Thomas "Tom" J. Kalinske é um executivo norte-americano, mais conhecido por posições de comando em empresas como Mattel e Sega of America.
Início e carreira pré-Sega
Nascido no estado do Iowa em 1944, sua educação inclui bacharelado na Universidade de Wisconsin em 1966, mestrado na Universidade do Arizona em 1968 e a frequência do curso de Gerenciamento Estratégico na Harvard Business School em 1976.
Começou a ter reconhecimento na Mattel, entre os anos de 1972 e 1987, quando ajudou a reerguer a marca de bonecas Barbie através da diversificação, com modelos temáticos que fizeram sucesso mundial como Barbie Ferrari, Barbie Astronauta e outros.
Participou do desenvolvimento do personagem He-Man, guiando o design para tornar seus primeiros esboços "mais bem-definidos e loiro", pois originalmente teria cabelo preto, segundo o designer Roger Sweet. Foi promovido a co-CEO, cargo que manteve nos últimos dois anos, antes de ser recrutado pela Sega do Japão para liderar sua divisão americana.
Sega
Sua chegada foi através de Hayao Nakayama, a quem conhecia desde o tempo em que a Sega era parte do conglomerado Gulf and Western, controlado pela Paramount. "Ele era vice-presidente de marketing ou distribuição", lembrou em entrevista de 2006. Kalinske havia saído recentemente da Matchbox Toys, do Reino Unido, e passava férias em Maui, no Havaí, tentando manter-se isolado, quando reencontrou Nakayama, já CEO da Sega. Ele havia descoberto seu paradeiro e ido até lá fazer uma proposta de trabalho.
Kalinske relembrou:
Estou eu literalmente deitado numa praia do Havaí, quando uma sombra surge sobre mim, e eu olho pra cima — é Hayao Nakayama. Ele diz: "Olá Tom, o que está fazendo aqui?", e eu digo "Bem, estou aqui relaxando na praia". Ele diz "por que não vem ao Japão comigo? Quero mostrar uma tecnologia fantástica". Eu não sabia do que ele estava falando, mas literalmente, foi assim que a dança do recrutamento começou.
Indisposto a aceitar o convite no meio de suas férias, foi convencido pela filha mais velha, Ashley, então com cerca de 6 anos: "Minha filha me salvou. Estávamos conversando e eu resistindo em acompanhá-lo, então ela me disse [em voz enfática]: "Papai, você tem que ir com ele! Ele veio desde o Japão até aqui, você precisa acompanhá-lo!", e isto me salvou".
De volta ao Japão já com Kalinske, Nakayama e o staff lhe mostraram a tecnologia 16-bit do Mega Drive e o portátil colorido Game Gear, que rapidamente o convenceram do potencial de mercado dos produtos. Ele seria indicado para o comando da divisão americana, ocupada por Michael Katz. "Era uma companhia pequena, e eu iniciei uma revisão de tudo que estavam fazendo".
A revisão teve aprovação da Sega japonesa, ainda que a princípio, suas ideias fossem consideradas inadequadas. Entre as mudanças, o preço do console foi reduzido, e o game que acompanhava a embalagem, Altered Beast, substituído pelo novo mascote em Sonic the Hedgehog. Uma pesada investida de marketing envolveu a campanha do grito "Sega", com desenvolvimento de muitos títulos de esporte licenciados por nomes como Joe Montana. Anúncios de TV e revista ridicularizavam Game Boy e Super Nintendo; anúncios da campanha "Blast Processing", citando a velocidade de processamento do Mega Drive, e "Genesis Does What Nintendon't", foram marcos desse período de ataques. Kalinske estava convencido de que o público-alvo da Sega deveria ser o adolescente, crianças mais velhas e adultos, "deixando as crianças menores para a Nintendo".
Durante seu período como CEO, a Sega cresceu de US$72 milhões para mais de US$1.5 bilhões de lucro, e o valor de mercado cresceu de pouco mais de US$2 bilhões para mais de US$5 bilhões. O Game Gear sucumbiu devido principalmente a curta duração de sua bateria, mas o Genesis teve imenso sucesso: enquanto o Master System obteve cerca de 2% de participação local, o 16-bit chegou a liderar o mercado americano com mais de 60% de domínio. Até o fim de sua vida útil, travou batalha intensa com o Super Nintendo, terminando quase empatados em vendas.
O sucesso foi tanto que surpreendeu a própria matriz da Sega, que tinha como meta vender ao menos 1 milhão de Genesis no primeiro ano (com Katz, alcançaram apenas 350 mil, número razoável para a então pequena fatia que tinham); só em 1994, nos Estados Unidos, ele calcula que tenham sido vendidos 3.5 milhões. Houve grande pressão interna para que os produtos fossem bem-sucedidos também no Japão, onde o Mega Drive nunca teve relevância compatível com a americana.
Perguntando sobre o controle exercido pelo Japão sobre seu trabalho a partir de meados de 1994, Kalinske respondeu que "provavelmente [a causa dessa pressão foi um certo ressentimento pelo sucesso americano] sim. Acho que em algum ponto entre 1994 e 1995, eles [Sega do Japão] desenvolveram forte ressentimento, e eu não percebi na época, até provavelmente os últimos meses de 1995, quando colegas no Japão, que conheço bem e com quem tinha boa relação, me disseram algo como "você não entende o quanto intimidados e incomodados os executivos japoneses estão por causa do seu sucesso"".
Saída da Sega
Apesar de apontado como o responsável pelo sucesso do Mega Drive, Kalinske teve suas decisões cada vez menos ouvidas pelo staff japonês a partir da metade dos anos 90. Teve suas opiniões positivas sobre um novo chip da SGi ignoradas pelos engenheiros japoneses, que colocaram obstáculos na aquisição do componente para o novo console da Sega; a tecnologia foi usada depois como base do Nintendo 64. Durante seu comando, a Sega manteve relação estreita com a Sony, que trabalhou no desenvolvimento de games para Sega CD, numa troca de informação e conhecimento. Kalinske, Olaf Olafsson e Mickey Schulhoff conversavam sobre um possível console conjunto de Sega e Sony, que também foi vetado em favor do Saturn — segundo Kalinske, "uma das decisões mais estúpidas".
Mais tarde o Saturn fracassou nos Estados Unidos, com mais uma série de decisões da matriz que desagravam Kalinske. Anunciado na E3 de 1995, o console estaria disponível nas lojas no chamado "Saturnday", 02/09/1995, com poucos jogos e um preço considerado alto. Além de não acreditar no hardware, Kalinske, forçado pela Sega do Japão, teve que apressar o lançamento para 11/04/1995 para sair na frente do PlayStation, anunciado para 09/09. Com a baixa oferta de aparelhos, foram selecionados apenas alguns revendedores de forma estratégica. O resultado foi catastrófico, pois a insatisfação dos que não receberam estoque os levou a boicotar o Saturn mais tarde.
Sua maior insatisfação foi com a descontinuação de todos os demais produtos da empresa (Mega Drive, 32X e Sega CD) em favor do Saturn. Antes influente e com liberdade de ação, ele havia se tornado pouco mais que uma figura simbólica, já que todas as decisões partiam do Japão. Kalinske deixou a Sega oficialmente em 15/04/1996, sendo substituído por Isao Okawa.
Criação do VRC
Ainda durante seu comando, foi criado um dos primeiros sistemas de classificação etária dos games, VRC (Videogame Rating Council). Como os jogos se tornavam cada vez mais avançados em gráficos e muitas vezes, com cenas de violência explícita (como Mortal Kombat, pilar da discussão na época), as empresas precisavam segmentar o público.
Kalinske entrou em contato com Jack Valenti, então presidente da MPAA (Motion Picture Association of America) e criador do sistema de classificação de filmes, mas segundo o livro "Console Wars", executivos do cinema como o próprio Valenti olhavam com desdém para a indústria de games, e recusaram-se a aceitá-los no sistema. A Sega desenvolveu sua própria classificação, abolida mais tarde em favor do Entertainment Software Rating Board.
Depois da Sega
Kalinske esteve em várias companhias mais tarde como LeapFrog LLC, Knowledge Universe (segundo a revista Oregon Business, em 2011, a companhia foi "a maior fornecedora privada de serviços educacionais infantis no país"), fez parte do quadro de diretores da Toy Manufacturers of America por 12 anos, da Blackboard (software e conteúdo para faculdades e escolas) entre 2005 e 2012, entre outras.
Mais tarde, passou a ocupar o posto de CEO na Global Education Learning, voltada à educação infantil na China, mantendo-se como vice-CEO da Leapfrog, Inc, empresa de brinquedos educativos que cresceu até ser a maior dos Estados Unidos, com faturamento acima de US$600 milhões.
Toda sua carreira foi em torno de projetos ligados ao mundo infantil e conteúdo educacional. Pelos trabalhos na Mattel, Sega, Universal Matchbox e Leapfrog, Kalinske foi induzido ao Hall da Fama da indústria de brinquedos dos Estados Unidos em 1997.
Vida pessoal
Kalinske serviu ao exército durante a guerra do Vietnã, mas ficou nos Estados Unidos, na inteligência militar, passando a maior parte do tempo em Fort Meade, Maryland (onde fica a sede da NSA). Ele é casado com Karen, que conheceu durante um evento da Mattel — ela era atriz e participava de uma feira da boneca Barbie.
Kalinske continuou se identificando fortemente com a Sega, mesmo após sua saída. Participa com frequência de eventos da empresa ou falando de sua passagem. Já afirmou ter testado e apreciado criações da Nintendo, como Pokémon GO, mas em 2017 disse que jamais permitiu um produto da Nintendo em sua casa, onde garante ter ao menos dois Genesis e uma coleção com mais de 800 games.
Sempre bom conhecer mais do que amamos e sobre aqueles por trás também! Lendo aqui A Guerra dos Consoles e esse nome sem dúvida vai ficar marcado, mesmo eu amando mais a Nintendo que a Sega é indiscutível a importância de ambas as empresas inclusive para nós gamers. Muito obrigado, Mr Kalinske!
Ótimo artigo. Triste ver que uma empresa como a Sega se afundou por orgulho.
Pela sua atitude e decisões ousadas e inteligentes, acho que é justo dizer que Tom Kalinske é o maior homem de negócios da história da indústria dos videogames, sem ele, a SEGA jamais teria batido a Nintendo, pois foi graças a sua atitude de peitar os japoneses, que a SEGA pode começar a dar a virada.
Parabéns ao autor pelo artigo. Para aqueles que gostam de saber dos bastidores da indústria, esse é um capítulo imperdível. Obrigado por trazer uma parte dele para nós.