Dá pra aprender a pilotar com games e simuladores?

Pilotar aviões ou carros de corrida reais treinando no videogame é possível? A experiência de quem viveu ambas as experiências.

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Quando jogávamos Mega Drive ou Super Nintendo, os games não eram a coisa mais realista do mundo. Carros iam de 500 km/h a zero em poucos metros, físicas eram absurdas e só cabiam no mundo da fantasia. Essas e outras viagens mal eram notadas ou levadas a sério – era só um jogo, quem ligava?

Mas com a tecnologia em avanço, desenvolvedores foram deixando a brincadeira cada vez mais realista. Vieram os ditos simuladores, que vão ao mais próximo, dentro de limites intransponíveis, do que seria a realidade.

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A partir dali, jogadores estavam separados pra sempre: casuais nas produções menos focadas em realismo, e os hardcore mergulhando de cabeça no mundo complexo da simulação.

Simuladores prometem reações fiéis à física e desgaste de componentes. Painéis de regulagem exigem conhecimento, mas fazem você se sentir um verdadeiro mecânico ao notar que aquele ajuste da oficina funciona no jogo. E a pilotagem? Se tentar fazer a curva a 200 por hora, vai pro mato. Viraram favoritos da galera ansiosa por tal sensação.

No começo dos anos 80, Flight Simulator iniciou carreira de sucesso no gênero de aviação, abrindo caminho para outros como X-Plane e FlightGear. Simuladores de corrida e direção como Gran Turismo e Formula One seguem firmes, enquanto rFactor, Assetto CorsaiRacing e o aguardado Project CARS são citados como opções ou até superiores.

Com simuladores, cresceu também a discussão sobre o que podemos aprender de fato com eles. Pilotos de Flight Simulator juram que podem assumir o controle de um avião na vida real. Os melhores no Gran Turismo são lapidados pelo GT Academy e transformados em pilotos de verdade, de carros de verdade.

Mas e você que não é hardcore? Está ganhando conhecimento ou é tudo uma grande brincadeira?

Aprendendo a voar

Após centenas de voos no Flight Simulator, é normal que o usuário sinta-se capaz de fazer o mesmo num avião real, já que a fidelidade é enorme. Instrumentos são idênticos, os aviões reagem de forma muito natural – inclusive suscetíveis a barbeiragens dos pilotos, podendo receber modificações que simulam peso dos passageiros, condições climáticas adversas, etc.

737-800 simulador e real
Comparação entre o cockpit do 737-800 no Flight Simulator X, e o painel real.

Mas segundo o site especializado FlyAway, pilotos profissionais divergem. Alguns pensam que não há tanta conexão; outros, que o realismo do programa serve para aprender conceitos básicos e até alguns avançados. Outros ainda acham que Flight Simulator prepara pilotos tanto quanto Battlefield prepara soldados – ou seja, nada.

Hans Krohn, alemão fanático por aviação, contou ao FlightSim.com sobre sua experiência num simulador profissional, que companhias aéreas usam, após anos "brincando" com o programa da Microsoft. Ele conseguiu uma sessão num simulador de 737-NG, após semanas de espera. Segundo a empresa de treinamento, o aparelho é idêntico ao avião real, então seria o teste definitivo de seus conhecimentos.

Sua impressão ao entrar no simulador? Medo ao ver que embora instrumentos estivessem mais ou menos onde imaginava, eram diferentes de forma geral, inclusive posição.

Quando corri meus olhos pela cabine tentando achar pontos de referência, senti uma preocupante sensação de desorientação correndo pela minha espinha. Percebi que aquela cabine era um ambiente alienígena pra mim, apesar de todo meu preparo!

Com ajuda do instrutor, um piloto aposentado, Krohn tentou relaxar e a sessão transcorreu sem maiores dificuldades, exceto diferenças como uso de manche em vez do joystick ao qual estava acostumado. Fez alguns voos entre aeroportos europeus, inclusive aterrissagens bem-sucedidas.

Perguntado se, afinal, aprendeu a pilotar aviões reais com o "jogo", o entusiasta respondeu "Pra mim funcionou, sem dúvida". E que se estiver num 737 e solicitarem um piloto de emergência, será o primeiro a levantar a mão.

manche yoke simulador de voo
Quer uma experiência mais realista? Brinquedinhos como esse ficam quase em mil reais. Se quiser um painel tipo de Cessna, vai desembolsar por volta de 2,5 mil (valores de 2014).

Simuladores de corrida

Simuladores de carro têm grande número de adeptos, em categorias e modelos diversos, desde kart à F1. Assetto Corsa, Gran Turismo, rFactor, a séri de Formula 1 da Codemasters e iRacing se destacam, atraindo pelo realismo de gráficos e sons, a variedade de ajustes e configurações. Então se você é perito num deles, saca tudo da mecânica e direção, pode sentar num carro de verdade e acelerar?

De novo, opiniões divergem. Alguns profissionais gostam para ter um contato inicial com circuitos, memorizar pontos de freada, etc. Várias equipes de F1 têm simuladores tipo esse da Mercedes. Mas pilotos também brincam e às vezes aparecem jogando games casuais e disputando ligas online.

Outros detestam ou não veem muita utilidade em nada disso. O multicampeão Michael Schumacher dizia que "a maioria dos pilotos" sofre de cinetose e que a única vantagem era conhecer pistas, o que pra ele nunca foi problema. O campeão de 2007, Kimi Raikkonen, declarou que não gostava de simuladores nem videogames, mas no retorno à Ferrari em 2014, teve que usar o equipamento pois o regulamento restringia testes reais por questão financeira.

"Comecei me acostumando aos novos sistemas e procedimentos que vamos usar este ano", disse o finlandês na época. "Desse ponto de vista, o simulador é realmente muito útil".

Simulador x games de simulação

f1 2014 setup car
Ajustes de carro no F1 2014: simuladores hardcore vão mais fundo nas possibilidades mecânicas.

O que pode ser sintomático na falta de realismo dos videogames vendidos como simuladores é o mau desempenho de pilotos do mundo real. Veja as barbeiragens no F1 2012 de Bruno Senna e Lewis Hamilton – que arrebenta o carro na entrada dos boxes sozinho (aliás, fez bobagem similar na vida real, o que lhe custou um mundial). São caras que passam por longas sessões de treino no simulador profissional, mas têm dificuldade no videogame.

A maioria de nós não experimentou o carro ou o simulador profissional, logo não temos base para uma conclusão empírica. O veterano Nigel Mansell, no cockpit do simulador Race Injection, avaliou que era "essencialmente diferente" tanto na sensibilidade de volante e pedais, quanto no campo de visão. Adrian Sutil, jogando F1 2010, destacou os gráficos, sendo um bom jeito de aprender traçados e ajustes, além de uma forma barata de começar – manter um kart, escolha comum de iniciantes, é caro.

Mas explicou que não passa disso:

Há algumas pessoas jogando online que parecem ser talentosas. É o primeiro passo que você pode dar para descobrir se é bom. Você aprende as bases e claro que em certo estágio, terá que praticar o esporte de verdade, porque é uma sensação diferente [...] É prematuro dizer que se você é bom nos simuladores online, será também no carro real. É um pouco demais.

Do videogame para a pista

O básico citado por Sutil parece dar resultado similar ao de simuladores de voo, ao menos em alguns jogos. Ou seja: você absorve a base e com um treinamento adicional, consegue pilotar o carro.

O GT Academy, programa em parceria de Nissan e Sony, faz desde 2008 o que parecia sonho: pega feras do Gran Turismo e os coloca num carro de corrida.

Bobagem? O espanhol Lucas Ordoñez foi um dos primeiros selecionados no programa europeu (junto com o alemão Lars Schlömer). Em sua primeira corrida, na GT4 europeia de 2009, conseguiu um pódio, vencendo duas outras e terminando o campeonato em sétimo. Desde então ele corre profissionalmente. Nada mal para um "piloto de videogame".

Lucas Ordonez e Kazunori Yamauchi
Kazunori Yamauchi, criador da série Gran Turismo e também piloto, com Lucas Ordoñez

Outros têm saído dessa escola no videogame para carreiras reais, como Jann Mardenborough (GP3 Series), Jordan Tresson (Endurance) e Miguel Faísca (vencedor das 24 Horas de Dubai). Jann contou que, apesar da transição do PlayStation 3 para as pistas graças ao reality show, não foi simples por diferenças como a noção de profundidade:

No meu quarto eu tinha uma TV relativamente pequena, então meus olhos estavam o tempo todo fixos na tela. Numa corrida real você precisa olhar adiante, dentro das curvas. Foi realmente difícil readaptar meu cérebro para olhar as curvas em vez de me focar diretamente à frente [como no jogo].

Ao mesmo, sua experiência em Gran Turismo foi crucial no desempenho como iniciante. Era a primeira vez que corria de verdade mas durante a "final nacional eu estava num Nissan 370Z e só estava fazendo o que fazia antes no game".

Pros e contras

Pontos positivos nos jogos-simuladores:

  • Investimento: o preço para correr de verdade é alto, mesmo num kart. Com um investimento bem menor você monta um PC dos sonhos, compra volantes, manches e demais apetrechos, e ainda sobra para os softwares.
  • Conhecer o básico: pra quem não tem experiência alguma, é uma opção para conhecer reações ao clima, mapas, operação de HUDs e GPS, manobras básicas, sinalizações, comunicação com controle, termos técnicos, etc.
  • Instrumentação: mesmo que alguns botões e rótulos sejam um pouco diferentes no mundo real, você se acostuma com o visual e função deles.

Negativos:

  • Física: simuladores domésticos estão muito abaixo dos profissionais de treinamento, mesmo comprando as melhores geringonças como cockpits e volantes. Não se aproximam dos equipamentos hidráulicos, que custariam fortunas para ter em casa.
  • Conforto artificial: pilotar em sua sala com ar condicionado é uma coisa. Outra é estar no carro ou avião, tendo o corpo à mercê de forças-G poderosas e sob a tensão do risco real. São experiências que não podem ser simuladas.
  • Procedimentos de segurança: em voos ou corridas reais, há vários procedimentos que usuários de simulador sequer precisam lembrar que existem. Vale para uso de uso de Hans, cintos, etc; coisas aprendidas na prática.
  • Realismo de modelos específicos: veteranos dos simuladores de voo reclamam da falta de realismo nas reações de certos modelos, especialmente helicópteros. Rubens Barrichello, jogando o simulador de Stock Car, disse que era quase igual ao real quanto à aderência de pneus e comportamento nas curvas, mas os que experimentou de F1 não se aproximam tanto especialmente em saídas de curvas. Quanto mais potente o carro, menor parece ser o realismo.
  • Maus hábitos: talvez o mais importante. Em simuladores não tão realistas, o usuário pode adquirir hábitos como fazer movimentos bruscos e impossíveis na vida real, pois quebraria uma asa ou te jogaria fora da pista igual um pião. Será um vício a ser vencido caso passe ao simulador profissional.

É simulador ou não?

Ainda que não sejam o pacote completo, considerando riscos e preços do mundo real, os jogos servem como introdução. Nota-se aceitação deles como primeiro passo, um jeito acessível de aprender o básico, para não chegar cru ao carro ou avião.

Com a popularização dos óculos de realidade virtual, a imersão vai aumentar, mas a falta de efeitos físicos sempre será um diferencial – coisa que nem simuladores profissionais oferecem, exceto equipamentos específicos.

Nada como ter um pouco de gravidade castigando seu corpo para saber se realmente gosta daquilo ou quer a diversão confortável tomando um suquinho na sala.

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1 COMENTÁRIO

  1. Pelo menos ter uma boa dinãmica, conhecimento matemático sobre ângulos e tangência vc consegue obter sobre determinado jogo. Aprendi coisas e detalhes de jogos de corrida primeiro em games e depois na vida real...exemplo: corrida de F1...O jogo Agury suzuki do super famicom é bem detalhado em termos de mecânica e dinâmica dos carros. Jogar video game já nos dá uma boa noção do que seria o ¨real¨ mesmo. Valeu

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