Konix MultiSystem, o console que mudaria a 4ª geração?

No aguardo pela 4ª geração, quando videogames eram de novo vistos com bons olhos (repita comigo: obrigado, NES!), muita gente queria investir. Veteranas pré-crash de 1983, refugiadas nos arcades durante o período de vacas magras, estavam prontas para voltar ao ataque, e novatas também se animavam a explorar esse mundo.

A Namco sonhava com o Super System (não virou), a Sega estava prestes a lançar o Mega Drive, a Nintendo trabalhava no Super Famicom. E ainda tinha a NEC com o PC Engine. O que essas promessas tinham em comum? Os velozes processadores 16-bit. E o que mais? Eram do Japão, claro, berço de quase todo console de sucesso — regra só quebrada com a ascensão do Xbox (sem falar da 2ª geração, que se fez na América).

Mas uma desenvolvedora de controles com certo renome na Europa no início dos anos 80, planejava mudar esse padrão com um salto ambicioso: criar seu próprio console 16-bit, o Slipstream, mais tarde Konix MultiSystem.

E não seria uma cópia ordinária de quem estava na estrada. A Konix tinha ideias novas ou pelo menos muito ousadas para seu tempo, algumas curtidas hoje nos Xboxes e PlayStations da vida...

Konix MultiSystem flyer

Raio-X

Desenvolvedor: Konix / Flare
CPU
: 16-bit 8086 (6 MHz)
Coprocessador: ASIC
RAM: 128KB, depois aumentada para 256KB
Cores: 4096
Resolução: 256 x 200 (256 cores), 512 x 200 (16 cores), 256 x 200 (16 cores)
Som: DSP baseado em RISC, estéreo, até 25 canais
Armazenamento: floppy 880KB 3.5" e expansão para slot de cartuchos
Slogan: "Experience the Reality"

Koni... Quem?

Konix Multisystem
Konix Multisystem, como divulgado em revistas na ocasião de sua aparição na CES de 1988.

A Konix desenhava o que seria outro em sua linha de acessórios, o Slipstream, um controle "camaleão": com módulos destacáveis da peça principal, viraria volante, manche ou guidão, além de ser o primeiro joystick doméstico a ter force feedback; o mais famoso dos pioneiros, Microsoft Sidewinder Pro, só chegou ao público em 1997; o CH Force FX é da mesma época. Tecnologia quase dez anos à frente de seu tempo!

Mas a equipe concluiu que aquilo tinha potencial pra ir mais longe; em vez de ficar ajustando compatibilidade com cada máquina em que pudesse ser conectado, por que não transformá-lo na própria máquina?

Wyn Holloway, presidente da Konix, revelou o plano à mídia inglesa em 1988, quando se aproximou da Flare Technology, formada por Martin Brennan e John Mathieson, além de Ben Cheese. Todos engenheiros desligados da Sinclair (a mesma do ZX Spectrum) após a venda do setor de computadores para a Amstrad, eles tinham em mãos o projeto Flare One, hardware baseado em outro projeto que começaram na Sinclair, o Loki, e estavam abertos à possibilidade de fundi-lo com outro produto. A CPU do protótipo era Z80 (8-bit), para competir com máquinas como Commodore Amiga e Atari ST, só que mais barato de produzir. Ele chegou a ser usado em máquinas de quiz e arcades da britânica BellFruit.

Jeff Minter e Konix
Jeff Minter foi um envolvidos com o Konix MultiSystem. Vejam a caixa (provavelmente ainda em esboço) ao fundo.

Como o alvo era o mercado de computadores, mas de olhos nos gamers, o Flare One tinha capacidade gráfica próxima (ou até superior) aos 16-bit concorrentes. Mas a empresa não tinha recursos para a produção em massa, e quando Holloway surgiu com a sugestão de mesclar aquilo com a cria da Konix para virar um videogame, pareceu ótimo e a parceria foi fechada. Jeff Minter, da Llamasoft, foi um dos primeiros a desenvolver software.

Mathieson lembra que Holloway estava animado quando procurou a Flare: "O primeiro encontro com Wyn Holloway, da Konix, foi em agosto de 1988. Ele queria nossa tecnologia para um projeto apelidado "Slipstream" — o famoso controle que parecia revolucionário. O plano era lançá-lo em janeiro de 89. Tínhamos que combinar quatro ASICs do Flare One num único chip LSI Logic, mudar o processador Z80 8-bit para 8088 16-bit, e tudo ficar pronto para o mercado em 5 meses! A empolgação era grande. Wyn disse que nos pagaria 1 libra por cada unidade vendida como royalties, e falava em dezenas de milhões de vendas".

Se concretizados, os planos de Holloway podiam fazer um belo estrago...

Desenvolvimento e aparições

Como queria a Konix, o processador foi substituído, ganhando também um aumento na paleta de cores (4096 cores). Para reduzir custos, os 4 chips do Flare One foram condensados no circuito integrado único, e a mídia seriam disquetes de 3.5" em vez de cartuchos, antes favoritos — máquinas da BellFruit tinham armazenamento em disquetes e partes em ROM, mas pela meta de vender jogos a 15 libras, a Konix apostou nos floppy discs.

Supõe-se que a empresa tinha algum tipo de proteção contra cópia disponível, mas não há certeza se implementariam ou não, pois os disquetes eram proprietários (formato exclusivo, diferente do padrão), o que já traria certa dificuldade na cópia.

Konix MultiSystem controles
Carro, avião, moto: o MultiSystem teria vários módulos de controle.

Por requisição de programadores, a memória foi aumentada de 256 para 512KB; um cartucho com 512KB adicionais era considerado para o futuro. O DSP tinha potencial teórico para gerar até 25 canais de áudio, mas o uso real dificilmente passaria de 8: a memória gargalava, pois cada canal criava um fluxo de dados armazenados nela antes de passado aos chips para enfim produzir o áudio.

O MultiSystem foi revelado na revista Electronic Gaming Monthly (EGM) em julho de 1989, e na edição de setembro, mostrado com detalhes. Além do bom processador, teria suporte a MIDI, periféricos inovadores como uma cadeira tipo arcade com movimento hidráulico, pistola light gun e suporte à conexão de consoles para multiplay. O lado camaleão do Slipstream continuava: era fácil transformá-lo em volante, manche de avião ou helicóptero, usar o controle numérico, etc.

A cadeira Power Chair se destacava. Desenhada por Steve Gallichan e Paul Neal, da Level Six Design, foi do papel ao protótipo funcional em 6 semanas. Motores reproduziam no assento as viradas e freadas do game; a TV, posicionada numa extensão do dispositivo, seguia o movimento, assim o jogador não viraria o pescoço pra buscar o monitor a cada curva — hoje qualquer estrutura simples segura um LED pequeno e leve, mas em 1988...

O flyer promocional anunciava uma cobertura tipo cabine, mas ela não aparece nas imagens disponíveis. O pacote de customização incluiria também alto-falantes estéreo e painéis (provavelmente só estéticos). O setor de Pesquisa e Desenvolvimento da Konix viajava na criatividade testando muita coisa, como módulos para ski e bicicleta, e até uma bomba de ar que em games de moto ou ciclismo, simularia vento no rosto do jogador de acordo com a velocidade do veículo!

Konix MultiSystem light gun
A pistolo ajustada como arma manual leve ou rifle futurista, com acoplamento de suporte e mira.

A light gun teria visual futurista antigo (deu pra entender? Parece aquelas pistolas laser vistas em filmes antigos) em plástico azul, inútil para bandidos na vida real, configurável como pistola ou rifle. Até aí nada de tão anormal, certo? O diferencial era um sistema de força para reproduzir o recuo do disparo: tecnologia háptica com quase uma década de vantagem sobre o Rumble Pack da Nintendo.

Não havia games prontos, mas planejados — algo entre 22 e 24 títulos em algum estágio de desenvolvimento, entre eles Starglider 2, Manchester United Official Game e Eddie Edwards Super Ski. Várias softhouses estavam na espera, como Electronic Arts, Psygnosis, Mirrorsoft, US Gold e Ocean, mas só colocariam a mão na massa depois de ver o hardware pronto. Especialmente companhias europeias estavam comprometidas com software para computador, e não valia a pena investir tempo sem ter garantia de retorno.

Em certa fase, a Lucasfilm tentou comprar direitos sobre o MultiSystem e transformá-lo num produto da linha Star Wars. A Konix ainda cuidaria da máquina na Europa, mas após quase três meses de negociação, divergências sobre dinheiro encerraram a parada: a empresa de George Lucas não quis colocar dinheiro adiantado na empreitada.

O Konix MultiSystem precisaria competir com games de computador e consoles, e ainda tendo aquela forma estranha. O mercado estava ansioso pelo aparelho*, mas novidades muito bruscas às vezes assustam o consumidor...

* revista Video Games & Computer Entertainment, agosto 1989, pg 22

Konix Power Chair

Pelo menos as impressões sobre ele eram positivas. Jeff Minter descrevia o controle como "fantástico"; Chris Walsh, da Argonaut Games, previa que "games poligonais como Starglider 2 serão fáceis de programar. A máquina é feita para rotacionar vértices a taxas incríveis". A EGM notou que embora não carregasse na embalagem um nome forte como Sega ou Nintendo, o projeto "parece ter muito poder".

Haviam problemas e incertezas também: a cadeira foi citada por quem a viu como interessante, mas além de ter respostas lentas, o preço final seria alto. O design do console decepcionava: a imprensa britânica o descreveu como "assento sanitário com manches".

A conclusão da EGM não era das mais otimistas: "O alto preço planejado (199 libras, cerca de 350 dólares, pelo aparelho com dois jogos, um controle e um leitor de disco) aliado a uma biblioteca de games inadequada, pode eliminar a Konix antes mesmo de começar".

"Sabotagem", fracasso e pós-vida

Konix MultiSystem Power Chair
A cadeira, usada em conjunto com os pedais, prometia "realismo" em games de corrida.

Apesar das especificações impressionantes, o hardware era complicado para designers de games. Nick Speakman, da Binary Designs, lembrou que "os chips eram poderosos, mas exigiam muito talento do programador para tirar algo deles".

Faltava memória para o que a máquina se propunha a fazer. Como um dos componentes mais caros, foi reduzido para baratear o console, mas criava um potencial problema para o áudio, como explicou Brian Pollock, da Logotron, na tradicional revista ACE, em março de 1989:

"Minha única preocupação é memória — ou falta dela. Normalmente quando escrevo um game, estou usando som FM em seis canais, o que ocupa bastante memória. Eu não teria como usar mais samples, o que é triste".

Com dificuldades financeiras da Konix, o projeto passou a atrasar. Como a data de lançamento mudava toda hora, a credibilidade caiu e desenvolvedores foram perdendo interesse. Em março de 1990, a Konix vendeu os direitos de distribuição na Europa para a Spectravision, também do Reino Unido, numa tentativa desesperada de manter-se viva.

Mas não adiantou: o dinheiro acabou. Holloway tem certeza que houve influência de concorrentes estrangeiras sobre seus fornecedores, clientes e financiadores.

Quando eles [as grandes concorrentes] não querem, não querem e fim. Nossos bancos de repente passaram a dizer "Não, não podemos mais te ajudar", e tínhamos letras de crédito, dinheiro garantido... A Toys"R"Us no Reino Unido queria 50 mil unidades. Com uma carta de crédito de 50 mil unidades...

Ele garante que a Konix tinha não milhares, mas milhões de pedidos — o que teria despertado atenção não só da mídia, mas de poderosas multinacionais japonesas dispostas a tudo para evitar seu sucesso. "Se tivesse sido lançado, eu seria [rico como] um Bill Gates", exagera.

A MSU (MultiSystem UK), nascida das cinzas da Konix, ainda insistiu em terminar o console-controle com as "sobras" do MultiSystem, mas não obtiveram êxito. Holloway, com 80% de participação em outra companhia, a MSC (MultiSystem China), lançaria um controle com o mesmo design e ideal, o MSC MultiSystem, mas já sem nada de hardware dentro — logo, similar aos primórdios do Slipstream...

MSC MultiSystem

Como "sucessor espiritual" do sonho de Holloway, porém, nasceria o Atari Jaguar. Impressionada com o MultiSystem, a Atari financiou a Flare II, com Martin Brennan e John Mathieson da Flare Technology desenvolvendo seu novo console. O trabalho foi dividido entre o Panther (32-bit) e Jaguar (64-bit). Como o segundo evoluiu mais depressa, o outro foi encerrado ainda no design inicial. Jeff Minter desenharia um dos únicos games de renome da máquina, Tempest 2000.

Inovador o MultiSystem sem dúvida seria, mas aceito como um Wiimote, como divaga o site dedicado às memórias do projeto, não dá pra saber. É difícil acreditar que ele tomaria público dos PCs, então seu campo de combate seria exatamente contra Mega Drive e Super Nintendo :chuva:

Seja como for, é uma passagem fantástica do mercado de games.

Leituras

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

2 COMENTÁRIOS

  1. Ora ora .... fiquei impressionado, matéria espetacular, digna de um documentário. Como um velho gamer que viveu intensamente a década de 80, eu jamais tinha houvido falar nesse console, e no fim que ele levou.

    Daniel, você e sua equipe tem um talento fabuloso para escrita, nunca pensaram em transformar alguma de suas matérias em vídeo? Seriam documentários excepcionais.

    • Grande Old-Hutter, valeu!

      Eu também não conhecia o MultiSystem até semanas atrás, quando procurava assunto numa EGM antiga e vi o artigo sobre a CES '88. Interessantíssimo e quase desconhecido.

      Tenho alguns vídeos no canal do Memória BIT no YouTube, mas só gameplay e coisas do tipo. Tenho pensando sim em fazer matérias, apesar de curtir mesmo é texto. Estou considerando, só falta melhorar a dicção e arrumar um ótimo microfone! =D

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