Depois da grande recessão na indústria americana de games em 1983, ninguém queria ter produtos associados ao símbolo do fracasso: o videogame. A onda eram os computadores, que além de jogar, ofereciam ferramentas educacionais para a família toda. A Atari teve seus modelos enquanto nomes como Commodore, MSX e ZX Spectrum entravam no vocabulário popular.
Nesse cenário de pós-apocalipse, a Nintendo trabalhava estratégias para fazer o Famicom cruzar o oceano, sob comando de Minoru Arakawa. Se a "Terra das Oportunidades" sofria com um clima desolador para o setor, no Japão, longe dessa crise que os americanos arrumaram pra si mesmos, o 8-bit ia melhor que qualquer planejamento, vendendo mais que pão quente pela manhã.
Jogá-lo na praça como o que realmente era — videogame — seria praticamente suicídio comercial. A abordagem mais inteligente para a América era dar um "tapa no visual" da máquina primeiro: usar o mesmo hardware, mas adicionar periféricos e enfeitar com um rótulo abusado tipo "o computador para a família" ou outra frase marqueteira de efeito. Fazer o que fosse preciso para convencer todos de que não era só mais um dos falidos brinquedinhos tentando viver do passado recente e sombrio.
Foi mais ou menos com isso na prancheta que nasceu o primeiro desenho do Famicom americano, substancialmente diferente do NES que viraria realidade pouco depois. Como ter um nome amigável aos locais podia ser meio caminho andado para a aceitação, a Nintendo negociou com a calejada Atari para inserir o Famicom nos EUA em parceria: fabricariam hardware e teriam vantagens no licenciamento de software.
Na CES de 1984 foi apresentado o Nintendo Advanced Video System, ou apenas Nintendo AVS. Não por coincidência, o procedimento era similar ao do lançamento do Atari 2600, que também havia sido batizado originalmente com uma sigla, VCS (Video Computer System).
Desenhado por Lance Barr, era um protótipo com design modular, cara de videocassete ou qualquer aparelho eletrônico da sala, não um óbvio brinquedo como o Famicom. A proposta ia além de um "sistema de vídeo avançado"; na verdade, tinha mais de "sistema de entretenimento" do que o NES teria.
Um imponente e modernoso módulo principal (abaixo, com o cart lilás conectado), acompanhado por teclado, num esquema de cores bonito e elegante, em tons de cinza com destaque em vermelho — tal como demais acessórios, que incluíam gravador de fita K-7, joystick, teclado musical, controles sem fio e uma pistola diferente do que seria a Zapper (mais futurista, eu diria).
O formato angular, cantos retos, quadradão, era planejado para "montar" módulos uns sobre outros, ou posicioná-los lateralmente. O teclado daria suporte a várias possibilidades como softwares de programação (BASIC) e entrada de dados. Teria praticamente todas as características dos queridinhos computadores, adicionando funções inovadoras como edição de games (por exemplo, desenho de pistas em games de corrida), a pistola de atirar na tela e composição musical. Os engenheiros trabalharam duro.
Mesmo assim, não foi exatamente um sucesso naquela CES. Por capricho do destino, um desentendimento com a Atari levou ao cancelamento — ou melhor, revisão do modelo. Sem apoio da outra, a Nintendo teve que repensar o projeto por conta própria, encarar a missão cascuda sozinha; Arakawa ordenou várias alterações, cortando partes e mudando outras, por questão de economia ou funcionamento insatisfatório (os controles sem fio ainda não eram confiáveis o bastante).
Das cinzas do AVS, o NES começava a tomar forma.
Como contou Lance Barr:
Após a primeira aparição pública na CES, fui orientado a redesenhar o case baseado em novos requerimentos da engenharia. Para reduzir custos, o controle sem fio e alguns componentes modulares como teclado e gravador de voz foram eliminados. Mas a maior mudança foi a orientação e tamanho necessário para acomodar um novo slot para cartuchos. O encaixe foi um conector "força zero", permitindo que o game fosse inserido com pouca força, e então virado para baixo até a posição de contato.
Alguns esboços depois, e veio o NES cinza, retangular, que apresentado na CES 1985, foi adorado por milhões nos meses e anos e décadas seguintes. O protótipo e periféricos estão em exposição na Nintendo World Store, em Nova Iorque; a maioria das bugigangas foi lançada no Japão para o Famicom.
Se lançado assim, pretensioso e focado em outro público, é impossível dizer que fracassaria, já que outros se davam bem com formatos similares. Mas também não dá pra cravar que teria sido remotamente próximo ao sucesso do NES. Como diz o ditado, "há males que vem para bem".