Em 2020, uma "loja" chamada 123importados ficou famosa. Com comerciais na TV e internet, a importadora anunciava produtos muito abaixo do preço praticado nas demais. TVs LED 4K Smart e máquinas de lavar foram compradas aos montes por consumidores enlouquecidos pela chance única.
Alguns itens custavam metade do que seria normal. Que loja daora, hein?!
Aos olhos mais ingênuos e/ou esbaforidos, tinha uma aura de verdade nela. Como uma loja que anuncia na TV seria criminosa?, pensava o ludibriado em sua autotapeação confortável. Tinham página em redes sociais, mostrando vídeos de "felizes consumidores" exibindo as TVs que claro, receberam da importadora dos preços malucos. Alegavam ter um método inovador de negócio.
Todo mundo sabe no que deu. E quem não sabe, fique sabendo; é uma lição imperdível para consumidores virtuais.
Com a crise de fornecimento das placas de vídeo, elas são a nova mina de diamante para golpistas. Como estou sem GPU nenhuma – fiz a atrocidade de vender minha RX570 8Gb no fim do ano passado, pior negócio da minha vida –, andei pesquisando e topei com pelo menos cinco sites parecidos com o 123importados.
Sabem como é, aquela vibe de falcatrua prestes a acontecer. Preços insanos. Uma galera empolgada despejando dinheiro em boletos de placas que nunca verão. Perfis menos que suspeitos dizendo "Içumemo, comprei e já recebi tudo, podem confiar amiguinhos".
Enquanto escrevo, um desses sites está no centro das atenções, com promoções fora da realidade do planeta. Não é hipérbole. Não vou citar nomes, mas quem pesquisou placas de vídeo esses dias já deu de cara com ela no topo dos resultados do Google. O que não quer dizer absolutamente nada em termos de confiabilidade.
Você chegou aqui porque confiou e comprou, mas agora está cag***o de medo de ter levado rasteira? Lembram da cena no começo de Matrix, em que o policial diz ao Agente Smith que seus homens foram buscar Trinity e já voltam? Ele responde "Não, tenente. Seus homens já estão mortos".
Então, é isso. O dinheiro de vocês já morreu, só não sabem ainda.
Quando a esmola é muita
Tem gente que não estranha uma GTX 1060 6Gb – um das favoritas de mineradores de criptomoedas pelo custo x benefício – novinha por 980 reais. As usadas no Mercado Livre andam nas vizinhanças de R$3 mil.
Ou uma RTX 2060, raramente vista abaixo de seis mil, por R$4100.
Ninguém no mundo tem grandes estoques hoje. Há uma falta aguda de componentes que só deve se estabilizar (talvez) lá pro fim do ano. Quando aparece uma carga, mineradores encostam o caminhão e catam tudo pra minerar Ethereum.
O negócio é tão sério que a Nvidia vem reforçando que suas placas de vídeo são, vejam só!, para dar vídeo e não rodar em full 24x7 fazendo cálculos! Estão capando de suas placas novas o poder total de mineração para impedir que mineradores, com mais poder de investimento que jogadores (afinal, há um retorno financeiro na atividade), comprem todas, piorando a situação de "desabastecimento".
Mas essas lojas, mesmo sendo nanicas online no remoto Brasil, com suas sedes "humildes", anunciam de tudo. Aí os dias vão se passando e ninguém (ou a imensa maioria) recebe o que comprou. Filme repetido e ruim.
Por que as pessoas acreditam nessas lojas? Um misto de inocência, desespero, medo de perder uma grande oportunidade. Mas no capitalismo não existe almoço grátis: se algo está barato, alguém vai pagar a conta e não é o vendedor.
Como identificar uma furada antes de entrar nela? Nunca dá pra dizer com 100% de certeza até que a grande ? aconteça. Mas é possível se prevenir observando várias características em comum dessas lojas de fachada.
Importante: isso não é o aconselhamento final. Golpes evoluem assim como o próprio comércio online. É quase impossível que surja um lojista pirado o bastante pra vender seu estoque a preço de banana. Quase. Considere como conselhos de um tiozão desconfiado que vem comprando e vendendo há quase uma década.
1. Preços bizarros
Já entendeu, né? Não, você não vai comprar um produto muito abaixo do preço normal sem alguma falcatrua no processo. Talvez não consiga esse valor nem em condições especiais, como Black Friday e pontas de estoque, muito menos em produto novo durante o ano. Ao encontrar tais preços, seu alerta deve ligar imediatamente. Não saque o cartão de crédito ainda, é isso que os golpistas esperam.
E que falcatruas seriam? O "acervo" dos criminosos é variado, mas pode ser desde a simples coleta do seu dinheiro pago por boletos, até esquemas mais elaborados como obtenção de dados pessoais e do cartão. Seja qual for, o atrativo é um preço que tornaria o negócio impraticável para o vendedor. Não é difícil perceber o limite entre promoção e irrealidade.
2. Métodos de pagamento
Quase todo golpista vai insistir para que fechem negócio pelo site dele, via cartão ou boleto (depende do tipo de golpe). Mesmo que insista em fazer o pagamento à vista pessoalmente, grandes somas em negócios que qualquer vendedor aceitaria sem pestanejar, eles negarão. Óbvio: assim colocam a mão no seu dinheiro sem serem reconhecidos mais tarde.
Embora não determinante, uma das possibilidades de golpe de coleta de dados é a recusa em aceitar cartões virtuais para finalizar a compra. Se a essência do esquema é obter seus dados completos, isso tornaria o plano deles falho, já que bastaria depois cancelar aquele cartão (eles ainda teriam seu nome, CPF, endereço, etc).
3. Loja online simplista
O que os maiores comércios online têm em comum? Loja bem feita, boa ortografia, organização, usam conexão segura (HTTPS), etc. Você bate o olho no Mercado Livre, Kabum, Terabyteshop, Pichau* e outras desse nível e as reconhece imediatamente.
Já fraudulentas em geral são construídas com temas prontos, sem muita personalização. Alguns usam sistemas de gerenciamento como o WooCommerce e o Magento, robustos o bastante para grandes negócios, mas com temas simples.
Preste atenção ao design da loja. Se notar um festival de erros ou um visual muito parecido com outras de pouca credibilidade, evite negociar. Várias das que encontrei usam esse mesmo tema pronto, com personalizações burocráticas. Golpistas não perdem tempo criando sites elaborados demais, já que serão abandonados após atingirem a "meta" (e antes que a polícia apareça).
4. Ortografia
Pode soar como preconceito cultural, mas a maioria dos golpistas escreve muito mal. É um fato. Inicie um chat quando possível e veja como seu interlocutor escreve. Ele ou ela ignora pontuação adequada, usa espaços ou maiúsculas no lugar errado e por aí vai? Pare, respire e guarde a carteira. Que loja séria teria alguém que mal sabe se comunicar... no setor de comunicação com o cliente?
Vale também para a abordagem externa. Ao checar sites de reclamação e fóruns por aí, não se espante ao encontrar usuários com a mesma "qualidade" de escrita defendendo a loja de forma passional ou dissimulada. Grande possibilidade de serem interações forjadas para incrementar a reputação da loja-golpe.
5. Pesquise a reputação
Jamais compre algo numa loja que não conhece antes de pesquisá-la em sites como o Reclame Aqui e do próprio Procon. Se estiverem passando clientes pra trás há tempos, saia do negócio imediatamente.
Mas atenção: se a "loja" for nova, não terá muitas reclamações abertas. E no começo, golpistas tentarão manter as reclamações respondidas, gerando uma falsa sensação de segurança enquanto ganham tempo. Pesquise tudo que puder: CNPJ, inscrição estadual, nome do proprietário ou sócios, avaliações em sites e no Google.
Cuidado também com lojas compartilhando o nome com outras pré-estabelecidas, tentando "herdar" a clientela e reputação da outra. Procure uma imagem recente da fachada do estabelecimento no Google Maps. Se as imagens do Google são antigas, peça a alguém da região que vá ao local conferir se a loja existe ou é "cenário". Se não tiver quem possa fazê-lo, peça à loja que forneça as imagens e dados.
6. Busque relatos
Procure relatos de clientes que tenham feito negócio com a loja. Quanto mais antiga, mais ela deve ter clientes satisfeitos com avaliações por aí. Se possível, questione essas pessoas em fóruns e peça informações detalhadas.
Claro que as quadrilhas, se bem organizadas, já pensaram nisso e criaram uma rede perfis falsos para fazer revisões positivas. Ao encontrar resenhas, examine o perfil de quem deixou aquela opinião. Em golpes, a maioria será de perfis criados há pouco tempo, sem foto, com fotos de bancos de imagens ou surrupiadas de terceiros.
Tentativas de identificar esses revisores, quando positivas, levarão a perfis abandonados ou de sem atividade em redes sociais. Ou com nome diferente de quem fez o review – prova de foto roubada e péssimo sinal.
7. Prazos de entrega
Se a loja diz que tem o produto em estoque, deve fazer o envio o mais depressa possível. Não há razão para levar 15 a 20 dias, como algumas pedem.
Se vierem com esse papo, prepare-se: ou estão fazendo dropshipping – modelo de negócio em que o vendedor não faz estoque, mandando a compra do fornecedor para o cliente e só intermediando – ou eles não têm estoque.
E se o preço é exageradamente baixo, provavelmente nunca terão.
Dropshipping não é ilegal. Mas se o site diz que tem o produto em estoque e só vai entregar após um longo período, pode ser tempo necessário para atingir o maior número de vítimas que puderem antes de sumir do mapa. Questione até ter uma resposta clara sobre estoque e prazos de entrega.
8. Surgimento "do nada"
É raro uma empresa aparecer do nada com promoções espetaculares. A não ser que o dono seja um milionário excêntrico disposto a arrombar o mercado com preços bombásticos que darão prejuízo, é impossível. Dá trabalho construir reputação, parcerias e tudo que envolve comércio eletrônico. Pra depois sair distribuindo produtos pela metade do preço?
Os grandes e-commerce estão na ativa há anos, chegando ao topo porque tiveram o período de construção da marca. Então, se da noite pro dia brotou a "Loja do Zé Mané" nas pesquisas do Google cheia de preços fantásticos e estoque variado, no mínimo é anormal. Deve ser avaliado com muita, mas muita calma.
Aparecer no topo do Google é fácil com um pouco de dinheiro e trabalho de SEO. Se o golpista sabe o que está fazendo, não terá dificuldade em figurar por ali.
9. Perfis sociais fajutos
Quase todas as lojas, até pequenas, têm páginas em redes sociais. É um excelente canal de divulgação e comunicação direta com os consumidores. Se ao encontrar o site das superpromoções, examiná-lo e não estiverem em nenhuma rede social, desconfie.
Como descobrir? Procure links no site da loja, costumam ficar no rodapé.
Mas não acredite porque viu o ícone lá. Clique nos links para abrir as páginas. O site que citei no começo do artigo, por exemplo, tem os ícones sociais, mas não levam a lugar algum: as páginas não existem. Alguns podem ter páginas criadas recentemente, ou antigas e cheias de curtidas sem relação com a atividade da loja. Seguidores robôs podem ser comprados. Contas populares hackeadas passam por uma "maquiagem" para simular que são da loja.
10. Questione e questione-se
Não tenha medo de questionar a loja. Use o chat do site ou qualquer área pública, como as de comentários. Telefone, mande e-mail e indague sobre tudo que tiver necessidade. Se o lojista quer mesmo vender, não terá problema em responder tudo que os clientes precisam para ter uma compra segura.
Filtre e analise as informações recebidas. Quantas pessoas o atenderam? A loja teria aquele número de funcionários para seu porte? Eles conversam com fluência sobre o assunto ou tem dificuldade?
Some essas investigações à sua própria dúvida. Tente responder a si mesmo como aquela loja conseguiu os produtos e por que os vende tão barato. Você como comerciante faria aquilo? Já viu alguma loja fazer o mesmo?
Se a resposta for "hmm, talvez?", PARE. Ou quem vai pagar o almoço é você.
Só Fico na vontade!!!! valeu!!!!