Início da queda: esnobar rivais
No começo dos anos 90, a Sega era um zero à esquerda em consoles. Vinham de um fracasso quase mundial com o Master System. Tinham um escritório paupérrimo nos Estados Unidos em comparação com a cada vez mais gigantesca Nintendo. Seu respeito residia nos arcades como Altered Beast, Super Monaco GP e Golden Axe.
Com o fim iminente da terceira geração, decidiram investir numa nova plataforma. Era o Mega Drive, que mais avançado que o NES, ganhou um pouco de terreno no Japão. E depois, muito terreno nos Estados Unidos.
Leia também → A Guerra Sega x Nintendo
Foi quando a Nintendo cometeu o pecado da soberba. Vendo-se tanto tempo no topo do mundo, subestimou a concorrência. Em vez de investir logo no cogitado Super NES, preferiu esperar e extrair o máximo do 8-bit. Acreditavam que a enorme base de usuários esperaria placidamente pelo sucessor.
No Japão mais que fidelizado funcionou, mas de forma geral foi um erro. Com a lerdeza, a então nanica Sega foi se firmando com o Genesis. Enfim a Nintendo se convenceu de que o fôlego do caçulinha havia acabado e quase dois anos depois fez o contra-ataque ao Mega Drive. Mesmo assim, demorou até equilibrar a disputa que terminou em extremo equilíbrio, algo inimaginável na era do NES.
Mesmo com o 16-bit em ação, ainda lançaram o remodelado NES2, com preço aproximado de US$ 50. Mas ficou na praça por apenas seis meses, sendo descontinuado em março de 1994.
Oficialmente o NES foi descontinuado nos EUA em 1995. No Japão, o Famicom recebeu suporte até setembro de 2003, quando foi interrompida a produção e assistência por falta de peças de reposição. Foram incríveis vinte anos de vida numa caminhada mais que vencedora.
NES na Europa
O NES foi lançado na Europa em etapas, de forma casual e desorganizada. Não havia representação da Nintendo – a divisão local foi estabelecida em junho de 1990. A maior parte da Europa recebeu o sistema em 1986, sendo distribuído por várias empresas.
Reino Unido, Irlanda, Itália, Espanha, Portugal, Austrália e Nova Zelândia receberam o NES em 1987, distribuído pela Mattel. A resposta do público foi bem menos entusiástica do que na América e Japão; a Nintendo ficou para trás da rival Sega. Longe dos grilhões comerciais, produtoras europeias como US Gold e Ocean Software foram importantes para o Master System.
NES no Brasil e outros mercados
Brasil
Muito antes de aparecer oficialmente em 1993 pela Playtronic, o NES já era bem conhecido do público brasileiro graças aos cloNES. Depois de ganhar experiência com o Atari 2600, amplamente copiado por empresas locais, o 8-bit da Nintendo foi o caminho escolhido por muitos produtores.
A Gradiente fez grande sucesso com o Phantom System, talvez o mais popular clone de NES no Brasil. Seu design era similar ao do Atari 7800 – que preparavam para produzir oficialmente, desistindo na última hora em favor de clonar o NES. Todo o projeto do 7800 já pronto foi reaproveitado, daí a semelhança. O controle imitava o do Mega Drive, com um botão de turbo.
A CCE começou a produzir o Top Game VG-8000, seguido pelos VG-9000 e VG-9000T (Turbogame), com pequenas diferenças no design e controles. Tendo como modelo o SG-1000 da Sega, esses clones usavam cartuchos padrão japonês de 60 pinos na versão 8000, e slot de 60 e 72 pinos a partir da versão 9000. Tinha fios do controle fixos no console.
Outros cloNES dos tempos áureos incluem:
- Bit System - fabricado pela Dismac, similar ao NES americano.
- Dynavision II - da Dynacom, feito em claro e com joysticks tipo manche.
- Super Charger - da IBCT, parecido com o Famicom.
- Hi-Top Game - feito pela Milmar.
Volta e meia ainda são fabricados clones de NES, como o Dynavison Xtreme (feito pela Dynacom até sua falência em 2011) e o pitoresco Polystation – famoso por imitar o design do PlayStation e ser vendido em camelôs e shoppings de produtos importados.
Se a presença dos clones foi a salvação de quem não podia importar um NES original, por outro lado foi ruim a falta da Nintendo oficialmente no Brasil. Enquanto a Sega tinha a Tectoy para divulgar o Master System no seu auge, com ações como o Master Clube na Rede Globo e apoio de editoras, o NES seguia na pirataria ou importação.
Quando Gradiente e Estrela se juntaram para formar a Playtronic, era tarde para o já obsoleto NES. Quem comprou teve enfim o aparelho com assinatura e suporte oficial, mas o sistema jamais gozaria da popularidade e do timing dos clones, onipresentes na glória dos 8-bit.
Outras partes do mundo
Após a fim da ocupação japonesa da Coreia*, uma série de leis baniam a distribuição de material cultural do Japão no país. Por isso, produtos como o Famicom só podiam entrar se fossem produzidos e distribuídos por empresas não-japonesas.
O hardware foi então licenciado à Hyundai Electronics, resultando no Comboy (현대컴보이), que teve sucesso apenas razoável. O console foi fabricado no mínimo até 1992 e tinha praticamente o mesmo visual do NES americano, com acréscimo da marca local.
Até dezembro de 1992, apenas portáteis eram vendidos na Rússia, além da importação do Atari 2600 e depois de videogames japoneses. O NES nunca foi lançado oficialmente na União Soviética, mas foi distribuído em países da ex-URSS como Rússia, Ucrânia e Cazaquistão pela Steepler.
Ao abrir escritório no Taiwan, a Steepler – empresa de tecnologia e representante local da Hewlett-Packard – se aproximou da TXC Corporation, que vendia clones de NES para o mundo todo sob a marca Micro Genius. As duas fecharam acordo de fabricar clones do Famicom com a marca Dendy, usando componentes chineses e sendo montados no Taiwan.
O primeiro modelo sob a marca Dendy foi o Micro Genius IQ-501, vendido no Natal de 1992 por 39 mil rublos (US$ 94). Fez rápido sucesso e virou objeto do desejo de crianças dos oito aos catorze anos. Um mascote foi desenhado pelo artista Ivan Maximov e a forte campanha de marketing teve textos criados com ajuda de especialistas em neurolinguística.
Isso tudo tornou a marca muito popular. Aparelhos posteriores eram genericamente chamado de "Dendy"; o nome virou sinônimo local de videogame. Em abril de 1993, a Steepler tinha quatro revendedores; no fim do ano, já eram mais de 350 em toda a CEI, sendo 35 autorizados fornecendo garantia e serviço pós-venda. Em setembro foram vendidos mais de 2 mil consoles por dia. A demanda cresceu tanto que a Steepler não conseguia mais atendê-la e teve que suspender temporariamente a campanha publicitária.
No total, o faturamento em 1993 cresceu de US$ 20 mil para US$ 500 mil ao ano, e em 1994 chegou aos US$ 60 milhões.
Ainda em 1993, a empresa começou a trabalhar no fortalecimento da marca, lançando uma revista própria nos moldes da Nintendo Power: a Video Ace Dendy (Видео-Асс Dendy) circulou a partir de agosto. A partir de 1994, a Steepler passou a exigir que revendedores vendessem só o Dendy. Com isso, o número caiu de 74 em dezembro de 1993 para 52 revendedores no março seguinte. Em setembro, a marca chegou à televisão com o programa Dendy - Nova Realidade.
O Dendy foi fabricado até 1994 e vendeu cerca de um milhão de consoles. A Steepler tentou várias vezes oficializar o Famicom na Rússia, mas a Nintendo não demonstrou interesse em parceria e só apareceria meses depois para tentar conter o crescimento da Sega na região.
Legado
Além de ser o console com a maior vida comercial da história, o NES trouxe uma série de inovações que foram dos controles ao design, passando pelo modo de licenciar jogos. Transformou um negócio falido em algo extremamente sólido e rentável. Se hoje a indústria de games existe, muito se deve ao NES.
O sistema deixou uma série de games inesquecíveis que continuaram nas plataformas modernas, explorados até hoje. Alguns dos principais foram relançados várias vezes em consoles posteriores e através dos consoles virtuais de Wii, Wii U, 3DS e Switch.
NES Classic Edition
Em 10/11/2016, a Nintendo homenageou seu 8-bit com o lançamento do NES Classic Edition, versão em miniatura do console com 30 jogos na memória. Apesar da semelhança estética, o aparelho é um emulador rodando num SoC com processador Quad-Core ARM Cortex-A7 de 32-bit, com 512 MB de armazenamento flash e 256 MB de memória DDR3. O conjunto resultante é centenas de vezes mais potente que o hardware original.
Os controles da versão internacional do Classic Edition usam o mesmo conector do Wii Nunchuk, permitindo que seu controle seja conectado ao Wii Remote para uso com jogos dos consoles virtuais de Wii e Wii U. Acessórios para o Wii como o Classic Controller também podem ser usados com o NES Classic.
Já na versão japonesa, Famicom Classic Edition, os controles são conectados ao console exatamente como no Famicom original, ou seja, com fios fixos. O controles do Famicom Classic também são proporcionais ao tamanho do console, portanto menores que seus equivalentes internacionais.
O console usa o sistema operacional Linux, rodando os jogos em emulação desenvolvida pela NERD (Nintendo European Research & Development). Ela foi considerada superior à emulação do NES no virtual console do Wii U. O sistema oferece três modos de tela: padrão 4:3, modo pixel a 1:1, e modo CRT, desenhado para tentar imitar o efeito da saída de vídeo composto do NES original.
A Nintendo da América trouxe de volta o serviço Power Line como linha telefônica automatizada entre 11 e 13/11/2016, em comemoração pelo lançamento do Classic Mini. As primeiras edições venderam rapidamente, fazendo disparar o valor das unidades em sites de leilão. Foram vendidos 2,3 milhões de consoles ao preço de US$ 59,99, até ser descontinuado em abril de 2017.
Contudo, a distribuição foi retomada em junho do ano seguinte devido à contínua demanda – o NES Classic foi o console mais vendido daquele mês, à frente dos aparelhos da geração atual como PlayStation 4, Xbox One e Switch.
No total, foram vendidas 3,6 milhões de unidades do NES Classic Mini até junho de 2018. Em dezembro de 2018 a Nintendo anunciou que o Classic Mini não seria mais produzido e que a principal forma de oferecer conteúdo clássico aos consumidores continuaria sendo o Switch Online.
Jogos clássicos
Muitos clássicos no NES. Uma lista básica:
Essa lista é incrivelmente pequena. O NES foi um fazedor de hits.
Emulação
São muitas opções de emulador disponíveis. Entre as melhores:
- vNEs (Virtual NES) - emulador para Windows relativamente novo. Requer DirectX atualizado.
- jNES - também para Windows, é mantido pelo mesmo desenvolvedor do Project64, emulador de Nintendo64. Permite jogos online pelo Kaillera, uso de cheats via Game Genie e Action Replay, e emulação da pistola Zapper com o mouse. Um dos mais completos.
- NEStopia - para Windows, Linux e Mac, com todas as principais funções de bons emuladores.
- FCEUX - emulador multi-sistema de NES e Famicom Disk System, de código aberto.
Foram lançados incontáveis periféricos para o NES e Famicom. Confira uma lista quase completa na Wikipedia.
Bibliografia
Fontes não citadas ou com link no artigo.
Atualização mais recente: 24/08/2021
Uau, simplesmente maravilhoso, muito obrigado por esse artigo!
Muito bom!!!! Tive um TopGame VG 9000 da CCE usado e na era 16 bits vivia em locadoras e fliperamas, nunca tive um super nes ou mega drive!!!! A era 8 bits era bem divertida, onde eu pude jogar clássicos do atari no VG 3000 da CCE que também tive e os bons tempos do clone CCE NES!!!!! valeu
Artigo muito bom e completo. Parabéns.
Taí o videogame responsavel por reascender o interesse por videogames no mercado americano! O verdadeiro campeão dos 8-bit !!!