Uma exploração nas terras quase ermas de Second Life

Início dos anos 2000. Além de jogar por objetivos como nos videogames, a tecnologia já permitia — acreditava o engenheiro Philip Rosedale — a construção de um massivo ambiente virtual. Um mundo em que as pessoas criariam seu avatar, fariam compras, estudariam, teriam relacionamentos. Viveriam uma segunda vida.

É mais ou menos onde começa a história de Second Life, desenvolvido e lançado pela Linden Lab em 2003. Fundada pouco antes com foco em hardware de tecnologia háptica, o começo de fato foi com o projeto The Rig: uma estrutura de interação envolvendo o usuário, e não só um dispositivo de cabeça como os atuais óculos de VR. Assim ele estaria imerso na realidade virtual.

Second Life veio da busca pelo software a integrar o Rig. Inicialmente chamado de Lindenworld, tinha características de videogame, com foco em combate. Todos teriam avatares com armas, incluindo granadas que serviam também para alterar o terreno. Nesse estágio alfa, em 2001, o "jogo" não era aberto ao público.

Meu eu digital esperando um ônibus imaginário em Second Life durante a exploração e pesquisa para esse artigo. Ironia que não uso terno na vida real de jeito nenhum...

O mundo é dos Lindens

Muito do futuro Second Life já estava ali: mapa, personagens voando, nomes sobre a cabeça e formato básico de construções. Mas o combate perdeu importância, e o usuário seria livre para fazer o que quiser.

O então diretor de marketing e comunicação da Linden Lab, Robin Linden*, contou em 2006:

No período alfa, o grid era conhecido como Lindenworld [...] Achávamos que um nome de lugar daria as pessoas um senso de destino, e a possibilidade de adicionar uma camada de significado. E que um nome descritivo as ajudaria a entender este novo conceito de um espaço compartilhado e colaborativo em 3D. Tivemos várias ideias de nomes de lugar — um de meus favoritos era Sansara, que não era só eufônico, mas tinha um significado interessante no original em sânscrito, algo como "mundo sempre em mudança".

Por fim, preferimos o nome descritivo; buscamos derivações de Terra, Viva e vida. [...] Ficamos com Second Life porque era mais interessante, evocativo e mais perto do que esperávamos que o mundo se tornaria conforme crescesse e desenvolvesse, para ser grande como a vida.

Os funcionários da Linden Lab usam o sobrenome de exibição "Linden" em canais oficiais e dentro de Second Life. Se encontrar um "Fulano Linden" com nome de usuário "fulano.linden", é um funcionário da empresa.

Em 13/03/2002, Second Life teve o registro do primeiro Resident, que é como a Linden Lab resolveu chamar os usuários. "Também pensamos em 'membros' (chato!), 'cidadãos' (muito político!) e 'jogadores' (muito ligado a jogos)", disse Robin, explicando a escolha.

A fase beta aberta começou em outubro, e o lançamento oficial veio em junho de 2003.

Essa era a aparência dos avatares de Second Life na época do lançamento.

Second Life tinha grandes ambições e um provável futuro brilhante pela frente.

Anos dourados

Empreitadas do tipo soavam futuristas; havia um forte apelo de vanguarda em tudo com o rótulo "realidade virtual" ou parecido. Todo mundo tinha uma ponta de curiosidade, queria espiar o jogo*, entender como funcionavam "essas coisas do novo milênio".

* Nunca chame Second Life de jogo perto dos veteranos. Soa ofensivo para alguns, enquanto outros vão educadamente corrigi-lo: para ser jogo, deve ter regras. Não é o caso, exceto por limitações inerentes ao sistema.

Apesar da ojeriza dos usuários às comparações com videogames, Second Life tem pontos em comum. É como um grande MMORPG controlado no kit mouse + teclado e um ocasional headset, mas sem objetivos. Remete ao dilema de jogos (ou não-jogos) como Minecraft e The Sims. São games? Simuladores? Ambientes virtuais? Respostas variam.

Milhares de residentes ao redor do mundo podem estar logados praticando inúmeras atividades. A comunicação entre seus avatares é via chat de texto ou voz; em ambos há um canal aberto — que pode ser ouvido ou lido por qualquer avatar num determinado raio — e um privado. Há também grupos similares aos de redes sociais.

Quais atividades? Tudo que sua imaginação permitir.

Big Boom

As primeiras regiões tinham nomes de ruas de San Francisco. Eram 16 no "grid", o grande mapa. A primeira foi batizada Da Boom, possível referência ao Big Bang. O lugar ainda existe e serve como um tipo de museu/galeria, incluindo uma estátua do avatar de Philip Linden, recriações de obras de Escher e muito mais.

Aparência da região inicial de Second Life.

Você pode visitar Da Boom aqui. Lá estão alguns dos itens mais antigos de Second Life, alguns anteriores ao lançamento oficial. Encontrei um dado construído em 2003 e até uma curiosíssima caverna com conteúdo adulto que toca Enigma.

De cara não existia o Linden, a moeda oficial lançada meses depois. Os jogadores pagavam uma taxa semanal de acordo com o número de objetos criados no mapa. O sistema era facilmente burlado pelos residentes colocando de volta seus objetos no inventário um dia antes da data de cobrança. Com o tempo, a Linden Lab mudaria para o sistema de assinatura mensal para ter propriedade de "terras".

Como uma estrela

Second Life brilhou rápido. Em 2004, seu mundo já era grande demais para ser percorrido caminhando ou voando. Foram introduzidos telehubs, pontos de teletransporte para outras regiões. Não bastou para acompanhar a velocidade de expansão, e no ano seguinte veio o teletransporte livre: é só ter o SlUrl da localidade ou um marcador de posição. Telehubs viraram centrais de direcionamento a pontos específicos, comuns em áreas de boas-vindas aos novatos.

Corpos e cabeças em malha 3D foram uma grande revolução em Second Life a partir de 2011. Imagem: modo de edição da cabeça marca Genus.

A Linden Lab lançou seu marketplace ao comprar outros mercados de itens menores. Surgiram lojas oficiais de grandes marcas do mundo real dentro de Second Life. Faculdades foram parar no grid: em vez de estudar de forma presencial, você vai com seu avatar até uma faculdade cuidadosamente recriada, e acompanha aulas de professores de verdade, com colegas interagindo, tudo via chat. Entre as marcas que abriram lojas ou representações in-world estavam IBM, Toyota e Adidas. Foram criadas cidades temáticas como Londres, Paris e Rio de Janeiro.

Entre as grandes mudanças seguintes, veio a importação de objetos em malha 3D, ou mesh. Antes tudo era montado com prims, de primitives, formas básicas como planos, esferas, etc. Ao criar uma escada, por exemplo, o usuário conectava vários polígonos, resultando num objeto que teria mais ou menos impacto na renderização de acordo com quantidade de prims. A importação de programas como Blender tornou os objetos mais bonitos e menos complexos. Um prédio inteiro pode ser modelado no Blender, Maya ou outro software e importado para o Second Life.

O visual evoluiu, principalmente corpos e cabeças. Roupas e cabelos também melhoraram. Hoje um avatar bem produzido em Second Life serve como modelo fotográfico; há publicações especializadas em moda como a L'Homme Magazine, profissionais em edição oferecendo serviços como books fotográficos, etc.

Pouco antes, em 2009, houve o recorde de usuários online: 88200. Até o início de 2011, Second Life tinha cerca de 30 milhões de assinantes.

Grande até voando

A aversão à visão de Second Life como videogame se explica também pelo crescimento. Por não ser um jogo (a não ser que você se engaje em algum), ninguém está necessariamente competindo. Residentes estão vivendo experiências.

Digamos que você chega a uma das áreas habitadas e encontra avatares. São os grupos mais heterogêneos possíveis, como uma asiática seminua, uma loira num vestido de festa e um negro com braços biônicos e cauda de gato. Ou um sujeito carregando uma espada, uma com orelhas de elfo fazendo selfies e um furry, todos montados num unicórnio.

Os avatares de Second Life podem fazer de tudo, não há pontuação ou objetivos. Imagem: avatar construindo e testando uma fonte de luz (a caixa com textura de madeira emitindo luz roxa).

Eles podem estar reunidos numa pista de dança. Talvez fazendo compras, construindo casas e objetos. Podem estar sentados num canto, curtindo o visual. Alguns estarão em escolas de voo aprendendo a pilotar aviões. Ou alistados num exército. Ou num presídio. Ou experimentando roupas, participando de feiras, palestras, festas. Ou num jogo de tiro, numa zona de combate...

Entendeu? Não há limite no que você pode encontrar.

Como a Linden Lab previa, Second Life cresceu demais para ser rotulado como videogame e atraiu todo tipo de público, incluindo os que pensam nele como um jogo. Visualize tal ambiente pacífico nas mãos de um troll acostumado a Call of Duty e GTA, empunhando objetos capazes de tirar a paz num raio de vários metros. Isso varia de um aparelho sonoro em volume máximo até uma bomba atômica.

Ele pode, como presenciei num sandbox (áreas públicas em que os residentes podem gerar objetos), "testar" sua nova bomba. Ninguém morre — a "morte" é ativada se o dono do terreno quiser, e significa voltar para o local determinado como casa do avatar. Mas basta para perturbar, com efeitos visuais e sonoros.

Por quê? Porque eles querem e acham divertido. "Alguém que venha aqui achando que é um videogame vai agir como se SL fosse um jogo, e isso vai incomodar todos ao redor, menos ele", explicou uma usuária quando a indaguei sobre o aviso em seu perfil "Não confunda SL com videogame".

Há poucos recursos para coibir abuso, exceto um sistema de denúncia que precisa de elementos claros. Se tiver o azar de encontrar um engraçadinho, a melhor solução é se virar — ignorá-lo, bloquear objetos impertinentes ou simplesmente ir embora.

Estrela cadente

A partir de 2010 algo estava errado e o brilho de Second Life parecia diminuir. A média de usuários online caiu: 62 mil em 2009, 54 mil em 2010. O Facebook veio e muitos partiram. A tecnologia não bastava para torná-lo uma realidade virtual. A Linden Lab não investiu como gigantes da tecnologia em marketing e ainda em 2010 anunciou uma redução de 30% de seu pessoal.

Típico avatar feminino de Second Life em 2019. Você pode ser de tudo: homem, mulher, criança, velociraptor, minotauro, Kim Jong-un...

Aos poucos foi caindo no esquecimento da grande mídia e virando algo de nicho. Marcas famosas sumiram. Muita gente da "empolgada inicial" desistiu, fosse por cansaço ou estarem ocupados com a vida real — ou RL, como é chamada lá. Ficou só quem realmente gostava.

Second Life sobreviveu esquecido pela massa, habitado por veteranos e novos aventureiros. Sem IBM ou MIT, gerou seus próprios famosos. Maitreya, Belleza, Signature, Utilizator, Altamura, Niramyth, Catwa, Slink, Akeruka: marcas criadas por residentes que viraram comerciantes, vendem os corpos e cabeças mais famosos para a montagem de avatares. E não só humanos. Já sonhou em ser um velociraptor? Ou um minotauro?

Donos não falam em números, mas até 2017, estimava-se que movimentavam juntos algo em torno dos US$60 milhões. Avatares antigos viraram sinônimo de "newbie"; predominam os mesh bodies, mais detalhados. Todos os principais são vendidos.

Apesar do isolamento, não é um universo morto. No fim de 2015, o Project Bento modificou a estrutura dos avatares. Ficaram mais animados e realistas: dedos das mãos se movem graciosamente, expressões faciais. Roupas, acessórios, veículos, residências, mobília e HUDs de atividades estão sendo produzidos ou melhorados agora mesmo. O recurso mais recente, Bakes on Mesh (BoM), permite que o usuário vista seu avatar com dezenas de camadas de textura que podem ser tatuagens, efeitos na pele, roupas, etc.

Quanto custa "jogar"?

Zero. Criar uma conta e sair explorando Second Life é grátis. Mas com um efeito colateral: você será um caminhante, um andarilho sem terra e incapaz de ter propriedades fixas. Para ter uma residência, um lugar parar gerar seus objetos e deixá-los lá, como uma casa completa, só pagando por uma conta premium. Ou alugando um imóvel.

Propriedades

Ter uma residência em Second Life é privilégio de usuários premium (ou por locação). Se não for o caso, você será um eterno andarilho.

A casa, como as demais construções, pode ser mobiliada com objetos como televisão e bares que incluem animações, som e efeitos visuais. Ou talvez você queira uma casa com fins decorativos, sem scripts, só para tirar fotos.

Ter um terreno não é fundamental, é luxo. E a maioria parece concordar, já que segundo dados de 2017, 91% dos usuários usam contas gratuitas.

Leis da física não se aplicam e você pode ter um skybox, uma construção flutuante. Casas servem a propósitos de simulação de curta duração, então o residente pode tirar o skybox de seu inventário num sandbox, definir sua altitude (o limite espacial é 4096 m), e usá-lo por tempo limitado — sandboxes fazem a devolução automática do objeto ao dono após certo tempo. É como ter uma casa de bolso.

Se ainda assim quiser um pedaço de terra, prepare-se para gastar. A assinatura custa US$12 por mês, e o plano anual, US$100. Isso dá direito a privilégios como uma "Residência Linden", que é uma casa pré-moldada de 512 m² num "condomínio" temático fechado. Se preferir, pode dispensar a casa e ter 1024 m² de terra no mainland (como é chamada a área principal e aberta do mundo).

Mas não basta: terá que pagar também um "IPTU" de acordo com a metragem do seu terreno, começando em US$4 por mês. Isso ALÉM do valor da assinatura. Também recebe agrados, como L$1000 após o registro (equivalente a uns US$4) e uma bolsa mensal de 300 lindens.

Se não quiser assim, alugar um lote é a única alternativa. O locador define a metragem e o que o locatário pode fazer; o custo varia desde poucas centenas até milhares de lindens por mês ou semana. A locação perto de um grande empreendimento pode ser cara.

Avatares e roupas

Ao iniciar, você escolhe entre avatares básicos e um tanto rudimentares. Como no mundo real, muitos vão julgá-lo pela aparência e por quanto seu avatar custou. Às vezes nota-se certo senso de "competição", como se todos tentassem vestir o máximo de itens caros, desde roupas extravagantes até piercings, tatuagens e implantes.

Alguns avatares básicos de Second Life, divididos em categorias como modernos, fantasia e vampiros.

Se quiser um "você digital" com tudo que há de melhor, será difícil por menos de L$8 mil. Cada linden vale entre US$0,003 e US$0,004, então uma das principais cabeças sai por nada menos que 20 dólares, ou 5 mil lindens. Só a cabeça, sem o corpo.

O corpo feminino mais popular, Lara, da marca Maitreya, custa 2750 lindens; preço aproximado de um dos corpos masculinos mais usados, Jake, da marca Belleza.

Nessas, você gasta US$31 só para ter um corpo completo dos mais modernos.

De novo, nada disso é obrigatório. Sabendo onde e quando procurar, há fartura de itens grátis ou abaixo de 10 lindens. A loja Altamura tem corpos masculino e feminino por L$1. A designer de cabeças AK oferece, em datas casuais, cabeças pelo mesmo valor, além de promoções para associados. Em ambas as lojas é preciso entrar nos respectivos grupos pagando taxa de inscrição.

Presentes da loja GABRIEL, em Second Life: presentes em grupos é um dos caminhos para quem tem pouco ou nenhum dinheiro no mundo virtual.

Conseguiu um corpo, cabeça? Faltam as roupas.

É um mundo livre mas não tanto, então nem pense em sair praticando nudismo. Os ambientes em Second Life são moderados e mesmo nas regiões de conteúdo adulto, não é vale tudo (quer dizer, veremos mais adiante...). Se resolver bancar o Adão ou Eva numa área moderada, o moderador será informado e irá bani-lo. Dependendo da reincidência, a Linden Lab encerrará sua conta.

Caso não queira parecer desleixado com o visual, já sabe: lá vai ?. Roupas básicas saem por até L$100, e o valor pode se multiplicar várias vezes em peças de alta qualidade, com opções de cor e textura. Um fat pack, pacote com uma única roupa em diversos estilos, pode passar de L$3000 (U$12). E daí para muito mais.

Nesse sentido, a vida masculina é mais difícil em Second Life. É comum chegar a uma loja e não achar literalmente nada. Compreensível: há um número desconhecido mas muito grande de homens controlando avatares femininos, e "elas" são as que mais gastam. A desvantagem dos avatares padrão é que, baseados em tecnologia ultrapassada, nada feito para os atuais serve neles. Para usar roupas novas é preciso esconder partes do corpo com canais alfa de transparência.

Em eventos, lojistas às vezes oferecem brindes, assim como grupos sociais de lojas. Se não houver taxa de inscrição, você pode se associar e pegar todos os gifts, cuja qualidade varia de lixo arcaico à qualidade surpreendente. Há quem jamais tenha feito uma compra mas desenvolveu um avatar digno.

A maioria evita gastar na plataforma: 91% dos residentes de Second Life têm contas grátis. Desses, vários usam só produtos obtidos de graça ou a preços irrisórios.

"O melhor é quando dão gift cards, já peguei coisa boa", disse a usuária brasileira AryanaOak, que encontrei num desses eventos*. Seu avatar usava um corpo da Altamura que obteve quase de graça, cabelos de uma das marcas mais famosas, TRUTH, e braços cobertos por tatuagens. "Quase nunca compro, só assino o 1L1H, espero feiras que tem gifts e cato tudo, depois filtro", concluiu rindo.

A sigla é do "1 Linden 1 Hour", evento de lojistas que oferecem itens de seus catálogos por 1 linden durante uma hora. Feiras costumam ficar tão cheias que pode ser difícil entrar; há limite de 100 avatares por região e muito menos na área do evento.

* perfil e diálogo publicado com autorização.

Segunda família

Os residentes vivem seus personagens. Eles se vestem, vão a um clube, dançam, puxam conversa com alguém. Ou sentam seu avatar no bar e bebericam numa taça que nunca se esvazia até chamar atenção. Alguns namoram, se casam, constituem famílias e simulam a dinâmica doméstica em suas grandes mansões compradas com linden dólares.

Assisti-los às vezes é como ver um filme de roteiro psicodélico.

Uma das várias ilhas de instrução de Second Life, onde sua "segunda vida" começa. Ao sair desse paraíso você descobre um mundo de possibilidades, algumas impublicáveis.

A simulação pode incluir tudo, inclusive sexo e gravidez. Se é isso que busca, além do kit corpo e cabeça, prepare-se para gastar mais 15 a 20 dólares numa das principais marcas de partes íntimas — avatares básicos não tem genitália.

Além do visual realista, eles simulam mecânicas, posições e sons, mas não garantem a "reprodução". O casal precisa de um plugin de fertilidade; as genitálias mais vendidas são compatíveis com os dois principais sistemas, então durante a relação existe uma chance de enfim acontecer a gravidez. Claro que o plugin de fertilidade é produzido por outra empresa e vendido à parte ?.

Nos homens, o script de fertilidade permite que engravidem qualquer fêmea (sim, não-humanas também) usando o plugin compatível. Já mulheres ganham ciclos e darão à luz no fim do período de gestação, que é programável. Se o parceiro dela é algo não-humano, basta ajustar seu período de gravidez como achar melhor. Com outro produto comprado à parte ??, o avatar delas muda ao longo da gestação, com a barriga crescendo. Tudo em nome do role play.

E quando nascem os filhos, quem são? Podem ser um animesh, objetos não controlados e animados como avatares (usados em animais de estimação também) ou pessoas que aceitam o papel de crianças adotadas pelos "pais". Não julgue se encontrar um avatar de criança, falando como criança seja no chat ou no microfone. É a segunda vida delas...

Jogatina, poder e sacanagem

Ao chegar em Second Life, você está num paraíso metafórico. Uma ilha com uma construção que lembra uma academia, de visual acolhedor. Há tutoriais de como andar, pular, correr e voar por toda parte. Todos ali são novatos de várias partes do mundo.

Ao progredir, você descobre que de paraíso tradicional não tem nada. Rola muita jogatina, sacanagem e violência também. Em meses de peregrinação casual encontrei um pouco de tudo, mas ficou claro que o role play tem papel vital — sem um ingrediente de simulação, colocar avatares para dançar na tela teria valor nulo.

Alguns evitam a tal ponto falar como pessoas reais — OOC, ou out of character — que fica difícil manter diálogo sem participar das simulações em algum nível. Eles não estão ali pagando por residências e roupas de luxo para serem lembrados do mundo real. É um escapismo: querem viver a fantasia e consideram não só desagradável, mas falta de educação abordá-los com questões pessoais.

Uns tantos sequer aceitam residentes se aproximando de suas propriedades virtuais, colocando scripts que banem invasões de território após uma mensagem ameaçadora. "Você entrou em propriedade privada e tem 10 segundos para sair antes de ser ejetado". Me sentia como o Sr. Kinney diante do Ed-209 em Robocop quando as via pipocando na tela. É uma fantasia de poder e privacidade.

Roleta de "Spin Pot" numa ilha-cassino de Second Life.

Também são populares os cassinos com máquinas diversas. A Spin Pot, por exemplo, consiste em eliminar números de uma cartela quando os iguais se alinham; a roleta define bônus e pontuação. Há jogos como roletas, tabuleiros e clones de Columns, entre outros. A maioria das zonas de jogo só permitem sua entrada se tiver informações de pagamento, ou seja, se vincular um cartão de crédito à sua conta.

Por quê? Não sei, não fiz isso e portanto nunca pude entrar nos cassinos, exceto um para o público geral que não só deixa você jogar de graça como ainda paga pequenos prêmios de hora em hora, variando de 1 a 5 lindens.

Outro nicho enorme em Second Life é o sexual. Há uma variedade indescritível de ambientes adultos, ao ponto de alguns tratarem Second Life como mero simulador de sexo. Como não tinha nada nas calças, não me aprofundei nesse submundo ?. Mas qualquer um pode se aproximar dos pontos agitados, onde assistirá cenas de pura p0rn0grafia. Todo tipo de fetiche, perversão e fantasia está representada, incluindo algumas pesadas, diria que no limite da legalidade.

Mas de novo: não é a casa da mãe Joana. Se estiver num ambiente G ou M (Geral ou Moderado), qualquer atividade adulta, inclusive trajes muito ousados, pode lhe render uma ejeção. Já em locais com moderação A espere ver de tudo.

Digo de tudo mesmo. No começo é estranho mas logo você se acostuma e nem dá mais atenção a homens com órgãos cavalares balançando, casais interespécie (isso, espécie) se divertindo à beira-mar, lobisomens e minotauros com enormes... mãos arrastando mocinhas de aparência meiga seminuas por uma coleira, homens que fazem Hulk parecer um frango, mulheres com proporções impossíveis cobertas de... você sabe. Um mar de situações tão absurdas quanto curiosas. Tem algo de bizarro e encantador nelas.

Se for sua intenção, nada contra: invista nas partes íntimas, no visual e boa sorte.

Exterior de uma das áreas de conteúdo adulto populares em Second Life: você nem imagina o tipo de coisa que rola ali dentro... Outros ficam do lado de fora assistindo.

A face sexual de Second Life torna a vida dos avatares femininos um inferno. Se no mundo real a emancipação feminina causa reações trogloditas, imagine num ambiente em que elas se sentem seguras para vestir roupas decotadas, saias curtíssimas ou até circular seminuas? Elas reclamam de abordagens grosseiras de avatares masculinos que se aproximam exigindo que mantenham relações.

Deserto não, gigante

Depois de tudo isso, soa estranho falar em "desertos"? Mas é a sensação que fica ao explorar Second Life. Você voa sobre áreas residenciais cheias de prédios decorados, com carros nas garagens, ruas, praças, lojas. E lembra com certa surpresa que tudo foi feito por residentes que continuam pagando a manutenção mas pouco são vistos.

A Linden Lab não cria nada. Literalmente todo o conteúdo é gerado por usuários. Cada prédio que você entra, cada móvel, vaso ou veículo foi montado e colocado no lugar por um residente. O máximo que a empresa faz é incentivar a criação com um programa de produtores remunerados — os "Moles" (toupeiras). Quanto mais antigo for o item ou construção, mais provavelmente o criador perdeu o interesse e talvez visite o lugar uma vez por mês, se muito.

De 2009 a 2018, os usuários diários de Second Life vem caindo em ritmo lento, mas constante, com ligeira estabilização entre 2017 e 2018. Dados: Gridsurvey.

O número de residentes ativos (que fazem login com alguma frequência) estaria por volta de 700 mil, com menos de 10% simultâneos dependendo do período do dia e ano. No momento em que esse artigo foi escrito, havia pouco mais de 40 mil usuários online. Parece muito mas vem caindo de forma constante: quase 2500 usuários deixam Second Life a cada ano desde 2009. Ao menos 22% das terras foram abandonadas.

Apesar da negação pelos residentes inconformados com um inevitável fim de Second Life, a Linden Lab se prepara para a transição. Em 2017 lançou Sansar, novo projeto de realidade virtual social. Em 2014 falavam dele como como a "próxima geração de mundo virtual", insinuando que Second Life estaria ultrapassado. A base é a mesma: moeda própria, conteúdo gerado pelos usuários, interação social. Mas com muito mais foco no VR.

Só o desinteresse, contudo, não explica tais desertos. Mesmo que todos os usuários ativos resolvessem se logar ao mesmo tempo, não ocupariam a vastidão. A área total de Second Life se divide entre quase 25 mil regiões, totalizando 1596 km². É suficiente para um avatar passar quase um mês caminhando. Ou para alocar quatro vezes o número suposto de usuários ativos. É uma caixinha perto de Minecraft*, mas impressiona por ser muito mais complexo.

* Estima-se que Minecraft tenha mais de 8 vezes o tamanho de superfície do planeta Terra e que um avatar caminhando levaria mais de 20 anos para chegar ao "fim" do mundo.

Quer visualizar? Essa é uma tomada afastada daquela área de conteúdo adulto citada antes. Todas as pessoas estão concentradas na rua entre as duas construções, naquela parede com a luz verde. Ou seja: só nessa cena temos duas construções grandes.

Um pouco mais longe, vemos toda a região. Aquele prédio ocupa uma fração da ilha.

Agora a visão da região no mapa. Os pontos verdes são avatares; o amarelo grande é o meu avatar. Todo o resto está vazio.

Afastando o zoom, surpresa: aquela é só uma região no meio de várias outras com o mesmo tamanho.

Quanto mais longe você for, mais regiões vão aparecendo.

E mais, e mais...

E essa é só uma página do mapa. Se movê-lo para o lado, milhares mais...

Não lembra a foto do espaço profundo do Hubble?

O que os residentes fiéis farão no dia do apocalipse – quando a Linden Lab enfim desligar seus servidores – só cada um sabe. Mas até lá, esteja onde você estiver, a sensação de vazio é inevitável em Second Life.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

4 COMENTÁRIOS

  1. Protótipo do Oasis de Jogador Número 1. Se sobreviver até aquela tecnologia ser possível, bem como deixar a forma de monetização mais acessível como o Oasis, rapaz... o futuro até que vai ser interessante.

  2. Cara, que matéria. Animal!
    Ne lembra os textos do Carlos Cardoso com pitadas de revista Gamers.

    Parabéns pelo trampo de pesquisa.

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