20 anos depois, PlayStation 2 segue como mais vendido da história

No século passado, o ano 2000 despontava no horizonte como importante ponto imaginário. Autores de ficção descreviam uma era dominada por tecnologia, cheia de veículos voadores, comunicação instantânea e teletransporte, androides e viagens interplanetárias. Pouco antes da virada, causava pavor o "bug do milênio"; fanáticos temiam pelo fim do mundo.

Muito pouco disso veio — ao menos como a fantasia contava. Carros voadores? Já tínhamos uma frota crescente de helicópteros. Tínhamos internet. Teletransporte? Não, infelizmente. Avançamos, mas nada era tão sci-fi quanto Blade Runner ou colorido como o futuro de bolsos para fora de Back to The Future.

Mas um item lançado em 04/03/2000 no Japão seria digno daquelas ficções do passado. Chegando em outubro à América, o PlayStation 2, apesar de ser "só" um sucessor do salto tecnológico da geração anterior, deixou marcas na indústria.

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Revelação do PlayStation 2 em 1999: 20 anos depois, continua como o mais vendido da história. Foto: Toshiyuki Aizawa/Reuters

Aliás, nas indústrias — não só de games, mas de entretenimento geral.

União entre mundos

Estranho que seja, o PlayStation 2 não foi pioneiro na maioria das coisas que o fizeram forte. Jogos 3D? O PlayStation original foi o primeiro 100% focado nisso. Jogos online? Fora iniciativas com acessórios em máquinas diversas, o Dreamcast deu o pulo quase dois anos antes. Amadurecimento dos jogadores, games voltados ao público adulto? Coloque na conta da Sega na geração 16-bit. Estratégia de marketing? Sim, foi muito hypado, mas não era novidade.

Então como o PS2 se tornou tão especial? Unindo de forma funcional games e entretenimento no mesmo pacote, mantendo o público da plataforma anterior e principalmente chegando num dos melhores momentos que um console já teve para explorar.

A escolha do DVD como mídia foi importante para o sucesso do PlayStation 2 principalmente na Europa.

Desde a apresentação em 1999, um de seus grandes atrativos era o DVD como mídia. No boom dos filmes em HD — anos antes do streaming acabar com a preferência por discos físicos —, era um luxo. Por que comprar um GameCube usando formato fechado da Nintendo e com menos espaço? Por que comprar um Dreamcast da claudicante Sega e suas eternas promessas não-cumpridas?

E por que comprar um videogame, que só seu filho vai curtir no quarto, se pode levar junto um DVD player (que na época não era lá muito barato)?

O preço soava atraente — saía por meros US$299 no lançamento americano — para os pais, que além de garantir o presente das crianças, ganhavam um aparelho para a família ver filmes na sala. Acessórios como o controle remoto garantiram melhor aproveitamento da função. A tática contou com o momento único; a mesma abordagem com o PlayStation 3 servindo como player de blu-ray passou longe da mesma aceitação, com serviços de streaming já mais sólidos.

Claro que não foi só isso. O PlayStation 2 venceu principalmente como plataforma de jogos. A Sony reciclou acertos do passado de concorrentes e os potencializou. Se a Sega havia por algum tempo batido a Nintendo com comerciais maduros, não ficaram atrás. Como no esquisitíssimo "The Third Place", dirigido por David Lynch com resultado bem típico.

Máquina para todos

Segundo Jack Tretton, então presidente da Sony Corporation Entertainment of America, o público infantil — ou o "campo da Nintendo", como descreveu — não era a meta. "Tínhamos a audiência exata em mente para o PlayStation 2 tal como foi para o PlayStation porque ele era muito bem direcionado [...] Usamos a idade de 17 como centro do alvo, com a teoria de que todos abaixo disso querem ter 17 anos porque um irmão mais velho ou você vai tirar a carteira de motorista. Já se você é mais velho, rememora os anos de adolescente."

O marketing em torno do poder do Emotion Engine, nome meio bobo adotado para a CPU parruda, fez a gente acreditar em lorotas bonitas que repercutiam bem na roda de amigos. "O PlayStation 2 será tão poderoso que a NASA vai usá-lo para cálculos de trajetória de foguetes". "Será tão poderoso que vai controlar mísseis no Iraque". "Será usado como supercomputador para criar inteligência artificial".

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Kutaragi foi mais uma vez o principal artífice por trás do PlayStation. Foto: AFP/Getty.

Por trás do "motor da emoção", estava de novo Ken Kutaragi [biografia], comandando a equipe com planos que ele traçava desde o PlayStation de 1994. Sem economizar, desenhou com o time um hardware folgado e complexo. Seu comando sobre o projeto era tal que nem superiores da empresa falavam mais alto — numa das ocasiões, dois dos principais executivos japoneses foram reduzidos a meros tradutores das direções de Kutaragi durante uma reunião com o staff americano.

E mais uma tática antiga repetida foi a retrocompatibilidade. Rodando 99% do acervo do console anterior, caíram de vez nas graças do público que já se tornava fiel. "A retrocompatibilidade fez com que as pessoas não sentissem que seu investimento nos últimos cinco anos tivesse sido completamente abandonado e que teriam que escavar os bolsos de novo para se manter no topo da indústria de games", lembrou Tretton.

Um dos únicos "poréns" era a dificuldade para programar, problema que também perturbou o Saturn. Mas não com efeito tão nefasto: o PlayStation 2 teria um dos maiores acervos da história, com mais de 3800 títulos únicos. O resultado é que nas levas iniciais, seus jogos eram com certa frequência inferiores aos similares do Dreamcast. Nada que alguns meses de prática não tenham resolvido.

"Você recebia manuais em pilhas de 25 centímetros de espessura escritos por engenheiros de hardware japoneses", lembrou o desenvolvedor Cory Bloyd ao descrever como era codificar para o console. "Na primeira vez que você lia a pilha, nada fazia sentido. Na segunda vez, o terceiro livro fazia um pouco de sentido por causa do que você lia no oitavo livro. A máquina tinha 10 processadores e seis espaços de memória diferentes, que trabalhavam de formas completamente diferentes".

Ainda líder

Entre grandes franquias iniciadas no PS2, uma mistura que, apesar do foco adulto/adolescente, não excluiu crianças. A coleção é tão numerosa que poucos consoles chegam perto: God of War, Ratchet & Clank, Guitar Hero, Red Dead, Jak and Daxter, Kingdom Hearts, Sly Cooper, Katamari, Devil May Cry...

Entre jogos "soltos", clássicos como Shadow of the Colossus, Ico e o tardio mas não menos relevante Ōkami; algumas séries não começaram nele, mas ganharam capítulos importantes como GTA, Silent Hill, Tony Hawk's Pro Skater, Metal Gear e Gran Turismo.

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Aglomerações se formaram na porta de lojas no Japão no dia do lançamento do PlayStation 2. Vinte anos depois, segue como videogame a ser batido em unidades vendidas. Foto: AFP/Getty.

Nem a chegada de um rival como a Microsoft abalou a estrutura da marca. A histeria inicial foi prenúncio de fortes vendas, que terminaram com um número ainda a ser batido: 155 milhões de unidades. Mesmo com o PlayStation 3 por aí, o segundo da família seguia popular, recebendo jogos até 2014, dois anos após a descontinuação do console.

"Era o produto certo no tempo certo e com o preço certo", avaliou Ray Maguire, então CEO da SCE para Reino Unido e Irlanda. "Era algo que todo mundo se interessava facilmente, havia grande variedade de conteúdo, ele alcançava vários grupos etários e com excelente preço — era difícil dizer não".

Mesmo com o sucesso da quarta geração nos anos 90, o setor era visto como "brinquedo" por muita gente da indústria. O PlayStation começou a mudança dessa mentalidade, definida com a explosão do PlayStation 2. "A expansão global foi resultado daquelas duas máquinas mostrando que funcionavam e você tinha que trazer mais gente que ainda não havia experimentado à bordo. Ele [PlayStation 2] foi o alicerce de algo que poderia ter sido um sucesso fugaz e então morrido. Mas não, ele foi na direção certa."

Como bem descreveu Tretton, "o PlayStation 2 foi a inauguração dos videogames como entretenimento mainstream. As pessoas deixaram de questionar se aquilo era passageiro e começaram a vê-los como mídia legítima de entretenimento, em pé de igualdade com bilheterias e a indústria da música."

Feliz chegada aos 20, PS2!

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

2 COMENTÁRIOS

  1. Merecido, PS2 teve seus problemas no inicio, na programação e tal, mas depois que domaram ele, foram lançados jogos incríveis, até hoje fico de queixo caido como programadores conseguiram botar aqueles gráficos em Gran Turismo 4 e naquela resolução de imagem....

  2. Guitar Hero, Metal Gear e outros clássicos alavancaram mais ainda as vendas do Console!!!! Era uma época boa, saudades dessa época!!!! valeu!!!! Bons tempos de antigamente!!!!

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