Análise: Altered Beast é mais nostalgia do que qualidade no Mega Drive

Jogos considerados por muita gente como ruins podem ser chamados de clássicos?

Acho que sim e se tem um que entra em listas dos ditos ruins e clássicos, é Altered Beast do Mega Drive. Lançado em 1988 no Japão, o port foi comandado por Makoto Uchida [biografia], também autor de um sucesso ainda maior da Sega: Golden Axe.

Ambientado na Grécia Antiga, o game é inspirado na mitologia para contar a história de um centurião desperto de seu sono eterno pelo próprio Zeus, o deus do Olimpo, que não o faz só de camaradagem e joga em seu colo uma missão cabeluda: ir até o inferno resgatar sua filha Atena, aprisionada pelo demônio Neff. Só, coisinha à toa.

Até lá, o nobre centurião deve enfrentar uma gama de monstros como zumbis, dragões, geleias saltitantes (são "lesmas", mas não deixam de ser gelatinosos), cobras e outras tranqueiras a serviço do cramulhão. A seu favor, esferas espirituais que o transformarão na "besta alterada" pra destruir geral.

Altered Beast 2 players
Também dá pra enfrentar a diabada em 2 jogadores

Missão divina

Logo no início vem o vozeirão do próprio Zeus, numa das falas mais lembradas da história dos games, clamando o falecido centurião a sair de seu descanso para trabalhar e abrindo a geração 16-bit:

RAAAAAISE from your graave!

Quem jogou no arcade sabe que a voz foi mantida até com qualidade. Outra voz marcante é a de Neff, avisando "Welcome to your doom!". Logo de cara é um ponto positivo para o áudio – lembrando que essa versão veio logo no começo do Mega Drive, então era de se esperar que a qualidade não fosse das melhores ou pelo menos não aproveitando o melhor que o console oferecia.

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Por 5 fases em scroll lateral, pulando sobre plataformas e usando socos, chutes e voadoras, seu lutador sai do cemitério em que estava, dá uma passada rápida pelo inferno, até chegar ao palácio de Neff na cidade de Dis, onde ele aprisionou Atena. Inimigos variam de coisas óbvias como zumbis no cemitério e diabretes voadores no inferno, para coisas bem estranhas como uma espécie de geleia saltitante que tenta engolir sua cabeça – parecido com o Geleia, do filme Caça-Fantasmas. Curiosa presença também de um bicho bem conhecido do Golden Axe, a cocatriz, um tipo de dragonete que dá rasteiras com o rabo.

Ao fim de cada fase, Neff se transforma em algo para tentar matar o centurião. Na primeira forma, vira um ogro bizarro feito de pedaços de corpos, muito grande e que arremessa cabeças. Depois aparece como um tipo de planta cheia de olhos; depois, um tipo de salamandra. Na penúltima forma, a mais difícil (pra mim), se transforma numa espécie de crocodilo que joga bolas de fogo e ainda solta uns dragonetes. Na forma final ele ataca como um híbrido de homem com rinoceronte, cruzando a tela em alta velocidade aos socos e chifradas.

É um jogo curto, as fases são razoavelmente fáceis e ainda tem truque pra continuar da fase em que estava caso leve game over (A + Start na tela-título). Só os chefes que realmente complicam um pouco, mas nada que a prática e observação não resolva rapidinho.

Pra piorar, o final é de uma pobreza total e depois dos créditos o jogo recomeça, assim seguindo seu loop ad infinitum, como se o pesadelo do centurião não tivesse fim, eternamente condenado a salvar a filha de Zeus...

Gráficos

Altered Beast tranformação em lobo
A transformação do lobo é uma das mais icônicas do Mega Drive.

Em relação ao arcade é fácil notar que sprites foram muito reduzidos. Lutadores e inimigos encolheram bastante, partes do cenário sumiram. Ainda assim, acho que vale dar um desconto pro pessoal da Sega, afinal converter um arcade (tudo bem que era da placa System 16, mãe do hardware do Mega Drive) para o console recém-lançado e exigir perfeição é querer demais.

Personagens são grandinhos para o padrão 16-bit, tudo foi reproduzido dentro das possibilidades e uma das cenas mais conhecidas de Altered Beast está lá, mantida e bem feita: a tela das transformações.

A cena é tão bacana que foi parar na caixa do Mega Drive original, com o destaque para centurião virando lobisomem. Ainda há efeitos interessantes como Neff no final do estágio envolto numa nuvem de fumaça esquisita, e objetos em diferentes planos, dando sensação de profundidade; outros foram cortados – no arcade, quando alguns monstros morrem, há um efeito de escala como se partes voassem longe. Neff aumentando de tamanho antes da transformação também sumiu.

Os chefes são muito grandes, alguns quase do tamanho da tela, com movimento e ação variada. Um ponto negativo é com as cores, já que em certos cenários o personagem fica um pouco embolado com fundo; na segunda fase, nada muito grave mas a combinação do dragão com o fundo ficou confusa.

É bom localizar o jogo em seu tempo ao avaliar algo tão antigo: havia toda uma garotada vindo dos 8-bit e pra muitos, Altered Beast foi o primeiro contato com a nova geração. Mesmo não sendo um port perfeito, era uma introdução decente graficamente; garantia impacto.

Som

Altered Beast cutscene
Entre as fases rola uma cena mostrando Atena presa

As principais vozes foram mantidas, sendo duas inesquecíveis: Zeus chamando o centurião dos mortos no início do game e Neff ameaçando no final dos estágios. Tem ainda o (também marcante) "Power-up!" ao coletar as esferas, os grunhidos animais da transformação e gritos. Tudo bem feito pra um console novo.

As músicas não são variadas como jogos que vieram mais tarde, nada de um nível Streets of Rage, por exemplo. O tema medieval varia a cada fase e muda também ao chegar nos chefes e quando o centurião atinge a forma animal. São perfeitas no propósito de exibir um grande avanço em comparação aos 8-bit, o suficiente para aquele início de geração.

Efeitos sonoros também não são brilhantes, mas satisfatórios, com tradicionais ruídos de socos e chutes, ao soltar bolas de fogo ou expelir raios, ou nas explosões do chefe de fase. Nenhum chega a incomodar, ainda mais num jogo tão curto. Quando coleta uma esfera e a voz "power-up!" é ativada, a música some por um instante, uma amolação de leve para os audiófilos.

Jogabilidade / controle

A jogabilidade é o básico beat 'em up com plataformas em movimento lateral. Movimentos são simples, com um pulo (que pode ser alterado mantendo o direcional para cima ao pular), um ataque com chute e um com soco, tudo combinado em possíveis voadora, golpe abaixado ou chute para cima. O salto alto é útil para alcançar plataformas mais elevadas, que em fases adiantadas servem pra escapar de hordas de monstros.

Altered Beast segundo chefe
Transformado em dragão, pouco antes do segundo chefe

Não basta socar inimigos: alguns lugares apresentam obstáculos móveis como no cemitério, em que pode-se socar os túmulos para abrir caminho ou pular sobre eles. Esses golpes mudam de força e alcance conforme as esferas são coletadas e pouco antes da transformação o centurião conseguirá atingir adversários já à distância, fugindo do corpo a corpo.

Para obter as esferas é preciso atingir uma criatura (lobo de duas cabeças) azul – outro ponto semelhante a Golden Axe, que tem mecânica similar com aquele gnomos que dão magias.

Com três dessas esferas é que o bicho pega, literalmente. Transformado em lobisomem, o soco vira um tipo de hadouken de fogo e o chute some para surgir um golpe deslizante que cruza a tela, destruindo todos no caminho. O dragão da segunda fase, tigre da terceira e demais criaturas, cada uma tem seus próprios golpes, úteis para enfrentar os chefes de fase. O primeiro é bem vulnerável às bolas de fogo, já que você precisa manter certa distância para desviar das cabeças arremessadas. Contra o crocodilo da quarta fase já seria ruim pois ele se move em várias direções, sendo ideal o poder do tigre: bolas de fogo que se deslocam em zigue-zague.

Os controles são precisos e apesar do personagem grande, ele não é difícil de movimentar ou saltar. A variedade de golpes permite atingir inimigos que surgem saltando ou voando. A simplicidade dos golpes é um atrativo para jogadores de qualquer faixa etária – desconsiderando a demoniada que pode afastar crianças muito pequenas.

Um detalhe desagradável é a movimentação da tela. Como o scroll é lento, fica quase impossível escapar da luta, sendo preciso limpar a área com os punhos mesmo. Especialmente na última fase isso é terrível, já que aparecem monstros em ambos os lados, três ou mais de cada vez.

Conclusão

Altered Beast final
No final o lobão conquista a deusa Atena... antes de recomeçar tudo.

Altered Beast ganhou popularidade no Mega Drive ao ser incluído no pacote inicial do console em vários países, bem antes do desenvolvimento de Sonic, que ganharia a honra. Tal como Mario ou Duck Hunt no NES, ou Alex Kidd no Master System, acompanhar o videogame deu ao jogo grande valor nostálgico.

Apesar de resenhas iniciais positivas, com o tempo passou a ser visto com outros olhos, entrando até em listas de piores do Mega. Hoje é apreciado mais pelo valor nostálgico que por outras qualidades. Ainda assim, não chega a ser ruim, com dificuldade moderada, gráficos e sons medianos e boa ambientação. Um port decente de um arcade igualmente simples.

Alguns dirão que Altered Beast não envelheceu bem. Concordo em partes: não é daqueles que garantem diversão eterna como Sonic ou Zelda, mas vale a pena conhecer como parte importante da história dos 16-bit. Ou jogar de novo e lembrar como tudo começou.

Nota: se não conhece, sugiro que experimente o original do arcade. É praticamente impossível encontrar um funcionando hoje, mas dá pra emular com o MAME, procure por aí que vale a pena.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

8 COMENTÁRIOS

  1. A primeira vez que vi esse jogo foi quando fui a uma loja do Ponto Frio em Brasília...logo após a escola eu ia lá na loja do ponto frio...tinha sempre tv ligada com video game e eu chegava de mansinho e pronto...começava a jogar!!!! Fiquei impressionado com esse jogo: gráficos dukaralho, música dukaralho e jogabilidade dukaralho mesmo!!!! fiquei impressionado com as vozes digitalizadas e com o poderoso mega drive...bons tempos mesmo!!!!

  2. Gosto muito do site , descobri a pouco, e tenho dedicado várias horas para ler com bastante calma todo conteúdo .
    e vejo algo feito com muita dedicação .
    é um conteúdo para amantes retro-gamers .

    A respeito da análise .

    Eu respeito essas análise fora de seu tempo , mas discordo ( não só de vc , mas como qualquer análise fora de época) , quando se faz uma análise de um jogo feito em 88 . vc está totalmente fora das tendências do que se vivia naquele momento.

    mesmo que tenha vivenciado, o que foi a mudança de geração 8bit para 16-bit .
    vc provavelmente esqueceu e perdeu muito das lembranças .
    orelhão , fitas k7 , girar a antena da tv ...
    então eu discordo .

    Na época onde só tinha nes e master nas locadoras . quando saiu um mega com altered beast e sonic .
    tudo era fenomenal e parecia arcade !
    eu gastei muito dinheiro nesse jogo na época rs

    guardo esse jogo em minha memória .
    assim como outros que são odiados e eu adoro .
    como pit-fighter e outros...

    é isso abraços

  3. Realmente é um clássico... E é ruim, muito ruim. O original do Arcade é ruim, o do mega, por incrível que pareça é melhor mas ainda não é bom. Lembro que sempre quis jogar mas nunca tive oportunidade, quem tinha um megadrive conhecia. Só fui jogar na era da emulação, talvez se tivesse jogado na época não acharia tão ruim, mas eu tive um genérico nintendinho e depois passei pro Super Nintendo, então perdi muita coisa da Sega.

  4. A versão de Mega deste jogo é sensacional, apesar de algumas mudanças em relação ao original de arcade, ele sofreu algumas boas mudanças. A maioria dos cenários ganhou novos layers de parallax e algumas músicas foram melhoradas em relação ao arcade. Achei o review bem severo, Altered Beast merecia mais, lembre-se que a crista da onda nessa época era bad dudes vs dragon ninja e etc.. que era o padrão de beat 'n ups nesta época, e altered beast se destacava em todos os sentidos nos demais e merecia melhores olhos do review ae, um abraço !

    • Realmente ele foi bem fiel ao arcade, dentro das possibilidades. Se meu review fosse feito no começo do Mega Drive, talvez a nota fosse maior, sei lá. Abraço!

  5. Rise for your grave é eterno, versão Mega Drive muito superior ao Arcade em termos de diversão e principalmente jogabilidade, refinaram e muito os controles no MegaDrive. claro que no Arcade os gráficos são o pouco melhores e isso aqui e ali, mas no contexto geral aquele cartucho de "míseros" 4Mb é show.

    HA HA HA ... cabulei muita aula na escola só para ficar jogando esse game em casa enquanto meus pais estavam trabalhando.

    • Verdade, se pensar que era um cart "pequeno" e bem do começo do Mega, fizeram um trabalho de primeira. Só perde em algumas vozes e tamanho dos personagens.

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