Entre os anos 80 e 90, a Capcom teve uma parceria muito produtiva com a Nintendo. Só para o NES foram lançados 42 jogos, incluindo clássicos como Ghosts 'n Goblins, Chip 'n Dale: Rescue Rangers e a icônica série Mega Man. Para comparar, o Master System teve apenas seis jogos da desenvolvedora.
Por isso, quando Street Fighter II estourou em 1991, já era dada como certa uma futura conversão para o Super Nintendo, lançado no ano anterior. E foi exatamente o que aconteceu quando a versão The World Warrior aterrissou no console em 1992. O port foi feito pela própria Capcom, que entregou um resultado excepcional.
Com perdas inevitáveis pela enorme diferença entre o hardware CPS e um SNES, a essência do que fez dele um fenômeno dos arcades foi mantida. Diferenças pontuais não prejudicaram nada da jogabilidade. Mesmo com capítulos melhores da série no 16-bit, continua sendo uma experiência muito satisfatória jogar SF II no Super Nintendo.
Se hoje ainda é bom, imagine em 1992.
Alma de lutador
Naquele início de anos 90, arcades estavam abarrotados de novo. Desde os áureos tempos de jogos como Pac-Man, Space Invaders e Donkey Kong não se via tanta empolgação. SF II despertou um novo clima de competição entre amigos e estranhos – todo mundo era um pouco Ryu, enfrentando desconhecidos nos fliperamas e botecos da vida.
Sua chegada ao SNES causou um surto de interesse no videogame da Nintendo. Quem não tinha um correu para comprá-lo, mas quem não podia também não ficou de fora: montado para jogar no local, pagando por hora, donos de locadora ganharam muito dinheiro. Era quase como jogar o próprio arcade, mas sem fichas e com preço mais acessível.
Cena inesquecível. Um grupo de amigos e eu na locadora, num sábado pela manhã, esperando para jogar SF II no belo kit do estabelecimento – SNES com dois controles (que seriam passados por uma hora de mão em mão) e a bela TV de tela plana 29 polegadas e som estéreo, num espaço confortável. Chega um menino de uns 7 ou 8 anos com o pai e compra o cartucho japonês, que era lançamento e nada barato. Um de nós cochicha entre inveja e admiração "Esse vai levar o arcade pra casa".
Definitivamente não era bem assim, mas na época parecia. A alma do jogo está ali: oito lutadores controláveis, quatro chefões, os mesmos cenários e controles. Uma reprodução com o máximo que o console oferecia à época – produções posteriores foram além, mas lembre-se que era praticamente o começo da geração. Não houve mutilação de cenários, personagens ou golpes, ficando as perdas restritas a elementos específicos e não-vitais.
Caso não conheça o original (sei lá, talvez você tenha começado a se interessar por videogames hoje), Street Fighter II é um típico jogo de luta em sistema melhor de três rounds. Mais: foi o primeiro grande nesse gênero da história, surgindo quando beat 'em ups reinavam. Poucos tinham alcançado algum sucesso, como Karate Champ e Yie Ar Kung-Fu, mas nem de longe comparável. É seguro dizer que todos os fighting games modernos são mais ou menos filhotes de Street Fighter II.
Os oito personagens têm características próprias, com exceção de Ken e Ryu, que são quase clones um do outro. Uma partida com o japonês Ryu será totalmente diferente da experiência de percorrer o caminho até o chefe final, o criminoso M. Bison, com o monstrengo brasileiro Blanka, a chinesa ágil Chun-Li ou o fortíssimo soviético Zangief.
Street Fighter II criou também a base do sistema de controles dominante até hoje, com botões para chutes e socos de intensidades fraca, média e forte. E solidificou o uso de golpes especiais, que existiam no primeiro jogo da série mas eram difíceis de usar.
Foi o primeiro cartucho de 16 megabit do SNES, e compensou. Dos movimentos como o legendário hadouken de Ryu e Ken e o Yoga Flame de Dhalsim, aos cenários do Brasil ao Japão, tudo de vital foi convertido.
Quase tudo...
Nem tudo são flores. A abertura do arcade, com os dois lutadores de rua brigando em frente a um prédio, foi removida. Numa prática que seria comum entre as várias conversões, cenários tiveram a remoção ou simplificação de elementos, como na Índia que perdeu um elefante de cada lado. Crianças que assistiam à luta no Brasil também desapareceram.
Artes foram alteradas, como imagens dos finais dos lutadores, com um design mais econômico no SNES. Alguns mudaram bastante e curiosamente ganharam artes novas, como Ken indo para a igreja e Ryu treinando sozinho numa cachoeira.
A jogabilidade é o ponto alto da versão. Preservada de forma épica, é uma transição muito natural jogar no arcade e depois no SNES, mantendo as mesmas técnicas, com raras exceções. O jogador veterano nota poucos cortes de movimentos e quadros. A Capcom foi cirúrgica na escolha do que ficaria ou não, garantindo que o cartucho fosse de fato o mais próximo possível de ter o arcade em casa.
A diferença mais notável foi a alteração das fases de bônus. O bônus dos barris que caem do alto da tela foi cortado, restando outros dois que aparecem a cada quatro lutas. Por alguma razão, o bônus do carro foi parar perto no final. O bônus dos latões em chamas do arcade também foi removido, entrando em seu lugar um insosso estágio de destruir tijolos, que aparece primeiro.
As animações são suaves e os controles responsivos ao nível da perfeição, com uma bem aceitável posição dos golpes fortes nos botões de ombro do controle do SNES. Quem não gosta pode ir às opções e configurá-los como achar melhor (eu sempre invertia os botões de soco e chute fortes).
Marcam presença os elementos em primeiro plano nos cenários que podem ser quebrados, como o caixote no quartel de Guile e a placa no cenário de Ryu. Outros destaques sumiram, como a palmeira na Tailândia de Sagat.
De forma geral, os gráficos acompanham de perto o resultado excelente da jogabilidade, com bom uso da paleta 15-bit do Super Nintendo, sprites bem desenhados e a mesma ótima ambientação do original, levando o jogador de uma luta no meio da floresta amazônica a um templo oriental sem parecer ridículo.
Som irregular
O som, por outro lado, é irregular. O grito dos personagens derrotados, por uma limitação do SNES, não poderia ser tão longo quanto no arcade. Usaram um efeito de "eco" nada parecido com o original. Algumas vozes foram removidas e fazem falta, como o anúncio dos países e os anúncios de "you win", "you lose" ou "perfect" no fim dos rounds.
Uma diferença esquisita em relação ao original é a alteração de tom de voz do personagem dependendo da força do golpe especial. Ao soltar um hadouken forte, por exemplo, a voz de Ryu ou Ken será mais aguda e próxima ao ouvido no arcade.
O áudio característico do SNES faz as músicas soarem diferentes do CPS. O resultado não é exatamente ruim, mas às vezes não funciona tão bem. As guitarras no cenário de Ken e a música oriental de Chun-Li parecem ótimas. Já o tema de Ryu e a trilha que toca entre as lutas, soam tenebrosas para o meu ouvido. Reconhecíveis, mas parecem executadas por um grupo de mariachis.
Outra diferença notável é que o arranjo mais rápido, que toca nos momentos decisivos dos rounds, foi removido da versão. Em vez disso, há uma simples aceleração da faixa padrão da fase.
Clássico, épico, atemporal, etc
Não sei qual a definição mais justa para Street Fighter II - The World Warrior. Clássico é a que me ocorre, mas a versão vai além disso. O resultado foi tão positivo que a popularidade – merecida – fez dele um dos cartuchos mais importantes da geração. A febre dos arcades se repetiu, alimentando as vendas do SNES e interferindo na guerra de consoles contra a Sega (o Mega Drive teria uma versão inferior quase dois anos depois).
Olhando com calma, ele tem falhas que o afastam da perfeição, mas não depende só de nostalgia. Quase trinta anos passados, continua divertido para partidas sozinho ou em dupla.
Mesmo que você tenha interesse em versões posteriores e mais refinadas, como Super Street Fighter II, a World Warrior segue firme, apesar das imperfeições, em seu posto entre os melhores jogos da história.
Positivo
- Jogabilidade impecável
- Fidelidade ao arcade
Negativo
- Falta de vozes
As vezes eu leio umas matérias chamando o SFII do Super Nintendo como "versão mutilada" e eu fico p*** da vida! Foi retirado o básico, a gente na época, mal notava a diferença. A jogabilidade era igual a do arcade. Eu tinha um Master System e era doido pra ter um Mega Drive, mas ir jogar SFII no Super Nintendo da locadora mudou minha cabeça, até que ganhei o meu em 1992 (ainda o tenho, mas queimou a PPU). O Final Fight sim era uma versão mutilada, mas pra quem ficava sem lanche e ia a pé pra poder comprar fichas de fliper, também achava uma excelente versão.
Nada de mutilada mesmo, converteram tudo que era importante.
Clássico...reinou muito na época das locadoras!!!! Com o tempo, a graça do jogo mesmo era jogar contra a algum colega, amigo ou até mesmo inimigo!!!! bons tempos!!!! valeu
Faz o review depois das versões pra Mega Drive também!!!
Vou fazer sim, aproveitar que é ano de aniversário redondo de SFII pra soltar mais coisa.
Legal você ter citado Yie Ar Kung-Fu. Muitos torcem o nariz pra ele mas acho que é um bom jogo de luta. Ele tem características de movimentação que casaram muito bem com as limitações do NES. Os 8bit são sofríveis com jogos de luta e esportes, mesmo tendo bom jogos pontuais essa plataforma não é a mais indicada. A coisa ficou boa mesmo nos 16bit.
O Street preenche bem a definição de clássico. Ele além de resistir ao tempo, é referencia e influência constantes no mundo dos games. A versão do Super é tão marcante pra mim que eu não consigo ver esta como uma adaptação dos arcades. É estranho. Eu vejo os dois jogos como se fossem títulos diferentes. Ambos incríveis. A parte sonora do Super, mesmo limitada e parecida a mariachis em alguns momentos, me arrepia a pele toda vez que ouço. Principalmente a abertura. É subjetivo, é estranho, é incrível. É Street Fighter. 🙂
Ele é simples mas nos dois citados já tinha muito da base do que seria fighting game típico, inclusive tem uns movimentos no Kung-Fu que lembram o próprio SF (ou SF é que lembra, já que veio bem depois).
O jogo do SNES pode não ser perfeito, mas me ajudou a idolatrar este jogo. Jogo com muita frequência em meus psp's e em outros consoles a versão arcade esta sim, perfeita.
Yie Air Kung Fu é maravilhoso, gastei muitas fichas nele. Ainda jogo na coletânea da Konami no NDS ou no MAME, no Raspberry Pi.