A fita de estreia de The Lost Records: Bloom & Rage deixava claro que a história interativa tinha forte foco no sobrenatural e mistério, e a segunda vai mais fundo nisso. Bem mais, tanto que a certa altura, comecei a me perguntar o que era metáfora, realidade ou alucinação das meninas. Com muito simbolismo e pouca explicação, senti que aproveitei menos da trama do que deveria — ou esperava — e o fechamento acaba um tanto caótico.
Em termos técnicos, não há muito o que questionar B&R: o jogo esbanja em cenários naturais bonitos e interiores complexos, cheios de detalhes interativos que falam sobre os personagens. A distinção entre o presente sombrio do bar e o passado colorido e nostálgico de 1995 funciona, e efeitos sonoros ambientais são excelentes, mas como disse na análise da Tape 1, raramente se consegue ambientação de época sem música adequada.
Numa trama que cita tantas vezes Bikini Kill, não ter uma faixa sequer da banda de Kathleen Hanna é de se lamentar. Não descobri o motivo, já que outra banda importante do movimento, Bratmobile, aparece com Love Thing numa cena bacana; logo, não deve ser questão de dinheiro.

Melodrama
Tem seus pequenos percalços técnicos. Em mais de uma cena, vi modelos de personagem surgirem num flash onde não estavam (ainda não descobri se era só bug algum artifício narrativo) e perto do fim, Kat teve um bug sério e ficou sentada em várias cutscenes e partes jogáveis. A animação em geral não é das piores, com muitos sorrisinhos entre elas, mas os animais sofrem com falta de naturalidade: parecem animados à mão e não por captura de movimentos.
A integração entre música e trama também tem escorregadelas. O riot grrrl não era lá tão próximo de Madonna, que embora vista como precursora do movimento por alguns, também foi uma antítese de muita coisa que as meninas defendiam, como a cultura do Do It Yourself e a fuga de produções comerciais, mas as garotas do jogo parecem ter certa apreciação pela rainha do pop. Soa meio aleatório, teria gente melhor pra ocupar esse papel.
O maior problema de B&R, contudo, está no texto. As quatro personagens têm as histórias mais desenvolvidas na Tape 2; quase todas sofrem com pais controladores, abusivos ou ausentes. Pode até ser importante no que as aproxima, mas há uma sequência repetitiva de diálogos melosos, que soam exagerados até para moças de dezesseis anos. Várias vezes, evitei que a protagonista Swann seguisse minha meta de fazê-la namorar com a maluquinha Nora porque os diálogos pareciam ora desesperados demais, ora fora de cabimento com a cena. Como escrevi na análise anterior, mesmo ao jogar a Tape 1 pela primeira vez e tentar afastá-la de relacionamentos, alguns diálogos beiravam o desespero.
Num ponto, por exemplo, elas estão tristes com algo trágico, e aí o assunto fica meio de lado porque você pode escolher beijar a garota. Foi construído todo um cenário bonito, mas não havia clima nenhum para aquilo e me pareceu deslocado.

Muito simbolismo, pouco nexo
A trama pula de objetivo em objetivo entre diálogos não muito críveis e recheados de fofurice tão artificial que me fizeram revirar os olhos algumas vezes. Como disse antes, é no simbolismo que B&R fica mais estranho. A gente entende que tem muito do misticismo do Sagrado Feminino, das meninas na floresta fazendo pactos, maldições e outras bruxarias na natureza e tal… É parte do tema, tudo bem.
Mas quando as quatro se reúnem para fechar um cadeado e do nada começam um tipo de feitiçaria, você se pergunta "de onde veio isso?". O momento fica risível e nonsense quando, logo em seguida, elas começam uma dança meio ritualística e FLUTUAM PELA CABANA e você de pensa, perplexo "O QUE PORRA ESTÁ ACONTECENDO AGORA?" — como se não bastasse o perigo iminente, pois é uma cena de grande tensão que descamba pra dança, coisa meio filmes de Bollywood.
No fim, rolam coisas que não poderiam acontecer, como objetos que não deveriam estar num lugar e estão, sem qualquer explicação ou sugestão de como foram parar lá — alguma feitiçaria, mas a tal altura, você já não se importa mais. Há muitos finais, mas ao que parece, eles não mudam tanto o destino das meninas, e deixa perguntas e pontas soltas demais, mesmo para um episódio; em termos de estrutura, um episódio completo precisaria de seus próprios ciclos bem fechados. B&R não resolve quase nada do que inicia.

Irregular
Considerando que é uma história interativa, a jogabilidade deve entregar bem o enredo. Mas tal como o resto, ela é irregular. Em relação a outros títulos do estilo, como também disse na análise da Tape 1, é muito interessante a abertura de novos diálogos conforme se observa os arredores. E ainda que o uso da câmera quase onipresente de Swann seja simples, ele serve ao propósito — aliás, todas as gravações que você fizer durante a ação ficam em seu computador como arquivos de vídeo webm, procure em C:\Users\[usuário]\AppData\Local\Bloom&Rage\Saved\SaveGames.
Pena que o jogo não nos deixe editar o videoclipe das meninas, o que acontece de forma automática e tira um pouco do seu controle e imersão. Um editor avançado teria sido um detalhe muito bacana. Tentaram até um pequeno setor de stealth extremamente básico, e alguns puzzles envolvendo diálogos e checagem de objetos exigem muita atenção prévia aos pertences das garotas. Swann é questionada sobre o que pertence a uma delas, e se não responder certo, causará uma alteração considerável no comportamento da amiga no futuro.
Apesar dos pesares, as personagens se tornam agradáveis após algumas horas, o que me faz pensar que com um roteiro menos propenso ao melodrama, seria uma história ainda mais interessante. Com o fim da Tape 2, contudo, resta o mesmo monte de clichês de antes, como Corey, que se confirma num vilão sem história pessoal, passado, nada. Seu objetivo, por assim dizer, é ser o mais babaca possível e desenvolver-se em criminoso sem qualquer nuance — o tipo que a história das garotas precisa, o avatar do modelo ultratóxico masculino.

Já se esperava um final aberto em B&R, já que a Don't Nod não escondeu que pretende criar uma nova franquia a partir dele. O início tem momentos promissores, mas o exagero de simbologia mística e texto variando entre sentimentalista e críptico deixa dúvida sobre a maturidade da série. Espero que melhore, porque as personagens são interessantes, a época foi bem retratada e fica a sensação de que há espaço para melhorar.
Positivo
- Gráficos
- Cenários detalhados
- Efeitos sonoros ambientais
Negativo
- Trama embolada
- Diálogos artificiais
- Trilha sonora insuficiente
Jogos citados

Lost Records: Bloom & Rage
WIN, PS5, XBS
Lost Records: Bloom & Rage é um jogo de aventura gráfica produzido pela Don't Nod Montréal. Narra a história de quatro amigas no estado americano do Michigan, que 27 anos após um pacto para manter um segredo, são confrontadas com o recebimento de um pacote misterioso.