A primeira e honesta impressão é a da clássica nerd, aquela do cinema: grandes óculos, roupas comportadas, penteado simples. Como a própria admite, Shaw não fazia parte do estereótipo da mulher americana.
Quando criança, tinha pouco interesse por bonecas; preferia brincar com os modelos de ferrovia dos irmãos — e já fazia algumas traquinagens eletrônicas neles. No colégio, foi fera em matemática e pouco depois, seu interesse foi a ciência da computação, campo em que praticamente não havia mulheres nos anos 70.
No início da carreira, chegou logo à Atari para programar games em seu novo console, o 2600, tornando-se a primeira game designer, o que só se daria conta depois. Nos anos seguintes, trabalhando com eles e depois na Activision, assinaria um dos maiores clássicos da história: River Raid.
Acompanhe a entrevista com Carol Shaw, conduzida por Benj Edwards para o Vintage Computing, em 2011. Ela fala sobre Atari, o papel das mulheres em seu campo, ideias de jogos, projetos nunca lançados, crash de 83 e muito mais.
Imperdível para quem curte bastidores, acompanhe!
Infância e formação
Benj Edwards: Quando e onde você nasceu?
Carol Shaw: Palo Alto, Califórnia, em 1955. É onde nasci e cresci.
Como nasceu o interesse por computadores?
Começou no colegial. Havia na escola um sistema compartilhado com BASIC. Você podia digitar programas básicos nos teletipos, e descobri que havia games no sistema, como Star Trek. Claro que eram baseados em texto.
Foi o primeiro computador que usou?
Sim, foi no colegial. Era divertido; na aula de matemática nos faziam escrever um programa pequeno, e no começo era meio intimidador ir à sala do computador, porque parecia que havia muito mais meninos usando.
O conceito de que seu programa provavelmente terá bugs — que você precisa depurar — não me ocorreu no começo. Pensava "Escrevi esse programa para cálculos simples, sei o que ele vai fazer", no começo eu nem sequer digitava, e mais tarde comecei a fazer isso e comecei a gostar de programar e jogar games.
Frequentou a faculdade?
Frequentei a UC Berkeley. No começo não sabia o que queria. Tentei coisas diferentes e fiz curso de engenharia civil, fazíamos agrimensura com fitas de aço. Então cursei programação. O primeiro usava cartões perfurados e Fortran, era preciso esperar uma hora para ter seu trabalho depois de ir para o leitor. Tínhamos que ter muito cuidado e cometer o mínimo de erros possível, porque o processo demoraria.
Quando decidiu pelo seu curso?
Não lembro exatamente. Comecei na Faculdade de Letras e Ciências, e fui transferida para a Faculdade de Engenharia. Eles tinham graduação de computação em Letras e Ciências, mas também de engenharia elétrica e ciência da computação em Engenharia, que foi o que acabei escolhendo. Tive algumas aulas de informática, com ênfase em software e não em hardware, mas também algumas aulas de hardware.
Então naquele tempo você descobriu que tinha interesse numa possível carreira em engenharia?
Era algo que eu gostava, e fazendo aquilo poderia conseguir um emprego depois de me formar.
Seus pais eram engenheiros?
Sim, meu pai; era engenheiro mecânico, seu último emprego foi na SLAC, de Stanford Linear Accelerator Center. Ele trabalhou na Varian por um tempo, entre outras empresas. Minha mãe era dona-de-casa, mas uma vez meu pai foi despedido e ela começou a trabalhar na biblioteca de Stanford, nos registros seriais, checando jornais e revistas que eram enviados aos assinantes.
Sua mãe tinha algum interesse matemático ou científico?
Acho que ele não gostava muito dessas coisas. Se não me engano ela tinha alguma graduação, mas esqueci. Meus pais se conheceram na Syracuse University em Nova Iorque.
Quando decidiu pela engenharia, por ser mulher, seus pais acharam estranho de alguma forma?
Não, eles me encorajaram. Quando estava no ensino fundamental e no colegial, eu era boa em matemática. Entrei em alguns torneios e ganhei prêmios. Claro que as pessoas diziam "Caramba, para uma menina, até que ela é boa em matemática", esse tipo de coisa chata. Por que as meninas não podiam ser boas em matemática?
Você concluiu a graduação em Berkeley?
Sim, obtive o bacharelado em ciências e tecnlogia em 1977, e depois o mestrado em Ciência da Computação, num programa de um ano. Fui entrevistada pela Atari enquanto terminava o trabalho de conclusão de curso.
Chegada à Atari
Sua primeira entrevista de emprego após a formação foi na Atari?
Tive entrevistas em algumas empresas, tive várias ofertas, mas a da Atari me pareceu divertida. Eu seria paga para jogar videogame [risos].
Jogava videogame antes disso?
Sim. Costumávamos ir ao minigolfe e havia uma sala de jogos com arcades. Um dos primeiros foi Computer Space, acho que saiu antes de Pong, mas era considerado complicado e não pegou. Tinha que ser jogado por duas pessoas: uma controlando a nave e outra atirando, era o jeito para controlar todos os botões.
Então você jogou o primeiro arcade comercial da história, Computer Space.
Eles também tinham Space Wars no Stanford Student Union [na verdade, Galaxy Game, instalado em 1971], antes disso ainda. Depois colocaram mais arcades no minigolfe. Acho que joguei alguns antes de ir para a Atari. Tive um game dedicado com o Radio Shack, que eu conectava ao meu televisor preto e branco e jogava algo similar a Pong. Não tinha cartuchos, só os games embutidos. Eu tinha alguma experiência com games e gostava deles.
Nunca havia escrito um game, mas a Atari me contratou porque eu era experiente em programação. Além disso, a Berkeley tinha um programa de estudos cooperativos de engenharia em que você podia trabalhar por seis meses numa grande companhia, e depois voltar à escola por seis meses em tempo integral. Fiz programação em linguagem Assembly para ESL em 1975 e trabalhei para a Amdahl em 1976, aí tive um trabalho de verão numa pequena startup chamada muPro. Tinha muita experiência em programação em linguagem de montagem para esses trabalhos, isso me ajudou a conseguir ofertas de emprego.
A Atari foi até você, ou você se aproximou deles?
Acho que eles estavam fazendo entrevistas no campus. Fui entrevistada por eles e várias outras companhias, não lembro exatamente como fiquei sabendo da vaga, mas provavelmente foi fazendo entrevistas no campus ou ao menos através de divulgação no campus. Estava terminando meu curso, eles me ofereceram um emprego e eu aceitei.
Quem entrevistou você na Atari?
Lembro de conversar com Al Miller. Ele estava criando um game, Hangman [do Atari 2600], e eu joguei.
Como foi o processo de entrevista? Você visitou a Atari?
Sim, visitei o escritório deles, joguei os games e fiz a entrevista, mas não lembro muito dela.
Eles mencionaram algo sobre ser uma mulher, como algo incomum para a época?
Não quando fui entrevistada, mas mais tarde. Uma vez eu estava trabalhando no lab, e Ray Kassar, presidente da Atari, estava em visita. Ele me disse, "Ah, enfim temos uma mulher game designer. Ela pode fazer correspondência de cores e decoração de interior nos cartuchos!". Eram dois temas nos quais eu não tinha interesse, então...
O que ele disse incomodou você?
Mais tarde, outro cara disse "Não ligue pra ele. Faça o que quiser fazer". Não era como se houvesse discriminação em relação aos outros designers, ou algo assim.
Havia outras mulheres trabalhando na Atari que não fosse no game design?
Sim, uma trabalhava na escrita técnica. Eles tinham um manual para Atari BASIC [para o Atari 800] e alguém escreveu um tipo de manual decorado que supostamente deveria ser humorado, mas tinha vários erros técnicos. Acabei o revisando. Sei lá, talvez a abordagem humorada fosse OK, mas queríamos que fosse preciso.
Como se sentia sendo a única mulher game designer lá?
Não pensava muito nisso porque não costumava haver muitas em minhas salas de ciência da computação. Quero dizer, havia algumas. Em uma pesquisa de classe, era o segundo trimestre em que o professor tinha mulheres em sua classe — acho que ele fez algum comentário sobre mulheres estarem começando a aparecer nessas áreas.
Você sabia de outra mulher na indústria de game quando trabalhava na Atari?
Não, de nenhuma. Dona Bailey trabalhou com arcades. [Nota do entrevistador: Bailey confirmou por e-mail que entrou na Atari entre maio e junho de 1980.]
Não lembro de tê-la encontrado. Eu estava na divisão de videogames, não havia muito contato entre nós e o pessoal dos arcades, mesmo que estivessem a apenas um descer de escadas no mesmo prédio. Acho que eles meio que mantinham segredos, não queriam competidores de Atari descobrindo o que estavam fazendo.
Você se deu conta na época que podia ser a primeira mulher no game design?
Foi mais tarde que as pessoas começaram a falar isso, e eu nunca havia podido checar. Estive pesquisando isso que falou — 10 Mulheres Game Designers — e algumas começaram talvez um pouco depois daquele tempo. Comecei no verão de 78, em agosto de 78. Não sei ao certo quando elas começaram. O Apple I foi lançado quando, em 77 ou algo assim?
1976
Isso, Apple I em 1796 e o Apple II em 1977, então não sei se havia alguém criando games para ele.
É possível, mas você é a primeira que eu saiba.
Sim, ok.
Você é a primeira entre as firmemente documentadas. Você pode até ser a primeira game designer de consoles, em vez de, por exemplo, ser a primeira game designer de computador, se quiser fazer a distinção das áreas. Mas é só questão de detalhes, acho.
Bem, verdade. Ah sim, e havia os games de tabuleiro antes disso.
Trabalhando na Atari
Qual foi seu primeiro projeto na Atari?
Foi o game Polo. Ele surgiu porque a Atari havia sido comprada pela Warner Communications, que era de Ralph Lauren, e ele estava lançando a colônia Polo, então queriam criar um produto inspirado, que seria introduzido nas lojas de departamentos Bloomingdale, de Nova Iorque. Queriam ter consoles Atari 2600 espalhados pelas lojas rodando um game de polo.
Fui designada para esse título e eles queriam uma figura bem detalhada e reconhecível dos jogadores de polo. Acho que foi Dave Crane que trouxe a ideia, nós chamamos de "jogador de venezianas fechadas" porque o jogador tinha 8-bits de largura, e você movia o jogador sete pixels para a frente e para trás em linhas alternadas.
Joguei no emulador antes dessa entrevista e notei isso. Por que o fizeram assim?
Para ter um jogador mais largo e detalhado. Em um quadro alternado, nós preenchemos as outras linhas para ter um tipo de cintilação. Provavelmente não era a melhor tecnologia, talvez fosse melhor sem a cintilação, mas foi assim que fizemos.
O que aconteceu com o game?
Enviamos alguns protótipos e instruções escritas à mão para o evento em Nova Iorque, mas nunca tive qualquer resposta. Eles chegaram a usá-lo? Como foi isso? Bem, a Atari decidiu não lançá-lo. A marca Polo de Ralph Lauren era popular, mas o esporte não tanto, então o game não foi lançado, só anos depois.
Havia um CD, que eu tenho aqui — Stella Gets a New Brain, a coletânea do Starpath Superchager...
Lembro disso.
Esses caras me contataram, queriam usar o Polo como game bônus no disco. Havia um pequeno escritório da Atari em Sunnyvale na época, entramos em contato com eles. Eu tinha a ROM que salvei, meu marido levou a EPROM à Xerox PARC, onde trabalhava, a duplicou e obteve o binário. Criei um arquivo binário e levamos até o escritório da Atari. Eles deram permissão para o lançamento no CD. Claro que quando o CD foi lançado, o binário estava lá.
Por isso eu o tenho agora. Engraçado saber como ele viajou.
[risos] Sim, é engraçado que tenha se tornado raro assim, um protótipo valioso porque o game nunca foi lançado. Tenho a ROM original. Não sei o que aconteceu com as outras que enviei. Ainda bem que guardei, senão ela não teria sido preservada.
Você foi contratada especificamente como game designer na Atari?
Sim, fui contratada para ser game designer.
E um game designer era sempre um programador naquele tempo, certo?
Naquele tempo uma pessoa fazia o game todo: design, programação, gráficos e sons. Você recebia o feedback de outros designers, mas basicamente uma pessoa fazia a coisa toda.
Qual era o título do seu cargo?
Vamos ver... tenho um currículo impresso aqui. Na Atari, o título era "Engenheira de Software de Microprocessador"
Soa bem imponente.
Sim.
Foi em 1978 que você criou o Polo?
Comecei em agosto e levei mais dois ou três meses para programar. Um programa de dois kilobytes, e claro, só 128 bytes de RAM [do Atari 2600].
Qual era o clima na Atari no tempo em que trabalhou lá? Era um lugar legal para trabalhar?
Sim. Bem, o início foi divertido — criando games — eles tinham uma sala de jogos com todas as máquinas onde você ia na hora do almoço e jogava arcades.
E como era seu escritório como game designer na Atari?
Eu dividi o escritório com um cara chamado Ian, esqueci o sobrenome dele. E tínhamos o lab. O escritório tinha janelas e o laboratório ficava no meio do prédio — em certo ponto, tínhamos um computador Tandem para digitar os programas. Você trabalhava no seu código, então ia ao lab e testava no sistema, fazia a depuração (debug) e assim por diante. Os programas ficavam em floppies de 8 polegadas.
Havia um terminal em seu escritório, ou era um computador completo?
Eu tinha um terminal conectado ao mainframe Tandem. Não tenho certeza se tinham aquilo quando comecei, mas acabei tendo um terminal. Não havia computadores pessoais ou algo assim.
Quantas máquinas existiam no laboratório?
Havia algumas, não lembro exatamente.
Eles carregavam o programa direto do disco, ou você tinha que gravar o game num EPROM primeiro?
Não, não precisava ir para um EPROM. Tínhamos um tipo de sistema de desenvolvimento doméstico em crescimento, em que você carregava os dados do floppy nesse sistema, que tinha um terminal para fazer a depuração. Não era preciso gravar uma ROM cada vez que fosse testar algo, usava-se esse sistema que eles tinham. Eu tinha uma TV como monitor e podia modificar o programa. Podíamos fazer modificações pequenas sem precisar remontar a coisa toda se quiséssemos só testar pequenas modificações.
Quando estava na Atari, você presenciou alguma tensão entre veteranos que já estavam lá antes do gerenciamento da Warner?
Sim, houve a separação da Activision. A Atari queria dar ênfase à marca Atari, não queriam citar nomes de designers, dar qualquer reconhecimento como colocar seus nomes nos cartuchos e coisas assim. Acho que havia uma coisa tipo "Vocês sabem, esses game designers são só um bando de estrelas estressadas". Alguém até fez camisetas "Só mais uma estrela estressada da Atari".
[Nota do Tradutor: no original, "prima donnas", mas acho que "estrelas" fica mais óbvio. Confome explica Matthew Hubbard, game designer da Atari na época, Ray Kassar havia sido colocado no comando da Atari com a chegada da Warner, mas não entendia bulhufas do negócio: seu setor era o têxtil. Mas era boquirroto, e numa entrevista, soltou a pérola que Shaw contou acima].
Gostou de trabalhar com alguma pessoa em particular na Atari? Colaborou com outros designers?
Dave Crane tinha um monte de boas ideias. Ele era um dos que dominavam a técnica da cortina veneziana, embora tenham usado algo similar num game de xadrez em que Bob Whitehead estava trabalhando. Trabalhei com as pessoas que saíram para formar a Activision, você sabe: Dave Crane, Bob Whitehead, Larry Kaplan, Al Miller, e havia mais alguns.
Quando esses caras saíram para formar a Activision, por que não foi com eles?
Não sabia que estavam deixando a Atari para formar a Activision. Só quando fui para a Tandem Computers, que a Activision me ofereceu um emprego.
Quando desenhava games na Atari, você esboçava coisas no papel ou ia tudo da sua cabeça direto para a programação? Como funcionava?
Os gráficos, desenhávamos em papel. Ninguém havia desenvolvido nada ainda para usar o computador, então você só desenhava as coisas no papel, e aí codificava manualmente em valores hexadecimais. Acho que eu até escrevia meu código [em papel] e então o digitava, porque não havia editores em que você pode modificar o texto naquele tempo, tínhamos só editores de linha, aquelas coisas bem tediosas.
Imagino. Como era sua jornada na Atari?
Trabalhava as 8 horas padrão por dia. Não lembro que hora começava, eles tinham horários flexíveis. Não trabalhava por muitas horas seguidas. Ia de bicicleta, então não gostava de ficar até muito tarde. Durante o inverno, podia ter que voltar de bicicleta para casa no escuro, então não queria ir muito tarde, gostava de trabalhar só no horário padrão.
Você morava perto da sede da Atari?
Uns 16 km.
É bastante.
Foi o trajeto mais longo que já fiz na vida de bicicleta, então eu estava em boa forma na época.
Você morava sozinha?
Vivia com meu marido, Ralph Merkle, em Montain View. Nos conhecemos em 1976 em Berkeley, no CS111 — Computer Science System Simulation — e moramos juntos por um tempo antes de nos casar. Ele percebeu que eu o bati no tempo médio, então ficou interessado, aí fomos para Stanford, fazendo seu trabalho com chaves públicas de criptografia.
Eu não tinha terminado o mestrado quando comecei na Atari, porque precisava fazer um projeto que não havia concluído. Mas disse a Atari que obteria a graduação. Terminei meu trabalho de conclusão usando um terminal caseiro que Ralph e eu construímos. Tinha um teclado que meio que se curvava na metade quando você o pressionava. Era preciso comprar um tipo específico de TV preta e branca e modificá-la para conectar a esse terminal. Eu podia ligar para Berkeley e trabalhar no meu projeto. Obtive o mestrado em 1979. Nos casamos em 1983.
Desenvolvimento na Atari
Qual o maior desafio que enfrentou ao programar no Atari 2600?
Imagino que você saiba que era uma máquina muito difícil de programar. Você precisava gerar cada linha do monitor, linha por linha, e contar quantos ciclos cada instrução levaria, e — era isso mesmo? — 76 ciclos de instrução por linha; e você podia fazer uma instrução sincronizada se tivesse alguns ciclos restantes no fim da linha. Podia se emitir uma espera de sincronização e aguardar pela próxima linha para começar, então não precisava ser exatamente 76, mas às vezes você contava e tinha o número certo de ciclos.
Era muito difícil, mas também flexível, permitia fazer mais do que eles [a Atari] jamais pensaram que poderiam. Foi originalmente desenhado apenas para Tank e Pong e mais algumas coisas.
Foi então que criaram novas técnicas para games mais sofisticados.
Fizeram o bank switching. Originalmente, você poderia ter só 4 KB [de espaço na ROM]. Mais que isso, e teria que fazer bank switching. Lançaram aquele Supercharger com RAM extra que dava muito mais flexibilidade, porque você podia ler tudo da RAM. Nunca trabalhei com aquilo; fiz 3D Tic-Tac-Toe e Video Checkers com só 128 bytes de RAM.
Qual deles fez primeiro? Video Checkers or 3D Tic-Tac-Toe?
3D Tic-Tac-Toe. Devo ter começado ele em 1978, ou 1979, e levado uns seis meses para terminar. Havia um game de tabuleiro chamado Qubic que era basicamente um Tic-Tac-Toe 4x4x4, acho que a ideia veio de lá.
Foi ideia sua começar o game?
Não sei como eu tive a ideia de transformar aquilo em videogame, mas foi minha. Claro que programar um jogo no computador era um desafio interessante.
Parece difícil programar uma IA numa máquina tão limitada.
Sim, e tínhamos só 2KB de ROM. Não exibíamos o tabuleiro ao mesmo tempo em que o computador fazia o próximo movimento.
Percebi, por que isso?
A primeira razão é que não havia RAM suficiente para ambos. A outra é que tentar manter a sincronização de vídeo é bem difícil enquanto estão ocorrendo cálculos na máquina. Talvez fosse possível, mas seria bem mais lento. Estaríamos só gastando a maior parte do tempo exibindo o tabuleiro, e só ficaria o intervalo vertical para cálculos. Não sei se seria possível ou não. Foi o mesmo caso no game de damas — mudava a cor de fundo de vez em quando, vinham os cálculos, e quando estava pronto, voltava o tabuleiro.
Alguém ajudou você com o 3D Tic-Tac-Toe?
Ralph encontrou um artigo sobre algo como o jogador que começa poder ganhar sempre se jogasse de forma perfeita. Eles testaram com ajuda de um computador. Ele também aproveitava a simetria: não importa em qual canto você jogue, os oitos cantos são iguais.
A cada rodada, o computador perguntava a ele que movimento ia fazer, e ele ajudava o computador a fazer o movimento. Ele provou através desse método cansativo que o primeiro jogador poderia vencer sempre se examinasse o tabuleiro para escolher o movimento seguinte. Não havia espaço para colocar aquilo num jogo de 2 KB, além de ficar chato se o computador sempre jogasse do mesmo jeito a cada examinada no tabuleiro.
Verdade.
Eu queria ter um nível de aleatoriedade em como o computador jogava. Acabei optando por uma árvore de busca; você tem certo número de possíveis movimentos e seu oponente, certo número de contra-movimentos, então temos essa árvore que torna-se cada vez maior a cada movimento.
Havia uma dificuldade selecionável que examinava mais fundo na árvore?
Havia oito níveis, então basicamente o computador examinava um movimento adicional a cada nível, começando com um movimento antecipado, até os oito. O artigo dizia que o quadrado mais forte para jogar era o dos oito cantos, e depois os oito quadrados centrais, então a IA poderia começar jogando naqueles quadrados. Fora isso, era só uma olhada adiante nos movimentos.
3D Tic-Tac-Toe foi o primeiro game vendido dos que você desenhou?
Sim.
Como se sentiu ao vê-lo completo? Foi a uma loja pra ver a caixa e comprou uma cópia?
Bem, eu não sei, não ia muito a lojas. Lembro de mais tarde, quando fui entrevistada para uma das revistas na Activision, de ir a uma loja e dizer "Oh, veja a revista que tem meu artigo".
Mas não fazia isso com games?
Não, não muito. A gente ganhava uma cópia do game da Atari. Na Activision, cada vez que um game era lançado, eles davam a todos na empresa uma cópia, então eu tenho todos os games que a Activision lançou desde quando comecei a trabalhar lá. Guardei todos, guardei as caixas. Em algum lugar, tenho os manuais de instruções, mas não os encontrei ainda.
Video Checkers
O que levou você a escolher Video Checkers como próximo projeto? Foi ideia sua o game de damas?
Sim, acho que por causa do Bob Whitehead que estava fazendo o Video Chess, pensei que damas parecia algo interessante para se trabalhar. Não sabia que Al Miller estava fazendo Checkers na Activision ao mesmo tempo que eu na Atari.
Falamos ambos com o Professor Arthur Samuel em Stanford, porque ele esteve trabalhando em damas para computador. Samuel não deixou transparecer nada sobre estar conversando com nós dois.
Provavelmente devido à sua reputação.
Sim, estávamos trabalhando independentemente. Havia também um algoritmo mais sofisticado do que quando fiz 3D Tic-Tac-Toe. Quero dizer, há estratégias óbvias como você tentar avançar suas damas para empilhá-las, e nós também tentamos controlar o centro do tabuleiro. Há várias formas de avaliar o estado do tabuleiro.
Fiz também uma poda alfa-beta. Em vez de busca cada movimento possível, se estamos descendo um ramo na árvore, é como se você dissesse "Este galho obviamente não vai dar em lugar algum e não é tão bom quanto outros galhos", então você não continua naquele galho — você o poda e para a pesquisa ali. Isso acelerou um pouco o processamento.
Era um algoritmo bem mais sofisticado. Eu tinha 4 KB [ROM do cartucho) e Al fez o dele em 2 KB. Eu estava satisfeita, então alguém conseguiu um binário do game de Al na Atari. Entramos no sistema de desenvolvimento no lab e demos uma examinada, mas acho que não fiz nenhuma mudança baseado nele.
O que pensou da versão dele? Foi algo tipo "Oh caramba, alguém fez outro jogo de damas"?
Eu meio que já tinha deixado o tema de lado, e e ele também, estava mexendo com um game de damas com aparência 3D quando empilhadas, então achei bom. Ele também conseguiu manter sincronização vertical, e não exibia o tabuleiro, só uma tela preta e mantinha a sincronização vertical, aí quando a tela voltava ela não rolava ou coisa assim. Foi aí que joguei o meu game contra o dele.
Quem ganhou?
Dando um tempo similar para cálculos, meu game bateu o dele. Fiquei satisfeita com isso.
Outros projetos na Atari
Depois de Checkers, o que você fez na Atari?
Trabalhei no display de Super Breakout. Era um game de arcade e eles queriam convertê-lo para o 2600, então eu tive que descobrir como criar o display. Você pode ter até três bolas em movimento, então usei uma e dois como mísseis para ter as três, e podemos adicionar blocos descendo pela tela.
Há variações, então fiz uma prova de conceito para demonstrar que isto era possível antes de deixar a Atari. Não terminei o game, alguém lá o fez. De fato, eu o encontrei anos depois; não lembro se ele disse ter usado meu código — tenho certeza que deu uma olhada, pelo menos. Também fiz os gráficos de Othello, de Ed Logg.
Fez algo para os computadores 8-bit?
Fiz 3D Tic-Tac-Toe para o Atari 800. Também fiz uma calculadora para o 800, não era um game.
Foi lançada?
Sim, foi. Acho que era em floppy. Ainda a tenho numa embalagem lacrada, chama-se Calculator. Basicamente, era uma calculadora programável portátil que tinha funções financeiras e científicas, em que poderíamos programar. Teria sido melhor se tivéssemos licenciado à VisiCalc para colocar uma planilha no computador. Teria sido bem mais popular, mas não fizemos isso. Fiz essa calculadora, ela vendeu, tenho uma.
Trabalhou com alguma outra coisa na Atari antes de sair?
Acho que foi tudo o que fiz na Atari.
Então você ficou lá de 1978 a 1980?
Quase dois anos.
Saída da Atari e Tandem
O que te fez deixar a Atari?
A indústria de games estava indo continuamente por aqueles ciclos de altas e crises, e acho que apontando para o fim havia um tipo de "mini-crise" — quero dizer, antes da grande crise de 83, havia um tipo de mini-crise quando estavam demitindo pessoas e escrevendo memorandos sobre o desperdício de clipes de papel e coisas assim [risos].
Durante esses ciclos de crise, as coisas ficavam estressantes e nada divertidas. Trabalhei com um cara chamado Larry Gray na ESL e depois na muPro, e ele havia conseguido um emprego na Tandem Computers. Ele me ligou e disse "Ei, gostaria de trabalhar para mim na Tandem?". A Atari não era mais divertida como costumava ser, então saí de lá.
Houve razões em particular para querer sair, ou foi só pelo clima geral da companhia?
Acho que foi pelo clima geral.
Você sentia que a Atari não valorizava seus programadores?
Era como se eles não dessem muita importância. Acho que um pouco da confusão aconteceu depois, provavelmente depois da minha saída.
Foi para a Tandem porque pagavam mais?
Acho que eles pagavam um pouco mais, mas não foi um fator determinante. Foi algo como "Estive fazendo games por um tempo, vamos tentar algo diferente".
O que fazia na Tandem?
Eles tinham um processador de serviço baseado no 68000 — uma placa que plugada ao mainframe, o diagnosticava e subia. E tinham um kernel ou OS já escrito pra ele em linguagem Assembly. Parte da programação era feita em C, mas eles queriam alguém para as partes de assembly, que precisavam ser muito rápidas, como os manejadores de interrupção para o terminal do console, modem e outros dispositivos. Era uma das que sabiam assembly e podiam fazer isso.
Chegada a Activision e River Raid
Como você começou na Activision?
Fiquei só na Tandem por 16 meses antes da Activision me ligar e dizer "Gostaria de trabalhar para nós?". Eles tinham sido processados pela Atari, e havia um acordo de não roubar pessoal da Atari, mas trabalhei na Tandem, isso significava que podia assinar contrato com a Activision.
Lembra de quem te ligou?
Acho que foi o Al Miller, acho que ele ficou impressionado com meus games de damas.
Será que ele sabia que seu game de damas bateu o dele?
Não sei. Eu joguei o meu contra vários games de damas. Havia algo chamado VideoBrain ou algo assim, que eu também joguei contra.
Ele me ligou e me entrevistou, e eles me ofereceram a opção de ações da companhia. Disseram "Suas ações podem se tornar muito valiosas". E pensei que seria divertido voltar aos videogames.
Em que ano você juntou-se à Activision?
Comecei lá bem no início de 1982, então a entrevista foi em 81. Percebi que ao mesmo tempo em que era entrevistada por eles, também podia ir à Imagic, que ficava em Saratoga [Califórnia]. Fui até lá, mas eles disseram "Você não fez nenhum game de ação", e não me fizeram uma oferta.
A Imagic estava interessada só em games de ação?
Sim, porque não acho que games de tabuleiro vendam tão bem assim. É um projeto interessante na programação, mas não acho que sejam grandes vendedores, embora a Atari nunca nos dissesse o quanto os games vendiam. Não recebíamos qualquer feedback.
Isto influenciou no porque de seu trabalho seguinte, River Raid?
Sim. Eu disse "Caramba, games de ação. Games de ação devem ser bons". River Raid foi na verdade inspirado em um arcade chamado Scramble [lançado pela Konami em 1981], era um game espacial. Fui até Al Miller e disse "Estou pensando em fazer um game espacial". Ele respondeu "Há muitos games espaciais, tente algo diferente".
Eu queria fazer um game de tiro com movimento de tela, então comecei a desenhar e disse "Se usar o campo de jogo para os gráficos, podem ser de 4 pixels de largura, então um scroll horizontal não vai funcionar bem, vai ficar muito irregular". E pensei "Vou fazer o scroll vertical", porque você pode mover uma linha por vez, e a linha tem cerca de meio pixel, dando um movimento muito mais suave.
Outra coisa era o campo de jogo; se você não mudá-lo dinamicamente no meio da linha, pode ter a metade esquerda da tela idêntica ao lado direito, ou a metade esquerda espelhada no lado direito. Estava esboçando no papel quando pensei "Ah, posso fazer uma imagem espelhada, que vai parecer um rio com ilhas no meio". É daí que veio o tema do rio.
A primeira parte é bem direta. Os margens do rio são retas e você pode seguir a essa seção onde ela termina, e vai para a esquerda ou direita ao redor da ilha, poderia ser um rio. A princípio o jogador pilotava um barco, não um jato, mas meu barco não ficou bom. Então eu disse "Que tal fazer um avião ou um jato? Um jato parece bom, vamos fazer um jato".
Foi ideia sua mudar para o jato?
Acho que fiz um avião que não era um jato e talvez Dave Crane tenha dito que um jato seria melhor.
Você já teve que explicar porque o jato pode bater nas margens do rio quando está voando acima dele?
Sim, é meio sem lógica — a menos que você esteja voando num cânion ou algo assim. Na versão do Atari 800, há um tipo de parede de cânion. Mas ele ficou melhor com um jato. Acho que eu fazia games pensando mais num bom visual e gameplay do que no realismo [risos].
Bem, isso nunca me incomodou. Eu só pensava nisso — como você podia bater...
...bater nas margens do rio. E por que aqueles aviões voando horizontalmente acertam você mas não batem nas margens? Eu não sei [risos].
Ouvi dizer que sua técnica para gerar o mapa de River Raid foi único. Como o fez?
Ele tinha só 4 KB de ROM, não muito espaço para guardar gráficos, então só ficaram gráficos de transições entre as larguras do rio em sequência. Isto foi dividido em seções de 32 linhas e usei um gerador de número pseudoaleatório para decidir a próxima largura, então basicamente, acontecem algumas mudanças e adições, e a próxima largura é decidida.
Tenho certeza de que a ideia dos números pseudoaleatórios é de outra pessoa; foi usado para gerar o posicionamento dos objetos mas não para o cenário.
Um gerador pseudoaleatório é aquele onde dado um certo número base, vai gerar sempre os mesmos números, ainda que pareçam aleatórios, é isso?
Sim. Basicamente, se você começa com a mesma base sempre, sempre que jogar o game, ele vai parecer o mesmo.
E River Raid era sempre o mesmo, certo?
Sim, mas você podia ter um longo gameplay antes de alguma coisa se repetir.
Como você ajustou a dificuldade progressiva do game?
Acho que permiti que o rio ficasse mais estreito e viessem menos tanques de combustível. Havia um registro de qual nível você estava e dependendo dele, mudava a frequência de tanques de combustível em relação a objetos que poderiam atirar ou bater em você. Na versão do Atari 800, adicionei tanques de guerra que atiram em você, balões e outras coisas.
Tinha um jeito de tornar o rio mais estreito através do pseudoaleatório gerado, se quisesse?
Há vários algoritmos, tanto quanto mais estreto você puder ir - em certo nível, permite-se isso para obter uma certa estreiteza. Quero dizer, eu não mudei o número aleatório, mas acho que havia só uma restrição de quanto estreito eu permitia que ele ficasse. Não lembro dos destalhes.
Que tipo de computador foi usado para programar River Raid?
Para o desenvolvimento, acho que usamos um tipo de DEC. Eles ainda usavam editores em linha, e eu tinha usado esse editor quando trabalhava na Tandem, então insisti que precisava ter um editor de texto.
Mas eles me deram um editor visual para o DEC e aquilo era bem lerdo — não era tão rápido quando atualmente. Eu preferia usar aquilo do que ter que dizer "OK, vamos digitar as próximas 22 linhas do meu programa", você podia simplesmente mover-se pela página.
Mais alguém trabalhou no design de River Raid?
Vamos ver.... foi um trabalho bem pessoal mesmo. Outras pessoas deram sugestões. No início, cada nível do campo de jogo teria uma cor diferente, ficava uma variação psicodélica de cores, e eles sugeriram "faça só um campo verde, fica mais realista".
Acho que o que aconteceu foi... eu anunciei que estava pronto o River Raid, mas então os designers veteranos, os fundadores, disseram que pra eles, parecia precisar de mais trabalho. O problema é que eu enfiei o máximo de código que pude fazer caber nos 4 KB, então era difícil fazer alterações.
Eu tinha até adotado algumas práticas ruins de programação. Sobrepus uma tabela de cor no começo da sub-rotina seguinte; na verdade usei o opcode de uma instrução no começo de uma sub-rotina como um valor de cor. Era esse o nível de aperto de espaço que havia. Não descobri outro jeito de fazer caber mais coisa ali.
Chega um ponto em que você já examinou o programa tanto que não sabe mais o que fazer nele. Para ter a ajuda de uma mente mais descansada, pedi a Al Miller que desse uma olhada e ele encontrou um jeito de economizar alguns bytes, fazer algumas mudanças e deixá-lo num ponto aceitável para o lançamento. Não consigo lembrar se foi nesse ponto que mudei as cores do fundo, ou antes. Tenho uma das minhas versões preliminares com o fundo psicodélico, uma ROM dela.
Como foi a recepção quando River Raid foi lançado? Leu resenhas da imprensa?
Com certeza foi meu game mais popular. Foi lançado pouco antes do Natal de 82, e fui à CES em Las Vegas no começo de janeiro. Lembro uma vez em que estava no elevador do hotel, a porta abriu e havia um pessoal das vendas da Activision. Eles começaram a me aplaudir [risos].
Porque era um grande hit da Activion, certo?
Sim, eles tinham ótimos bônus, um bom salário, e também um carro da empresa. Eu também consegui meu Audi 5000 Turbo.
Gostaria de revelar quanto dinheiro você fez naquele game ou o salário da época?
Ahn, não... [riso]
Seria interessante saber. Pode soar pouco se você não ajustar à inflação daqueles tempos.
Mesmo para os padrões atuais, era bom. Considerando que estávamos em 1982, era muito bom. Os bônus eram tão altos quanto um salário anual, é o que posso dizer. Isto basicamente dobrou meu ganhos — por alguns anos.
Como foi trabalhar na Activision se comparando à Atari? Pode descrever o clima lá?
Vejamos... tínhamos escritórios individuais, assim não era preciso dividi-lo com ninguém. Mas ainda havia um lab no meio, então você podia interagir na área central de trabalho. Acho que a Activision queria transformar os game designers em estrelas, então colocavam os nomes nos games.
Você achava isso interessante?
Sim, ter reconhecimento é bom.
Havia outras mulheres desenvolvedoras na Activisions?
Fui a primeira. Depois eles contrataram Carla Menisnky [criadora de Dodge'Em, Warlords e outros do 2600].
Happy Trails e ports de River Raid
Depois de River Raid, o que fez na Activision?
Em algum ponto em fiz River Raid para os Atari 5200, 400 e 800, mas acho que comecei Happy Trails antes disso.
Fale mais sobre Happy Trails. Foi lançado para o Intellivision, certo?
Sim, foi inspirado num arcade chamado Locomotion. Era um puzzle de blocos deslizantes. Originalmente eu usaria carros, mas Dave Crane surgiu com o tema de Happy Trails, os chapéus preto e branco e a coleta de prêmios.
Havia aqueles games de plástico com uma grade de números 4x4, algo assim, e você deslizava os números e ia tentando colocá-los em ordem. O game era similar a isso, você só se movia pelos blocos e os arrumava no caminho que o chapéu seguia, enquanto pegava sacos de dinheiro para ganha pontos.
Crane tocou a musiquinha com seu tecladinho musical, e disse "essa seria boa como música de fundo". Eu não era familiarizada com o tema de Happy Trails, havia ouvido a de Roy Rogers, claro, mas Crane escolheu a linha de baixo da canção de Happy Trails. Alguém trouxe a partitura e eu disse "sim, é a mesma que Dave Crane me deu". Concordei que era a mesma então eles licenciaram o tema de Happy Trails.
Foi ideia sua um puzzle depois de River Raid?
Sim.
Interessante você escolher Happy Trails logo depois de um dos games mais populares do Atari 2600 em todos os tempos. Por que mudou para o Intellivision?
Estava pronta para tentar algo diferente, porque estava trabalhando com o Atari 2600 há muito tempo. Era muito difícil e limitado no que podia se fazer.
O Intellivision era mais fácil de programar?
Era, então eu soube como fazer esse game no Intellivision. Teria sido bem difícil fazê-lo para o 2600. Podíamos ter fundos mais detalhados [no Intellivision]. Você não ficava limitado a só alguns jogadores, mísseis e uma bola; podia ter, digamos, oito sprites ou algo assim, não lembro bem. E ele tinha um sistema operacional embutido, tínhamos alguém que fazia engenharia reversa, mas não chegamos a usar muito.
Depois de HT, fez algum outro trabalho na Activision?
Acho que River Raid para outros sistemas foi depois de Happy Trails.
Fale mais sobre o River Raid para Atari 800 e 5200.
Eu estava sob muita pressão, eles queriam tudo pronto numa certa data. Ralph deu uma ideia de em vez de usar os mesmos gráficos do 2600, eu podia fazê-lo de um jeito que, se você fosse para a direita, encontraria um rio totalmente diferente da esquerda. Ele se ramificaria indefinidamente, como um delta de rio se ramifica ao chegar no mar, a não ser pelo fato de que isso seria impossível na vida real porque seria preciso surgir mais e mais ramificações quando mais distante ele fosse.
Mas eu não tinha tempo para implementar isso, e fiz algo bem parecido com o 2600, exceto alterando o fundo para que não fosse totalmente espelhado a cada lado da tela. Eles usaram isso no 6502, então era praticamente o mesmo código. Peter Kaminski faria a versão Intellivision, então dei a ele o código-fonte que eu usava, expliquei-lhe um pouco sobre e ele fez a versão. Outra pessoa fez a versão do ColecoVision, acho. Depois de HT, eu estava fazendo algo para o ColecoVision, era um game de aventura.
Sério? Como se chamava?
Eu não tinha um nome pra ele, não o terminei. Basicamente, você via parte de um labirinto gigante em cada tela, muito detalhado, e movia-se de tela a tela, sempre vendo uma parte de cada vez. Havia um cavalo para deslocar-se, mas ele não ficou bom. Resumindo, era um adventure gráfico, não só labirinto. Teria mais coisa, mas não fui além disso. Acho que tive um tipo de "bloqueio de escritor". Devo ter um protótipo dele em algum lugar.
Tenho certeza que alguns colecionadores teriam interesse em ver isso.
Aham... Isso foi quando a crise real dos videogames aconteceu. A Activision teve uma oferta pública inicial, e pouco depois anunciou prejuízos nos próximos quatro meses. O preço das ações despencou, não consegui vender as minhas por seis meses — era parte do negócio.
E sabe como é, as coisas ficaram mais estressante. Acho que tive essa ideia de pressão auto-imposta: se pudesse criar outro hit que ajudasse a companhia... Então era estressante e não divertido como costumava ser. Havia cortes e essas coisas, e nem terminei esse game em que estava trabalhando.
Tive um tempo de retiro, e então voltei para a Tandem. Eles me recontrataram para trabalhar com processadores, na nova máquina deles.
Então você deixou a Activision voluntariamente?
Sim.
Você teve alguma relação com River Raid II?
Não, nada, só ouvi sobre ele. Não acho que eu o tenha jogado, mas o achei em um dos Action Packs. Você tem que pousar o avião ou algo assim, não lembro.
Retorno a Tandem e aposentadoria
Depois da Activision, voltou para a Tandem então?
Isso, fazíamos computadores muito confiáveis para rodar coisas como sistemas de reserva de linhas aéreas e da Bolsa de Valores de Nova Iorque. Ele tinha processadores múltiplos, era basicamente um sistema non-stop. Você podia desligar uma das placas de processamento e o computador continuava rodando.
Pode fazer um breve sumário da sua carreira desde esse ponto até hoje?
Trabalhei para a Tandem por mais seis anos, de 84 a 90. Aí meu marido conseguiu um grande emprego na Xerox PARC — no Centro de Pesquisa de Palo Alto. Fiz uma análise financeira e disse "Nossa, acho que não preciso mais trabalhar". Havia muita pressão por prazos na Tandem também. Meu marido disse "Você leva esses prazos muito a sério. Sua agenda está sempre com atrasos".
Você se aposentou precocemente em 1990?
Sim, mas não na definição clássica de aposentadoria. Me retirei, mas continuei fazendo trabalhos voluntários ou trabalhando de forma parcial.
Que tipo de voluntariado você fez?
Entre outros, vários para o Foresight Institute que depois resultaram em uma posição paga de meio-período como CIO, cuidando da manutenção de Macs e um servidor Windows NT. Deixei o posto em 2001.
Impacto do gênero na profissão
Vamos falar um pouco sobre ser uma mulher engenheira. Teve dificuldades na carreira por causa do gênero?
Não diria que tive qualquer dificuldade por causa do meu gênero. Quer dizer, há a ressalva do Ray Kassar [risos], mas geralmente não foi problema.
Assédio sexual foi problema pra você?
Não, nunca passei por isso, não parece ter sido um problema. Na Tandem havia muitas mulheres trabalhando, engenheiras, e como minha manager era mulher, nunca passei por qualquer discriminação ou assédio, que me lembre.
Por que acha que há tão poucas mulheres trabalhando como programadores, comparando com homens?
Lembro de ler recentemente que, na verdade, o número de mulheres cresceu um pouco, alcançou um pico, então vem sucessivamente caindo. A suposição do artigo era de que meninas não querem ser vistas como nerds e por isso não entram nesses campos. Preferem ir para áreas como direito e fazer dinheiro com isso.
Estive conversando com alguém recentemente, ela disse que, nessa área, estão ensinando meninas nas escolas básicas — meninos e meninas — a programar. Então talvez haja uma diferença menor entre gêneros nessa área do que em outras. Ouvi que há menos mulheres graduando-se em engenharia do que alguns anos atrás.
Acha que sua geração, que passou pelos anos 70, foi uma das primeiras em que mulheres sentiram-se livres para serem engenheiras?
Sim, tínhamos toda a coisa do feminismo, a libertação feminina e tudo mais.
Isso te influenciou na época?
Sim, porque lembro de ter aulas de sociologia no ensino médio, e você podia fazer qualquer coisa que quisesse. Eu lia sobre libertação feminina e essas coisas, absorvendo aquilo.
Acho que eu era meio solitária, então costumava trabalhar por minha conta, e ser uma das mulheres ativas, fazendo coisas. As pessoas com quem trabalhava geralmente não eram ameaçadoras ou discriminatórias. Talvez em outras companhias isso tenha acontecido.
Acredita que exista alguma diferença biológica entre homens e mulheres, que faça eles serem mais propensos à programação do que mulheres? Talvez o jeito que os cérebros funcionam?
Naquele tempo, eu negava que houvesse qualquer diferença. Quero dizer, há uma diferença física óbvia, mas se você pensar nisso, nossos cérebros podem ter se desenvolvido de formas diferentes, então não tenho certeza. O certo é que há mulheres capazes de fazer tais coisas.
Há psiquiatras evolucionistas que defendem que o papel dos gêneros evoluíram separadamente. Por exemplo, mulheres podem ser melhores em comunicação do que homens, esse tipo de coisa.
Sim, sempre há a questão de natureza x criação, quanto de hereditariedade e ambiente influi. Nós realmente não sabemos.
Acha que há algo diferente em você como mulher, que a fez optar pela programação, já que muitas mulheres não o fazem?
Acho que não me importo com o que as pessoas pensaram sobre o que fiz.
Você diria que tem uma predisposição natural para matemática e analítica?
Sim, eu era boa em matemática... em matemática e ciência, e quando criança, não me interessava muito em bonecas e coisas assim. Colecionava carrinhos Matchbox e gostava de ferromodelismo. Meu papai e meus irmãos começaram com o modelismo de trens e eu meio que herdei isso.
Até desenhei um circuito para um modelo de linhas férreas com alguns transistores que ligavam um sinal luminoso em vários blocos, mostrando que havia um trem adiante. Trabalhei naquilo até o ginásio e um pouco do colegial, aí descobri os computadores e perdi o interesse.
Você tem irmãs?
Não tenho irmãs, cresci com meus dois irmãos. Um mais velho e outro mais novo, então eu me interessava em fazer coisas que eles faziam.
Há muito mais mulheres no desenvolvimento de games atualmente do que naqueles tempos. Parece uma coisa boa pra você?
Claro que é uma coisa boa. As equipes de produção são grandes hoje, é parecido com produzir um filme, então há espaço para conhecimentos diversos: software, gráficos, música, design do game, história, etc. Você tem um time enorme para desenvolver um game.
Que conselho você daria para uma menina ou mulher que deseja uma profissão na ciência da computação ou game design?
Se for algo que ela quer fazer, deve ir adiante e fazer, e não deixar que as pessoas digam a elas o que podem ou não. O principal é encontrar algo que você goste e tenha interesse.
Legado e ações presentes
Ainda ando de bicicleta, mas não tanto quanto costumava. Só caminhos fáceis, cerca de uma vez por semana. Passo muito tempo no computador, estou fazendo uma migração lenta do meu velho computador com Windows XP para um novo com Windows 7 Ultimate. Também tenho lido; cancelamos algumas assinaturas de revista porque passávamos muito tempo na web, mas ainda recebo revistas.
Como ser uma game designer mudou sua vida?
Acho que me deu dinheiro o bastante para poder me aposentar numa idade precoce.
O sucesso de River Raid foi o que permitiu isso?
Sim, ele ajudou. Economizamos algum dinheiro. Investi, principalmente em fundos de índice.
Como se sente sendo uma pioneira no game design feminino?
Não tenho enfatizado minha história como game designer. Tive um site, carol.com, e não coloquei nada sobre videogame nele. Estive numa vida mais reservada por um tempo.
Alguma razão pra isso?
Acho que não queria muita fama ou publicidade. Mas dei uma entrevista — todos nós juntos na casa de Nolan Bushnell em 1999, para a gravação "Stella at 20", fomos todos entrevistados. Acho que foi a minha última entrevista.
Havia um tal de "Stella Gets a New Brain". Ocasionalmente pessoas me contatavam e diziam "Queremos relançar seu game". Há também uma compilação de games do Intellivision chamada "Intellivision Rocks". É um CD-ROM.
Eles me contatavam pra isso, e teve o Atari 2600 Action Pack lançado pela Activision. Eles incluíram River Raid e algumas observações que dei a eles. Como eu era empregada da companhia, não recebi royalties. Como deixei a companhia, não recebo qualquer dinheiro por essas coisas todas.
Desenhou algum game depois de sair da Activision?
Não. Fiz uma coisa chamada MASS Project, de Molecular Assembler Sequence Software. Foi escrito em C++, para modelagem molecular — na verdade, para mostrar como você deve construir algo átomo por átomo. A versão preliminar exibiria algumas dessas engrenagem e rolamentos que eles desenharam, mas nunca o terminei. Era relacionado ao trabalho de nanotecnologia [do marido Ralph] e ao Foresight Institute. O slogan deles foi por um tempo "Preparing for Nanotechnology".
Manteve algum contato com a indústria de games ao longo desses anos desde que deixou a Activion? Chegou a jogar algum videogame desde então?
Joguei SimCity. Isso faz tempo.
Você joga games de PC?
Sim. Minha cidade chegou a uma população de 250 mil pessoas e deveria virar uma megalópole, mas no fim não aconteceu nada [risos]. Joguei The Sims um pouco, mas na verdade não gostava muito.
Jogou videogame em consoles como o NES nos anos 80?
Não exatamente. Um dos meus irmãos tem duas filhas, eles jogaram alguns desses games. Nunca gostei muito, preferia games de PC e Mac. Jogamos Myst. Terminamos ele, depois a sequência Riven, e tivemos que trapacear algumas vezes para terminá-lo. Não joguei muitos games desde que deixei a Activision.
Então você não comprou qualquer console ou jogou videogames em sua própria casa desde então?
Jogamos Wii na casa do meu irmão. Não era tão fácil de controlar quanto pensei que seria. Eles exageram sobre os controles.
Chegou a considerar desenhar games de novo?
Algo que considerei foi desenhar games para smartphones porque parece ser um bom mercado. Há muita competição, mas vejo um monte de apps que são bastante simples. Se você tiver uma ideia realmente boa para um app, pode fazer um bom dinheiro.
Mantém contato com alguém da Atari ou Activision hoje em dia?
De vez em quando. Nos reunimos com Mike Lorenzen tempos atrás para almoçar. Al Miller foi para outra companhia e num dia de visitação estivemos lá, mas também faz tempo. Às vezes alguém pergunta, porque quer retomar um contato, então dizemos "Se quiser falar com esse cara..."
Você joga os games que desenhou?
Conversei recentemente com alguém, e tocamos no assunto de que ela gostava de 3D Tic-Tac-Toe, então começamos a falar sobre games clássicos e isso me despertou o interesse em ver se podia fazê-los funcionar de novo em meu computador. Comprei um Stelladaptor e conectei nele um joystick de Atari, usando um emulador chamado Stella, para Windows.
O que achou dos seus velhos games? Ficou impressionada?
Sim, gosto de River Raid. Uma coisa que me admiro: o fiz de um jeito que ao mover-se para esquerda e direita, você acelera para os lados. Você não o move a uma velocidade constante, e isso faz as pessoas tenderem a chocar-se direto nas paredes quando se desloca para os lados.
Estava pensando "E se eu me movesse a uma velocidade lateral constante?" Mas assim você não conseguiria passar através de lugares apertados como fazemos no game.
Uma das grandes características de River Raid é que você pode acelerar e desacelerar, enquanto na maioria desses games de tiro em scrolling, o cenário move-se a uma taxa de velocidade constante. Você pode mover sua nave pela tela, mas não pode realmente acelerar ou desacelerar, mas fiz o jogo de um jeito que o cenário acelera ou desacelera. Acho que isso fez o gameplay um pouco melhor.
Há alguma confusão sobre seu tempo de desenvolvedora de games, que gostaria de esclarecer?
Uma coisa que li foi sobre os designers mais antigos terem rejeitado River Raid a princípio, mas não é assim que me lembro. Lembro deles dizendo "ele precisa de um pouco mais de trabalho", mas não o rejeitaram, só disseram que precisavam de mais trabalho; fiz isso, e ele foi lançado mais tarde.
Sim, com certeza foi, e há alguns milhões de cópias circulando por aí agora.
Eles me disseram que produziram quase dois milhões de cartuchos River Raid. Recebi uma placa — um cartucho de platina por um milhão de unidades vendidas. Tenho outra parecida, de ouro, por 500 mil unidades vendidas um pouco antes.
legal a entrevista...sou fã particularmente de Roberta williams das séries de jogos como King's Quest, The Dagger of Amon Ra e Phantasmagoria. Acho legal essas mulheres inteligentes que criaram jogos clássicos de video game da vida!!!!valeu
Excelente matéria, mesmo usando bastante palavras técnicas para leigos adorei saber as curiosidades e um pouco mais da história do jogo, da programadora e como era limitada a tecnologia na época...
Meu garoto, que história! Aí está a prova cabal de que ela nunca foi favorecida por ser mulher como os arautos do feminismo pregam que deveria ser. Ela destacou-se por ser a MAIS CAPACITADA, foi isso que a levou ao topo da montanha!
Eis um pequeno artigo sobre a obra-prima de Carol Shaw, quando da comemoração dos 30 anos de seu lançamento: https://filosofiashmup.blogspot.com.br/2012/09/ficamos-velhos.html