Sete fake news do mundo dos games

Fake news. O termo do ano 2017, onipresente no Brasil em 2018, não afeta só a política. No mundo dos games, tem muita história que virou verdade depois de ser repetida até dizer chega.

Mas o que define exatamente uma fake news?

Segundo a Wikipedia, é o jornalismo feito pela dita imprensa marrom, de conteúdo falso deliberado. Ou seja: a propaganda disfarçada de informação, via de regra não por engano, mas de propósito.

Nesse sentido, parte das falsas crenças apresentadas aqui não são literalmente fake news. Foram espalhadas porque pareciam verdadeiras, faziam sentido. Outra atendem perfeitamente ao critério, como a lenda do "Neo-Geo 24-bit", e o PlayStation 2 usado como arma de guerra e terror.

Sete fatos que não são exatamente precisos no mundo dos games.

"NES foi o primeiro console da Nintendo"

"Na verdade não. Eu cheguei primeiro."

Lançado em 1983 no Japão, o Famicom teve o mérito de salvar a indústria do videogame. Só. Pouco antes, o mercado americano implodia sobre o próprio peso, várias produtoras faliram. Videogames, o brinquedo do futuro, de repente não tinham futuro. "Este pode ser um erro de cálculo por parte da Nintendo", disse uma importante publicação em 1985, quando a empresa chegava à América com o NES.

Até então, a Nintendo era pouco mais que uma fabricante de brinquedos. Seu maior sucesso em games aconteceu em 1981, com o arcade Donkey Kong. Em videogames domésticos, eram nada. Mas o sucesso sem precedentes do NES e Famicom fomentou a crença errônea de que o 8-bit foi sua estreia icônica.

O primeiro console da Nintendo foi o Color TV-Game, lançado na 2ª geração (a dita "geração Atari"). Na verdade, uma série de aparelhos fabricados em parceria com a Mitsubishi, distribuídos só no Japão. O primeiro, Color TV-Game 6, chegou em 01/06/1977, com variações de Pong. Toscos, claro: não tinham cartucho, a fonte de energia era enorme; na série final, Computer TV-Game, só a fonte pesava uns 2 kg.

Trambolhos, clones de Pong. Mas os primeiros. Não o NES.

"Neo-Geo era tão superior porque era 24-bit"

neo geo pit bull
24-bit?

Durante boa parte da história, fazer marketing com os bits foi regra. Assim evoluímos dos 8 para os 16-bit, imaginando que seria "o dobro melhor". Depois dos 16 para os 32, 32 para 64, 64 para 128. Até que com o lançamento do Xbox, a métrica caiu em desuso.

A SNK também usou essa tática para seu console. O Neo-Geo, com dois processadores centrais e vários gráficos, foi vendido como "sistema 24-bit", frases bobagentas tipo "4 dimensões", e por aí vai.

Mas não é bem assim. O Neo-Geo é tocado pela CPU Motorola 68000 16/32-bit, com um Z80 adicional, de 8-bit, para controle de áudio. Além desse coração, tem um chipset gráfico com vários componentes. O SNK LSPC2-A2 é o gerador de sprites e faz a interface com a memória de vídeo a 24-bit. Resumindo, a passagem de dados é por um barramento 24-bit. Mas o núcleo continua operando a no máximo 16-bit.

Seja pela soma dos chips, ou pelo barramento gráfico, a SNK tinha duas justificativas (imprecisas) pra dizer que o Neo-Geo é 24-bit. A vantagem dele estava no processamento gráfico, mas não era. O mesmo se aplica ao Dreamcast, vendido como 128-bit pelo chipset gráfico capaz de palavras entre 32 e 128-bit , mas cujo CPU era um Hitachi SH 32/64-bit.

Acreditem: 128-bit é um tamanho absurdo. Provavelmente não há algo (ao menos em games) que use o máximo sequer de processadores 64-bit. Para grandezas desse tipo, talvez supercomputadores do futuro. O que dizer de máquinas dos anos 2000...

"Metal Gear foi a estreia de Kojima"

Da aventura de pinguins ao stealth: assim começou a carreira de Kojima.

Graças a Metal Gear Solid, reverenciado clássico eterno no Playstation original, Hideo Kojima será também eternamente associado à franquia. Claro, afinal ele começou aquilo anos antes, nos computadores MSX. Solid foi "só" a consagração definitiva da série de stealth nas plataformas da Sony.

Ao contrário do que alguns pensam, porém, não foi o primeiro trabalho de Kojima. Foi sim, sua estreia como designer principal e diretor, mas a estreia de fato foi como assistente de design em Penguin Adventure. Lançado em 1986 para MSX, é um jogo de plataforma em terceira pessoa, de sucesso modesto.

Ainda novo de casa, o primeiro projeto pessoal seria Lost Warld, outro de plataforma, protagonizado por uma mulher mascarada. "Era um game de ação tipo Mario, com uma história", explicou Kojima meio que esculachando Mario, ou foi impressão minha? Mas acabou interrompido pelos superiores após seis meses de andamento, e jamais lançado. "Foi um golpe duro para todos nós da equipe. Eu não conseguia acreditar".

Finalmente, no ano seguinte, viria Metal Gear. Nada contra pinguins ou ninjas, mas ainda bem.

"Samus Aran foi a primeira heroína em games"

Antes de Samus, mulheres já estavam sentando porrada em marmanjos, como a Princesa Kurumi, da Sega.

Em 1986, Metroid nasceu para ser ícone da Nintendo, primeiro no Famicom Disk System, e um ano depois, no NES americano. Além da jogabilidade e enredo envolventes, tinha uma surpresa para quem completa o jogo em no máximo 5 horas.

E das grandes: Samus tira o capacete e se revela mulher. Surpresa tanto pela falta de heroínas, quanto pelo manual se referir a ela como "ele".

Mas cinco horas? Foi fichinha pra alguns, que ligeiros, bateram o game em menos de uma hora. E outra surpresa: Samus aparece de biquíni. Que razão teria a heroína intergaláctica pra tirar toda a armadura num planeta estranho? Calor? Porque é a dança da vitória dela? Seria um recado "agora vou pra praia, já que terminei tão depressa"? Ou fan service descarado? Só a Nintendo pra saber.

Tanto faz agora. Importa é que muitos têm a percepção de Samus como primeira heroína dos games. Mas em março de 1985 — 17 meses antes de Metroid — a Sega lançava o arcade The Ninja (ou Sega Ninja, ou ainda Ninja Princess). Assinado pela lendária Rieko Kodama, a protagonista é Princesa Kurumi, tacando shurikens e facas nos inimigos num run 'n' gun. Depois saíram versões para MSX, SG-1000 e Master System.

Forçando um pouco a barra, temos "mulheres" até antes, tipo Ms Pac-Man em 1981. E em 1983, essa sim mulher, a moça de Halloween, no Atari 2600. E não exatamente heroína, uma protagonista em julho de 1984 no SG-1000, em Girl's Garden. Primeiro game de um dos criadores de Sonic, Yuji Naka, foi precursor no gênero dating sim. Nele, a mocinha Papri colhe flores para presentear o namorado Minto (pois é...), evitando que ele dê atenção a Cocco, sua concorrente pelo coração do mancebo.

Quer mais? Uns quatro meses depois de Sega Ninja (e mais de um ano antes de Metroid) Baraduke foi lançado pela Namco. O jogador controla Toby "Kissy" Masuyo, uma — acredite — mulher num traje espacial alaranjado, com uma bazuca, lutando contra alienígenas. E seu gênero também só é revelado no final.

Dê uma pesquisada e duvido que não pense "Nintendo, sua danadinha...".

"A Power Glove era da Nintendo"

"It's so bad". Sim, era péssima mesmo. Mas a culpa não era da Nintendo, pelo menos não toda.

Amada pelo visual e odiada pelo uso, a Power Glove tem seu lugar na linha histórica da Nintendo. Pense numa criança vendo aquela coisa tipo futurista no fim dos anos 80... Impactava, não dá pra negar. Pena que não entregava resultado, com controles imprecisos e só dois games sob medida: Super Glove Ball e Bad Street Brawler. E ruins, até onde consta.

Lançada em 1989, a luvona tosca não era cria da Nintendo. Quem fabricava a geringonça era a tradicional Mattel na América, e a PAX no Japão. Quem a desenvolveu foi Grant Goddard e Samuel Cooper Davis, pela Abrams/Gentile Entertainment (AGE). A única coisa que a Nintendo fez foi chancelar e fazer marketing.

O design foi inspirado num produto anterior chamado DataGlove, desenhado por Thomas G. Zimmerman e Jaron Lanier, para computadores. A Mattel tomou a iniciativa de levá-lo para o Nintendinho, incumbindo a Image Design and Marketing. O resultado foi baseado no modelo de Zimmerman, entregue em oito semanas. Por redução de custo, houve mudanças na forma de detecção de movimentos, prejudicando o funcionamento.

Mesmo com certo status — muito pela aparição no filme The Wizard (O Gênio do Vídeo Game) —, estima-se que a Power Glove tenha vendido cem mil unidades nos Estados Unidos. Os jogos para ela foram fracassos totais.

"O primeiro nome de Mario foi Jumpman"

Antes de ser Mario, Mario foi Jumpman. Mas na concepção, tinha outro nome.

Diz a história que Mario foi batizado em "homenagem" ao senhorio do imóvel em que funcionava a Nintendo da América. Você sabe, o mundo sabe. Fuçando um pouco mais, também está na história um nome anterior: Jumpman.

Quando estreou, como herói de Donkey Kong, não era tão comum na indústria aprofundar personagens. Não parecia importante dar enredo elaborado ou nome descolado ao bigodudo. Um carpinteiro salvando a donzela numa construção, e bastava. Lembre que por pouco, os personagens não seriam Popeye, Brutus e Olivia Palito. Mario, Kong e Pauline cobriram a falta de acordo com os donos do comedor de espinafre.

Mas segundo Shigeru Miyamoto, Jumpman também não foi o primeiro nome de Mario. Pelo menos não o de concepção. Ele mesmo contou em entrevista da série Iwata Asks:

Iwata: Então, já que ele pulava pra cima e pra baixo, ficou conhecido como "Jumpman", certo?

Miyamoto: Bem, eu o chamava "Mr. Video". Meu plano era usar o mesmo personagem em todos os games que fizesse.

Essa é a versão oficial, logo conclusiva, do criador? O primeiro nome de Mario, ainda em projeto, foi Mr. Video?

Sim, mas calma, não termina aí. Em outra entrevista de Iwata, o ex-gerente geral da Nintendo, Hiroshi Imanishi¹, conta a versão dele para a real primeira identidade de Mario:

Iwata: Quando Miyamoto-san criou o personagem protótipo de Mario para Donkey Kong, ele o chamou Mr. Video. Parece que queria usá-lo em todos os games que fizesse, mas com Super Mario Bros., ele realmente estabeleceu alguém digno do nome Mr. Video.

Imanishi: Antes de Mr. Video, ele foi chamado Ossan.
¹ Imanishi foi um executivo do alto escalão da Nintendo, ativo na empresa desde a década de 60. Entre outras atribuições, participou do recrutamento de nomes históricos como Gunpei Yokoi, Masayuki Uemura e Genyo Takeda.

"Ossan" pode ser traduzido como "homem de meia idade". Segundo Imanishi, quando nasceu, Mario era conhecido como um tiozão.

"PS2 era tão poderoso que podia guiar mísseis"

Bin Laden teria crescido os olhos para as possibilidades do então poderoso chip gráfico do PS2. Mas...

Provavelmente não houve maior hype na história dos games — talvez na indústria em geral — que no pré-lançamento do PlayStation 2. Depois da vitória acachapante do primeiro console, a Sony queria consolidar a marca. Para tal, fez marketing feroz de sua futura máquina, com números que embasbacaram o público e foram contestados por parte da imprensa. Mais tarde, muito foi comprovado como exagero, mas funcionou: ainda é o console mais vendido da história.

Foi tanto alardee, que começaram a surgir notícias bizarras. A mais notável foi no começo do ano 2000: terroristas compraram lotes de PlayStation 2 para convertê-los em sistemas de controle de mísseis. Matérias afirmavam que o Ministério de Comércio Exterior japonês limitara remessas do aparelho, pois seus componentes seriam classificáveis como "armas militares". As imprensas do Japão e Europa confirmavam que alguns países, como Irã, Iraque, Líbia e Coreia do Norte, estavam entre os restritos.

Óbvio que a Sony adorou. E colocou fogo na história. Benjamin Guernsey, falando em nome da marca, disse:

Se você tem uma CPU tão poderosa e a tecnologia do memory card, nesse nível, estamos acima das regras. Não é que necessariamente eles [governo japonês] temam que seja convertido para uso militar ou terrorista. É só que o produto vai acima de certos padrões tecnológicos, o que significa automaticamente que deva ter controle na licença de exportação.

A lenda foi aumentando, como na brincadeira de telefone sem fio. No fim de 2000, rolava a notícia que o FBI e a receita americana investigavam uma remessa de 4000 consoles da Sony para Bagdá. A fonte era o WorldNetDaily, site de extrema-direita conhecido por divulgar notícias falsas.

Um documento fajuto "vazado" pelo site garantia que o plano de Saddam Hussein era conectar processadores de 12 a 15 aparelhos, formando supercomputadores capazes de guiar mísseis e aviões não-tripulados. Assim, escapariam da restrição de venda de computadores para o Iraque. Uma "fonte militar secreta" garantia que "as capacidades gráficas do PlayStation são assustadoras: cinco vezes mais poderoso que uma estação gráfica comum, e cerca de 15 vezes mais poderoso que uma placa de vídeo encontrada na maioria dos PCs".

Não parece frase pronta, direto da boca de um representante comercial da Sony? =D

Pouco depois, a lorota foi desmentida pelo serviço de inteligência britânico. "Isso é uma bobagem total. Para começar, a sugestão de que há falta de computadores básicos no Iraque é boba. PCs são bens de consumo como carros e máquinas de lavar, e eles podem ter quantos computadores Pentium III ou Pentium 4 quiserem, com ou sem sanções".

A tarefa de conectar vários processadores, e enfim projetar software para rodar nesse Frankenstein tecnológico, tomaria anos de trabalho dos técnicos de Hussein. Seria infinitamente mais simples importar processadores usados, sem levantar muita suspeita, do que chamar atenção do mundo com uma carga de PlayStations. E ainda fazer engenharia de Professor Pardal. De qualquer, bela história.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

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