mais barato de produzir, o Wii custava US$249,99. O PS3 saiu por US$499,99 no modelo econômico. O Xbox 360 custava US$299.
Agora temos um fim de oitava geração em que um Playstation 4 continua encontrado nos EUA a partir de 300 dólares – a partir, às vezes bem mais em bundles. O Switch tradicional é encontrado por US$299 e o Lite por US$199,99. Se a comparação for pela nova geração, só usando o Switch OLED, que custa US$399 – mesmo preço médio do PlayStation 5 na versão digital.
Em crise mundial, não fica difícil entender a escolha.
Momento
Enquanto o PS3 era caro, Xbox 360 tinha a imagem manchada pelo infame "Anel Vermelho da Morte". Já o Wii seguia pacato para as mãos do público geral. Pegou um momento excelente, com o preço certo. A Sony tratou de reduzir o preço do PS3, mas o estrago já estava feito.
Enquanto Microsoft e Sony não atendem à demanda pelos seus novos consoles, a Nintendo parece não sentir o efeito da crise global ainda. E mais bombas estão a caminho, como o novo modelo OLED, Metroid Dread, Shin Megami Tensei V, novos Pokémon, etc.
Relação aberta
Se a gente for justo, o Switch não concorre com PlayStation e Xbox. Pelo menos não no mesmo campo. Ele é outro animal e não se importa de ser a segunda opção (ou primeira) de quem já tem aqueles.
A ideia de um "super portátil" que você usa para jogar o melhor da Nintendo em qualquer canto – e por um preço em conta – é sedutora. Um estudo de 2020 mostrou que quase 60% dos donos de PlayStation 4 e 51% dos donos de Xbox One tinham um Switch. Já entre donos de Switch, a proporção do que tinham outro console era de 36 e 40%, respectivamente.
Já na época do Wii, a Nintendo não tratava os outros como rivais, focando no papel de "console adicional".
Estratégia antiga
A estratégia de não ter o hardware mais potente do mercado é antiga na Nintendo. Desde os anos 80, quando lançaram o Game Boy original, a ideia era aproveitar componentes "baratos" e tirar o máximo deles.
Gunpei Yokoi, criador do Game Boy e outros produtos da casa, chamava isso de "Pensamento Lateral". Como ele mesmo explicaria (e veja como se aplica em muito ao Switch):
Minha filosofia de desenvolvimento é fazer algo novo. Se você fizer um produto que não está disponível, terá um novo monopólio de mercado. Se criar produtos similares aos que já existem, competirá e se tornará parte de uma batalha de participação de mercado. Minha maneira de pensar é que é mais fácil criar um novo segmento se quiser competir nele.
Coincidência ou não, consoles poderosos da Nintendo não tiveram êxito comparável aos mais simples. O SNES até venceu a geração, mas teve combate feroz do Mega Drive. Nintendo 64 amargou o terceiro lugar, mesmo destino do GameCube que perdeu até do novato Xbox.
Já quando investiram em hardware simples, como Game Boy, Wii e Switch, nasceram fenômenos de venda. Parece que o espírito de Yokoi continua vivo na Nintendo.
Eu prefiro essa postura da Nintendo buscando outras coisas e inovações além do hardware supremo. A impressão que dá é que assim a distribuição do "market share" fica bem mais equilibrada, dando oxigênio para todos os players.
Exato, eles podem ter defeitos, mas ninguém ali é burro. Pra que competir com bilionários como Sony e Microsoft se dá pra coexistir? Estão aproveitando bem.