Artigo repassa a história do mercado brasileiro de videogames

Os clones de consoles foram os grandes vencedores dos anos 80? A sabedoria popular diz que, pelo menos até a chegada da Tectoy com a linha Sega, a pirataria imperou no Brasil.

Mas não é bem assim. Pelo menos é o que sugere o trabalho de Fernando Turatti, em sua monografia para Bacharelado em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Em Videogames no Brasil: Mercado Nacional, Padrões Técnicos, Circularidade e Recepção Entre o Público Consumidor (1983- 2002) estão registrados detalhes como preços de lançamento de consoles, expectativas dos fabricantes e histórico básico das publicações especializadas. Ele repassa a história da indústria brasileira de games em fases importantes, desde o nascimento até o fim da quinta geração.

Na monografia, Turatti aborda "aspectos como o mercado legal antes, durante e após a Lei da Reserva de Mercado e demonstro que, apesar de todo o mito atual em torno da pirataria como "fundadora" ou "grande propulsora" da cultura gamer no país, durante todo o período que vai da chegada do Atari oficial em 1983 até o fim dos 16 bits, o Brasil sempre teve como líder das gerações aparelhos lançados oficialmente".

Review de Keystone Kapers na primeira edição da Micro & Video, de novembro de 1983.

O estudo divide a história em três "ondas", "a partir da junção de três dimensões: características do mercado nacional, modelos técnicos disponíveis e ressonância entre o público". O período coberto vai desde antes do Atari 2600 no Brasil — quando a primeira revista a tratar de games circulou por aqui, a Micro & Video — até 2002.

A primeira onda teria o fim anunciado entre 1984 e 1985:

Em janeiro de 1985, o décimo terceiro número da Revista Micro & Video trouxe pela última vez a sessão catálogo que listava os lançamentos no setor de videogames. Questionados sobre o encerramento, na coluna de cartas, a resposta dos editores no décimo quinto número foi de que ela fora suspensa pela ausência de novos produtos e acessórios, muito embora as vendas ainda permanecem em alta. Prenúncio do fim da primeira onda dos videogames no mercado brasileiro.

O fim definitivo viria um pouco mais adiante, quando Odyssey e Intellivision "sequer eram encontrados nas listagens de preços médios da Folha Informática, na edição de 01 de abril de 1987".

A segunda onda começou com a aproximação do mercado local com o internacional e o lançamento do Dynavision 2 como clone do NES em abril de 1989, passando pela nacionalização dos produtos da Sega pela Tectoy a partir de agosto e depois da Nintendo, em setembro de 1993.

Nessa fase, revistas começaram a ficar mais maduras, modificando aos poucos gírias "radicais" (jogos "detonados", "debulhados", etc) e se voltando ao público menos infantil e mais adolescente. "Já as análises para a quarta geração de videogames, iniciada junto com a Ação Games, com jogos de Mega Drive e Super Nintendo adotou um perfil mais 'técnico', embora ainda infanto-juvenil, trazendo mais critérios avaliativos", diz o artigo.

Encerrada "por volta de 1997", a segunda onda deu lugar à nova que trouxe os consoles de quinta geração. A terceira fase da indústria nacional se encerraria em 2003, quando a Sega já tinha saído do mercado (causando um baque na Tectoy). A "[...] Gradiente desfez a sua parceria com a Nintendo, encerrando a produção e a comercialização do GameCube e, finalmente a Microsoft com o seu Xbox, sequer chegou a lançá-lo no país".

Curiosidades históricas

Turatti abordou informações que geralmente passam batidas:

• O Odyssey² foi lançado no Brasil durante a UD de 1983 apenas como Odyssey, já que o primeiro modelo nunca veio pra cá. Para bombar as vendas do cartucho K.C.'s Krazy Chase! (chamado no país de Come-Come), a venda foi casada a um boneco do personagem. O resultado é que o lote inicial de 50 mil cartuchos foi rapidamente esgotada. A Philips também adotou a nacionalização de jogos, ainda que apenas na embalagem, renomeando Pickaxe Pete como "Os Trapalhões na Serra Pelada", entre outros.

Anúncio de Come-Come para o Odyssey brasileiro.

• Ao contrário da crença de que a Ação Games foi a primeira revista a falar de games no Brasil, a pioneira foi a Micro & Video, em novembro de 1983. A primeira edição da Ação Games viria só em maio de 1991. Como sugere o nome, a publicação tratava de microcomputadores e videogames (e também de VHS). Ela pode ser vista no site Datacassete.

• A Bit Eletrônica lançou um console chamado Top Game em 1982. Não era o homônimo mais famoso, o clone do NES feito pela CCE, mas sim um clone do Atari 2600. Antes de produzi-lo, a empresa tinha outro projeto totalmente independente (não compatível com o Atari 2600). Ele não foi adiante porque não conseguiram um aporte financeiro junto ao BNDES. O clone foi mal, vendendo menos de cinco mil unidades e pouca gente viu um desde então.

• É contada a história dos primeiros fabricantes de jogos (cartuchos do Atari 2600) no Brasil, como a Canal 3, empresa fundada pelo ex-joalheiro Joseph Maghrabi — que chegou a produzir de forma praticamente artesanal os primeiros clones do console por aqui.

• O famoso crash da indústria de games nos Estados Unidos passou longe do Brasil, que viveu uma explosão naquele período. A demanda foi crescente desde o segundo semestre do ano, "de modo que no primeiro trimestre de 1984 foram vendidos 200 mil consoles e quase um milhão de jogos, quantidade essa que movimentou 40 bilhões de cruzeiros".

E muito mais. Confira o trabalho na íntegra aqui.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

2 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom o texto!!!! Se não fosse os clones seria difícil vc ter um autêntico console do Nes ou até mesmo o Atari original era difícil encontrar em uma loja de eletro eltrônicos. Vc ia na loja e encontrava a CCE vs TecToy imperando nas vendas de vídeo game de 8 bits. Os produtos da Gradiente: TV e Som já era muito caro na época, lembro...com a chegada da playtronic o super nes nacional era o olho da cara também. Existia sim uma fome de lucro e falta de gestão por parte da Gradiente. Acredito que nos anos 90 o que salvou muito mesmo foi a grande concentração de locadoras e fliperamas, porque quem não tinha condições de comprar um vídeo game...vivia a base de revistas em termos de informações e locadoras. As informações era tudo a base de revistas, importadoras e locadoras onde a galera se concentrava para trocar idéias. Por isso que as vezes eu falo que anos 90 era outra época e hoje vemos a evolução dos games em termos de tecnologia e internet. Por isso sempre lembro dos primórdios e das revistas que fizeram parte da minha vida gamer. Infelizmente a geração atual recebe tantas informações que quase não tem tempo de desfrutar do que está a sua frente, porque a geração atual sempre pensa em novidades em termos de games, filmes e música...no final das contas tudo que acontece hoje é a base de modismo. valeu!!!!

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