Todo mundo deve estar a par da nova cartada da veterana Tectoy, a eterna parceira da Sega no Brasil. Crucial em fazer a marca popular por aqui, mas com uns tropeções fortes como o Zeebo, a empresa está a todo vapor, com novo blog e página do Facebook cheia de postagens. A contagem no site anuncia uma grande novidade, que pode ser um novo Mega Drive, para daqui 5 dias.
O alvoroço começou quando publicaram essa imagem no Facebook, perguntando:
"Se fosse para voltar a produzir um console de sucesso da Tectoy, qual você gostaria?"
O Mega parece ter recebido a maior parte dos comentários positivos. No dia 24, revelaram um vídeo teaser com o sugestivo título "Mega lançamento da TecToy", deixando mais que óbvio que se trata de algo envolvendo o saudoso 16-bit. Até o logo clássico da companhia foi recuperado, pra delírio nostálgico de fãs que passaram a especular o que vem por aí.
Após quase incontáveis clones vagabundos de Master System e Mega Drive, com conexões arcaicas e jogos na memória, o mínimo que se espera de "novidade" é que seja uma novidade. Mas pensando na idade do aparelho, também fica difícil acreditar em muita similaridade com o que tínhamos lá nos anos 90, por motivos diversos.
O que dá pra esperar do lançamento? Mega com slot de cartuchos? HDMI? Ou a Tectoy só vai coletar uma graninha em cima do modismo do retrogaming com uma solução simples e barata, e voltar ao ostracismo nos games?
![Será algo parecido com isso que a Tectoy reserva para os próximos dias?](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2016/10/mega-drive.webp)
Back to the past
A saída da Sega do ramo de consoles foi um duro baque para a parte nacional, que em 2006 chegou perto da falência. A Tectoy teria que se reinventar. Após mais de uma década de frutífera parceria, passaram a produzir as famosas várias caras de Master System e Mega Drive de baixo custo (e qualidade), voltados a crianças e consumidores de baixa renda, que não podiam comprar videogames modernos. Numa estranha versão local da Síndrome de Galápagos¹, os clones ordinários vendem até que bem, tomando formas diversas desde então.
Com isso, além aparelhos de karaokê e outras traquitanas eletrônicas, a Tectoy até conseguiu sair um pouco do buraco que o fim do Dreamcast cavou. Mas quando tentaram recuperar o DNA da marca com um novo videogame, o Zeebo, a maionese desandou de novo — fracasso sem tamanho, vendeu 20 vezes menos que o esperado.
"Não fosse ele, a Tectoy já operaria no azul", disse Stefano Arnhold, um dos fundadores e presidente do conselho, à época do fiasco. Outra recuperação parcial viria ao diversificar: com babás eletrônicas, tablets e principalmente DVDs, foram lentamente retomando o caminho, apesar de ainda estarem no negativo.
A parceria com a Sega continuou válida, no mínimo, até o meio dos anos 2000, quando o icônico logotipo azul desapareceu das caixas dos produtos lançados aqui (não houve confirmação oficial de um fim de contratos, ou se foi por outra questão). Se em qualquer momento antes disso fosse viável, eles poderiam produzir um Mega Drive mais fiel ao clássico. Mas por questão de economia, produziram só emuladores "disfarçados": hardware de baixíssimo custo que emula o sistema original. E na maioria dos modelos, péssima emulação, com som ruim, delay e outras falhas. Suficiente para uma criança ou um leigo, mas jamais aceitável para o consumidor veterano.
Será que a hora é essa? Com o anúncio do NES Classic Edition (ou mini NES), ficou claro que a Nintendo percebeu que, apesar de não ser mais o monstro rentável do passado, há dinheiro a se fazer no nicho retrô. Fãs da Sega começaram a pedir algo parecido, e aqui no Brasil, lógico que o alvo é a Tectoy. A empresa foi bombardeada por pedidos de um Mega Drive "original".
Arnhold falou em entrevista ao Uol Jogos no início de setembro sobre as dificuldades em voltar aos videogames, e recriar o hardware da forma mais próxima possível à clássica:
Uma pequena interrupção: eles parecem bem conscientes de que outro emulador não vai funcionar, mas vocês acham que se não tiver SEGA na embalagem, ou for feita qualquer concessão em relação a visual, será bem aceito?
Outro adendo: se a Tectoy ainda tem dificuldades financeiras, gastar com pesquisa e desenvolvimento de algo parecido com o original, pelo menos nas funções, será uma aposta, um risco. Ou agrada o público e vende bem, ou se complicam ainda mais. Logo, eles não tem muita margem de erro, de desagradar os fãs ou tentar convencê-los a algo: precisam entregar o que é pedido, ou o mais próximo disso.
Depois da bola fora com o Zeebo, nada mais natural que buscar o feedback público para saber exatamente o que entregar, o que o consumidor quer. Estão fazendo certo, para não ficar nada nebuloso, que depois seja visto como promessa não cumprida.
Desde o mês passado, a notícia que mais circula é que a Tectoy pensava simplesmente num videogame com saída HDMI. Mas pelas palavras de Arnhold, nota-se que eles sabem que o público quer algo muito superior aos "consoles de brinquedo" com centenas de jogos na memória e acabamento fuleiro. Anos atrás, a Tectoy lançou o MD Play, portátil que roda até jogos em ROM gravados num SD card. Na onda do mini NES, a americana AT Games tentou faturar relançando o Firecore, um "mini" com som mono. Ambos ligados à TV por vídeo composto; o primeiro sem entrada para cartucho, e o segundo com cartucho, mas um chip de áudio medonho.
Não é isso que o povo quer. Se vier qualquer trolha parecida, a Tectoy vai se lascar.
Mas se a Tectoy entrou na aventura, sabendo como é a dinâmica desse público exigente, não deve ter sido pra perder. O mínimo esperado é HDMI e slot de cartuchos, e considerando o timing do NES Classic, muito possivelmente um visual idêntico / próximo ao Mega Drive original. Afinal você sabe, o lance da nostalgia é importante na história.
Mas e o recheio? Se a Tectoy tinha só direitos comerciais, poderiam substituir componentes antigos e fazer um novo Mega Drive como no projeto da Sega, sem consequências? Isso depende dos contratos. Sem falar da questão técnica: provavelmente seria desperdício recriar um hardware de quase trinta anos fielmente só por luxo, sendo que naturalmente passam por revisões ao longo do tempo. Quem confere as "entranhas" de videogames de diferentes revisões sabe como o design muda em poucos anos: componentes são enfiados num só encapsulamento, diminuem, mudam de fabricante, etc.
Uma revisão do Mega Drive 1, mantendo a essência e adicionando as desejadas novas características como HDMI e cartão de memória, parece o cenário ideal para ambas as partes, empresa e público. Reduz gastos, não faz emulação.
Só não pode ser isso:
![placa mega drive guitar hero](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2016/10/IMG_07491.webp)
Se a Tectoy chegar ao menos perto das placas das últimas revisões do Mega Drive (que ainda suportavam Virtua Racing e 32X), será algo grande. Com slot de expansão para Sega CD, enorme. E se convencer o público hardcore, como colecionadores, podem esperar encomendas do mundo todo, porque não há notícia de nada parecido em circulação, onde quer que seja.
Considerando o público alvo e que seja algo mais elaborado, o preço naturalmente será maior. O único aparelho à venda no site oficial no momento, Master System Evolution, sai por R$219. Não estranharia o dobro num hardware voltado a entusiastas; para o Mega Drive, poderia ficar na faixa dos R$500.
Mas também não estranharia um esforço pra reduzir e assim alcançar mais gente. Em tempos de emulação fácil, não é todo mundo que vai trocar um Raspberry Pi, que pode ser importado por R$150 e virar praticamente a máquina retroemuladora dos sonhos, por um Mega Drive três vezes e meia mais caro. Aposto na faixa dos 400.
Então, revisando...
...minhas apostas para o novo Mega Drive, ou seja lá o que sair da investida da Tectoy:
Visual: idêntico ou muito próximo ao Mega Drive clássico, o primeiro com o 16-bit na carcaça. Improvável que siga o formato miniatura que a Nintendo escolheu, que recebeu algumas críticas de fãs que queriam usar cartuchos. O mais legal deve ser a embalagem, como que tirada de uma loja esquecida. Até imagino a caixa com o lobo do Altered Beast...
Controles: o logotipo do projeto lembra o controle original de três botões, mas sabemos que ele não funciona bem para quase nada feito depois de 1992. Apesar de ter sua carga nostálgica, devem ir de 6B mesmo. No mínimo, como opção.
Cartuchos: como é uma das principais solicitações do público, a Tectoy deve ter se empenhado nisso, chance de 99,9%. Já produção de cartuchos é chance zero, envolveria muitas marcas e direitos autorais.
Jogos adicionais: certamente os clássicos numa memória interna, e mais com entrada para SD card, afinal não dá pra contar só com o público que guardou cartuchos (em termos comerciais, quase ninguém).
Sega CD, 32X, Virtua Racing, Game Genie: notórias incompatibilidades dos consoles-emuladores, duvido muito que seja diferente no novo aparelho, a não ser que sigam o projeto original com fidelidade, e aí voltamos ao problema de preço, disponibilidade de componentes, etc. Por que aumentar o custo com extensão para Sega CD, que praticamente ninguém tem? Eu acharia demais, mas duvido.
Já Virtua Racing e 32X parecem questões menos difíceis. Um cara, anos atrás, garantiu ter refeito conexões faltantes no tosco hardware da Majesco para reativar a compatibilidade com 32X, Virtua Racing, Game Genie e 90% dos jogos do Master System — nunca explicou como, o que levanta dúvidas sobre a veracidade, pode ser só um case mod. Se for real, seria barbada também pra equipe da Tectoy.
Hardware: é a parte mais complicada de cravar. Os componentes do Mega Drive original eram simples, e não parece difícil substituí-los por similares de outros fabricantes. A questão é se compensaria, pois terão que revisar coisas pra lidar com o HDMI, por exemplo. Não dá pra saber o quanto será modificado, mas o mínimo que espero é uma placa que nem de longe seja vagabunda como nos "Mega Drive Guitar Hero"s da vida, mas revisada para reduzir custos desnecessários.
E se tivesse um gerador de scanlines e saída em várias resoluções, como no XRGB? Tá, parei, mas não custa sonhar.
Preço: R$500 provável, R$400 desejável, daí pra baixo espetacular. Considerando o preço de um bom upscaler, será barbada pra quem quiser clássicos rodando bonitos na TV atual, ainda mais com o pacote de benefícios como visual e jogos incluídos.
P: "Se fosse para voltar a produzir um console de sucesso da Tectoy, qual você gostaria?"
R: Bom Tectoy, se vocês realmente "voltarem a produzir" um Mega Drive, preparem-se pra virar referência desse novo mundo retrô. Se tentarem pegar um cascalho e correr pro banco rindo da nossa cara de criança iludida, provavelmente não terão outra chance.