Semana passada foi enfim lançado GTA V para PC, que muita gente ingênua duvidou que existiria. Como bom pcista* que sou, só essa semana pude dar uma boa examinada no trabalho da Rockstar e meu... Realmente é de cair o queixo, e não só em gráficos, embora sejam um assombro — quem não ficou embasbacado durante um rolê de dirigível, pare com esse negócio de games e vá ver um filme.
*ou melhor, alguém que não tem console porque acha muito caro pra jogar só de vez em quando, mas se ganhasse ou encontrasse a preço de banana, usaria.
No caso de GTA, sempre curti também o desenvolver da trama, a ligação entre personagens e como uma geração pode influenciar ou até se misturar com outras. A Rockstar tem aquela política (pra mim ridícula) de eventos e personagens de um "universo" não existirem na outra, só pra não ter que explicar porque a Ponte Callahan não existe em GTA IV ou a Estátua da Felicidade não existe em GTA III. Assim, marcos do universo 2D — os dois primeiros games — podem não existir no universo 3D, que por sua vez podem não existir no universo HD (de GTA IV em diante).
Como se fossem dimensões paralelas, onde talvez pessoas existam, mas sendo diferentes. Confuso, mas quem assistiu Fringe aí vai tirar de letra.
Mesmo com essa restrição, a série fortaleceu personagens isolados em seus ambientes a tal ponto que a empresa se vê quase obrigada a fazer referências em cameos ou easter eggs aos caras do passado. Assim, não causa espanto ver uma camiseta da banda Love Fist ou encontrar a própria Grove Street em GTA V.
É difícil fazer uma lista dos melhores, já que ao fim de GTA V, devemos estar na casa das centenas, entre protagonistas, coadjuvantes e participações menores. Mas sem dúvida alguns marcaram mais. Essa é minha lista dos 10 mais interessantes. Pode não ser necessariamente nessa ordem, mas é por aí.
10. Hare Krishnas
De: GTA 1 e GTA 2
Frase: "GOURANGA"
No universo 2D, personagens de GTA tinham personalidades bem menos exploradas. Alguns nem tinham história, só uma explicação superficial no manual e nada mais. Na falta de um protagonista forte, quem ficou marcado foi o grupo de Hare Krishnas.
Apresentados como simples pedestres, cantando e tocando tamborins nas calçadas, se todos forem mortos em sequência (atropelados ou metralhados), ganha-se um bônus e surge na tela um "GOURANGA" — junto com quatro níveis de procurado. Se o jogador aproximar-se do líder, ele passa a segui-lo, e dá pra fazer maldades como colocá-los em situações perigosas; mas se assustados por um carro ou um tiro, todos saem correndo. Se o jogador bater num deles, ele esquece a paz de espírito e mete a porrada de volta, e pode virar uma briga generalizada até entre eles.
No GTA 2 ficaram mais organizados, com um líder (Sunbean) e história: Sunbean é o primeiro contato com Claude no setor industrial, e eles têm uma treta com a máfia russa e a Zaibatsu Corporation.
9. Lance Vance
De: GTA: Vice City
Frase: Say goodnight, Mr. Diaz! (Diga boa noite, Sr. Diaz!) — ao executar Ricardo Diaz, chefe do tráfico colombiano.
Lance foi eternizado em GTA: Vice City como o provável maior traíra da série junto com Big Smoke, por passar grande parte do tempo agindo como amigo e revelando-se no final. Traficante que trabalhava com o irmão Victor (jogável na expansão GTA: Vice City Stories), usa um típico terno claro oitentista, é cheio de falas mansas e intenções dúbias.
As atitudes irracionais e a insatisfação com o controle exercido por Vercetti no grupo criminoso vão mostrando um pouco de seu temperamento, que é resumido por Ken Rosenberg: "Ele é neurótico, ele é inseguro, ele é egocêntrico. O cara era um *uzão!".
Mais icônica que o próprio é sua dancinha ridícula, a "Lance Vance Dance", que faz quando está empolgado. Ela é citada algumas vezes em GTA: VC, mas só aparece em GTA: Vice City Stories. Sua frase ao matar Ricardo Diaz (e assim vingar o assassinato do irmão) é também marcante, numa cena que remete a Pulp Fiction.
8. Love Fist
De: GTA: Vice City, GTA: San Andreas e (parcialmente) GTA V
Frase: -
As rádios são uma tradição de GTA. Nos dois primeiros jogos havia rádios, mas foi no terceiro que a coisa ficou séria, e em GTA: VC, a Rockstar foi além de mesclar boas faixas do mundo real: criou uma banda fictícia. Nascia a Love Fist, e sendo o game ambientado no meio dos anos 80, nada mais característico do que glam metal.
Composta por integrantes de nomes sugestivos — Jezz Torrent no vocal, Dick na bateria, Willy no baixo e Percy na guitarra — e carregados sotaques britânico, seguem o máximo cliché, do visual espalhafatoso e vocais agudos, às missões que envolvem música e farras. São escoceses, o que explica a camisa da Argentina de Dick: a Rockstar é escocesa, e como arquirrivais esportivos da Inglaterra, até hoje comemoram a vitória dos hermanos na Copa de 86, no famoso jogo do gol de mão de Maradona.
Coletando informações aqui e ali, sabe-se que a banda acabou, voltou, e nos eventos de GTA V, Willy reaparece — exceção à regra da Rockstar de não misturar personagens de universos diferentes (lembrando que nasceram em GTA: VC, portanto no universo 3D, e GTA V faz parte do universo HD).
7. Tommy Vercetti
De: GTA: Vice City
Frase: This is the last dance for Lance Vance! (Esta é última dança de Lance Vance!) — ao matar Lance Vance numa troca de tiros.
Mantendo a linha de protagonistas psicopatas, depois de um ladrão de bancos mudo no GTA III, GTA: Vice City foi estrelado pelo ítalo-americano Tommy Vercetti, influência óbvia de Tony Montana, de Scarface.
Jovem impulsivo e violento, envolveu-se em múltiplos assassinatos no início dos anos 70 durante emboscada quando trabalhava para a Família Forelli. Dali, ganhou o apelido de Açougueiro de Harwood, bairro onde aconteceu o tiroteio. Ganhou também vários anos de cana, aceitando a pena quieto para evitar que a sujeira caísse sobre a máfia. Mas quando saiu, foi traído por Sonny Forelli, que o via como ameaça aos negócios por sua reputação. Resolve montar sua própria gangue, tocando o terror na cidade inspirada na Miami dos anos 80.
Suas tiradas irônicas e insanidade, somados ao estranho apelo que psicopatas têm, deram ao bandido popularidade ainda maior que o de Claude Speed, o anti-herói de GTA III, inexpressivo demais (afinal, era mudo). É inegável que os ataques de fúria e citações de Vercetti, como ao matar Lance Vance, deram novo fôlego para a série. Dublado por Ray Liotta.
6. Yusuf Amir
De: GTA IV: The Ballad of Gay Tony
Frase: You know... We were just having a little creative meeting and things went a bit crazy and... I somehow lost my pants! (Sabe como é... Estávamos aqui numa reunião criativa, as coisas ficaram meio loucas e... de algum jeito perdi minhas calças!) — para o pai, ao ser flagrado dançando de cueca com uma prostituta.
Filho de um magnata do Oriente Médio, Yusuf Amir tenta impressionar seu pai, um rígido executivo de Dubai, mas levando uma vida dedicada ao crime, garotas de programa e drogas, sempre o decepciona.
Citado em GTA IV, aparece na expansão The Ballad of Gay Tony, com intenção de investir em empreendimentos imobiliários, mas também usando serviços de capanga de Luis Lopez. Chama o bandido latino de "irmão", mesmo o tendo visto só duas vezes antes, ou mais frequente e de forma ingênua, de "nigga" (algo como "nêgo" ou "criôlo"), termo que lá soa bem mais ofensivo que aqui; muita gente nem a pronuncia, referida só como "aquela palavra com n".
Apesar de bobalhão, ele presenteia Lopez com uma submetralhadora de ouro, um fantástico carro dourado e até um helicóptero militar, mostrando desapego ao monte de dinheiro que tem (ou o pai tem). Faz o papel de palhaço que outros desempenharam antes, como o advogado Ken Rosenberg de GTA: VC e Brucie, do mesmo TBoGT, mas muito mais caricato.
Ganhou popularidade ao estrelar cenas como a dança de cueca ao som de Arab Money, tranquilo uma das mais engraçadas da série.
5. Catalina
De: GTA III, GTA: San Andreas
Frase: Die, idiota pigs! (Morram, porcos idiotas!) — para a polícia durante uma perseguição. A tradução mata a graça...
Seja como a principal vilã de GTA III, ou na participação menor em GTA: SA, a demente de origem mexicana e colombiana é um show nos dois games. Prima de Cesar Vialpando, o líder da gangue hispânica Varrios Los Aztecas, não se sabe muito sobre seu passado, exceto que iniciou na criminalidade em algum momento antes dos eventos de GTA: SA, em 1992. Conhece Carl Johnson por intermédio do primo e passam a ter uma relação enrolada, que mistura sexo selvagem e dominador (ela dominando CJ) com parceria em assaltos.
Após os eventos de San Andreas, ela parte com Claude e depois de um "tour" criminoso por vários pontos dos Estados Unidos, terminam na Liberty City de 2001, para desencadear os eventos de GTA III, quando trai o namorado durante um assalto a banco e se envolve com o cartel colombiano.
Seu comportamento bizarro faz dela um dos mais memoráveis da série. Parece ter sido o "molde" para, bem mais tarde, surgir a versão masculina de psicopata sem limites, com acessos de raiva e linhas de humor, Trevor.
4. Carl Johnson
De: GTA: San Andreas
Frase: Welcome to San Andreas, fool! (Bem-vindo a San Andreas, otário!) — ao roubar um carro.
CJ foi um novo rumo entre protagonistas da série. Enquanto desde o início da era 3D, os "heróis" eram personagens cruéis, sádicos ou só monstros na essência, Carl apareceu como o carinha do gueto que afastou-se de casa, dos "homies" e todo problema que trariam (se bem que não ficou longe do crime, pois teria ido para Liberty City roubar carros no fim dos anos 80).
Mas com a morte da mãe, é obrigado a voltar pra vizinhança e demais implicações como a guerra entre as gangues Grove Street e Ballas, e as ameaças da divisão C.R.A.S.H da polícia de Los Santos, que ameaça acusá-lo pela morte de um policial que eles mesmos mataram. Sem alternativa, e pressionado pelos amigos a lutar pelo bem dos "irmãos" da Grove Street, resta a velha realidade.
Ao contrário de Claude e Tommy, que não mostravam remorso em matar e roubar, CJ oferece a chance de redenção a certos inimigos, como o Oficial Pulaski, e até se arrepender de alguns atos, como ao arruinar a carreira do rapper Madd Dogg e depois salvá-lo. E no final, parece disposto a não seguir na marginalidade.
Essa guinada, com certa dose de comédia, confirmou que anti-heróis mais humanos e / ou humorados tinham espaço.
3. Trevor
De: GTA V
Frase: I need to meditate. Or masturbate... Or both. (Preciso meditar. Ou me masturbar. Ou ambos.) — para Ron Jakowski.
Quando a Rockstar divulgou as primeiras ilustrações de GTA V, em 2012, surgiu a hipótese de que veríamos velhos conhecidos, ou "cópias" deles: Michael como o "novo Vercetti", Franklin como o "novo CJ", e Trevor...? Falaram em "novo Claude", mas não tinha muito a ver, enquanto os outros guardam semelhanças além da física: um bandido fora da ativa voltando ao negócio e um jovem membro de gangue.
Descobrimos o maior psicopata da série: molestador, talvez canibal, serial killer, traficante; uma versão controlável e ainda mais doentia de Catalina. Drogado, instável e extremamente violento, é filho de prostituta e pai desconhecido, tento sido abusado de todas as formas na infância. Foi piloto da força aérea canadense, sonhando um dia lançar uma bomba, mas afastado por seu temperamento instável, rodou o norte dos EUA e sul do Canadá antes de se fixar em Sandy Shores, onde abriu um negócio: produção e venda de metanfetamina. As únicas pessoas com quem parece ter uma relação amistosa (e até afetuosa, o que contraria o perfil do psicopata clássico) são Michael e seus filhos, que cresceram vendo o monstro como um tio.
Logo de cara, a Rockstar queria deixar claro do que Trevor é capaz. A forma como escolheram demonstrar isso é de gosto duvidoso: na primeira missão, mata a pisões Johnny Klebitz, estrela de GTA IV: The Lost and Damned, um dos durões da série, como se fosse um inseto, pra pouco depois exterminar sua gangue, a The Lost MC, inteira. Apelativo, mas funcionou. Ele mata gente naturalmente, entremeando barbaridades com uma piada, um diálogo cômico ou uma cena burlesca. Sem um pingo de culpa ou hipocrisia, ao contrário do amigo Michael, que precisa de psicólogo e vive uma crise de identidade em sua mansão, como aposentado.
Estrela várias das cenas mais interessantes de GTA V, como as situações bizarras em que é encontrado ao trocarmos de personagem. A falha, pra mim, é ter pontos da personalidade que não batem com o psicopata que é, visivelmente colocados para torná-lo mais humano e palatável — quem aguentaria um psycho em tempo integral? Jogadores de Manhunt talvez...
2. Frank Tenpenny
De: GTA: San Andreas
Frase: You'll never understood what I did! Fifty of me and this town would be OK. (Vocês nunca vão entender o que eu fiz! Cinquenta como eu e essa cidade ficaria bem) — pouco antes de morrer.
A figura do bandido de farda ou escritório é importante no mundo de corrupção extrema de GTA. Em San Andreas, todos puderam odiar com força o Oficial Tenpenny, que entre propinas, conluio com o crime organizado e até assassinato de policial que não participava de seus esquemas, faz de tudo para atazanar a vida de Carl Johnson.
Tenpenny teria sido militar antes de juntar-se à divisão C.R.A.S.H (que existe na vida real, em Los Angeles). Mas em vez de cumprir seu papel, usa membros de gangues como soldados para crimes em benefício próprio desde fins dos anos 80. Essa "aliança", de certa forma, ajuda a manter a guerra entre gangues sob controle e sob sua ótica, é um bem para a cidade.
Quando Ralph Pendelbury descobre as atividades paralelas de seu grupo, é assassinado por Jimmy Hernandez, recém-chegado ao C.R.A.S.H, como se fosse um batismo. Eles culpam CJ — pra eles, só mais um marginalzinho do gueto — pelo crime assim que chega a San Andreas, colocando a arma usada por Jimmy em sua mão. Se ele não fizer certos "trabalhos", será preso.
Teve a dublagem mais que mítica de Samuel L. Jackson, que soube como ninguém dar a entonação e atuação perfeitos para Tenpenny. Ajudou a torná-lo um dos personagens mais detestáveis da série, exatamente o que o torna grandioso. Não faria feio frente aos grandes policiais corruptos do cinema, como Denzel Washington em Dia de Treinamento ou James Cromwell em Los Angeles Cidade Proibida.
1. Niko Bellic
De: GTA IV, GTA: The Ballad of Gay Tony, GTA IV: The Lost and Damned
Frase: So this is what the dream feels like? (Então essa é a sensação de realizar um sonho?) — no fim do jogo, ao completar sua vingança.
Em GTA IV, mais uma inovação, dessa vez com um protagonista imigrante, o sérvio Niko Bellic. Ex-soldado da Iugoslávia durante a guerra civil, sugere-se que é de natureza pacífica e bom coração, mas foi corrompido pelos horrores da guerra, quando viu e cometeu atrocidades antes dos 17 anos. Como resultado, tornou-se seco, cínico e descrente na vida e nas pessoas.
Atuou com tráfico humano nos anos seguintes, antes de ir para Liberty City a convite do primo por parte de pai, o bonachão Roman (figuraça, por sinal), onde supostamente viveria em sua mansão cheia de carrões e mulheres. Mas claro que no mundo de GTA, não há lugar para refúgios: além da vida de Roman ser, no mínimo, bem mais modesta, Niko trazia consigo o desejo de vingança contra fantasmas do passado.
Suas ações ao longo do jogo revelam um tipo complexo, capaz de fuzilar pessoas desarmadas e arriscar a vida para salvar a dos outros, ou sentir verdadeiro pesar pela dor dos McReary, mesmo tendo sido ele o assassino de um dos irmãos (um policial corrupto). Assim como CJ, cai de paraquedas no meio de uma guerra, tem um ente querido morto; compartilham da vontade de levar uma vida normal. Mas ao contrário do outro, que confia nos "homies", tem irmãos e amigos, Niko é solitário e traumatizado.
Por isso tudo, é difícil haver senso comum sobre o personagem: só um assassino ordinário que busca saída a qualquer custo, ou um bom homem corrompido por um trauma? Talvez ambos.
Bônus
Alguns não entraram na lista principal, mas merecem destaque.
The Truth: esse quase entrou no lugar dos Hare Krishnas. Velhote hippie que dirige uma Kombi psicodélica, e fala sobre conspirações governamentais e alienígenas.
OG Loc: o rapper de araque de San Andreas continua aparecendo até as versões recentes do game em easter eggs, como no quarto de Franklin em GTA V. Engraçado ouvir os pedestres falando (mal) sobre ele.
Brucie Kibbutz: o marombeiro que até mudou seu segundo nome para "motivação" mas também vende e usa anabolizantes e tira um sarro de Niko por sua "gordura".
Candie Suxxx: atriz de filmes adultos em GTA: VC, é citada em games posteriores, como num display iluminado em Las Venturas em GTA: SA, e numa revista em GTA V.
Little Jacob: o inglês quase indecifrável do jamaicano de GTA IV chamou mais atenção que ele próprio.
porra faltou o luis lopes
Cara, o personagem principal do GTA III aparece no GTA SA, na ultima missão da Catalina