Quando os beat 'em ups, gênero do "bata em tudo que aparecer e siga em frente", eram febre, no começo dos anos 90, conseguiam disputar espaço até com os fighting "mano a mano" como Street Fighter II. O pessoal nem ligava se os jogos tinham história ou não, só queria mesmo bater geral. Mas para sair um pouco do clichê polícia x bandido, a Capcom foi buscar uma mistura de Cadillacs, futuro apocalíptico e dinossauros.
Desenvolvido em 1992, Cadillacs and Dinosaurs veio na mesma leva de outros hits, como os popularíssimos Final Fight e Captain Commando, tendo como raíz os comics Xenozoic Tales, de Mark Schultz. Com até 3 jogadores simultâneos, bons controles, Q-Sound e uma história muito louca, poderia ser a evolução da família, mas esbarra em alguns detalhes.
Mesmo assim, foi sucesso e até hoje você deve trombar com uma máquina dessas por aí. Quem nunca jogou ou viu CaD em algum arcade, boteco ou shopping, é porque não visitou esses lugares.
Viagem no tempo
A história é a mais surreal possível. Ano 2513. Um desastre eliminou grande parte da humanidade; os restantes, para se livrar do ambiente nocivo, foram obrigados a viver em subterrâneos por gerações. Quando enfim voltaram à superfície, novas — ou não tão novas — formas de vida tinham tomado conta de tudo: os dinossauros.
Com o tempo, humanos e dinos passam a conviver de forma "pacífica", mas de repente surge um bando de caçadores atacando os animais, o que os deixa enfurecidos e perigosos; até então, raramente atacavam humanos. Para descobrir a razão da caçada, surgem os heróis Jack, Hannah, Mustapha e Mess.
De cara já se nota que é criativo e incomum, não graças a Capcom, mas o jogo explora bem o enredo com cenários, personagens e ambientação geral. Apesar de nunca ter lido os quadrinhos, é bem claro que conseguiram pegar muito do original e retratar no jogo.
Gameplay e dificuldade
Não foge da fórmula óbvia: personagens com características próprias, tanto na jogabilidade quanto estereótipos, naquele esquema "o porradeiro forte e lento, a musa veloz e frágil, o mocinho equilibrado e...". Esse quarto perfil é o que ferra, porque enquanto Mess é o trombador Haggar-wannabe, Hannah é a gostosa ágil que causa pouco dano e Jack é o equilibrado, temos o Mustapha Cairo. É uma versão melhorada do personagem equilibrado, pois além de muito ágil, é mais forte e resistente que um cara mediano. É tipo a agilidade da Hannah com a força do Jack.
Aí já viu: a maioria dos jogadores queriam o Mustapha, afinal pra que gastar ficha jogando com a Hannah? Só pra ver sprites como esse aí embaixo e perder a ficha com meia dúzia de porradas?
Os inimigos comuns não são dos mais fortes, o que também é comum em beat 'em ups; com duas sequências de porrada a maioria já era. O problema começa com subchefes (chamemos assim os caras mais fortinhos que aparecem no meio do bolo) e chefes, que normalmente carregam armas cortantes (como espadões e uns lances voadores, que parecem mistura de shuriken com bumerangue), de fogo e até motos para te atropelar.
Os chefes são muito chatos, com várias barras de energia e muitos ainda acompanhados por capangas, mesmo que você jogue sozinho. Se estiver em dupla, vocês podem armar uma distribuição de tarefas, senão... Pra piorar, eles vêm em grupos com o desenrolar do jogo, incluindo times mistos com chefes anteriores. Entre os mais malas estão a dupla que atira shurikens (Slisaurs) e o grandalhão com a maça (uma corrente com bola cheia de pontas, que fica jogando na sua direção). Tem até um cover do Blanka (Bludge), mistura óbvia do brasileiro com dinossauro-mutante.
Os dinos não são inimigos. Estão lá de boa, tranquilos, mas sempre tem algum idiota pra bater neles e deixá-los furiosos, e vai sobrar pra quem estiver perto, seja você ou quem os provocou. Evite agredi-los quando estão verdinhos e calmos, pois durante o chilique (ficam irritados e mudam de cor), vão atacar quem passar pela frente. Há velociraptors, tiranossauros, triceratops que correm e atropelam, pterodáctilos que vem bicando do alto, e outros.
Os itens são ótimos e variados: muitas armas de fogo como metralhadoras, pistolas, granadas, dinamite e até bazucas, que ajudam contra grupos de inimigos. Se a munição acabar você pode pegar mais, se estiver à mão, ou jogar a arma na fuça dos bandidos. No aperto máximo, rola até pedrada! Armas brancas incluem espadas, pedaços de pau, clavas (vulgo porrete) e facas.
Mas nem só de comida é feito um monte de itens, dá pra achar joias, dinheiro e outros valores (pontos). Para recuperar energia é ainda mais variado o "cardápio," com opções que nunca vi em outros games, como xícaras de café, chicletes, os tradicionais hambúrgueres e até carne, sushi e lagosta. Um verdadeiro banquete espalhado pelo chão.
Um dos pontos altos é a fase em que você pilota o Cadillac (começo da terceira fase, se não me engano). Suba no carrão e saia atropelando tudo, inimigos e barris, até o final. Se ficar a pé no meio do caminho, prepare-se para uma longa caminhada.
É muito difícil terminar CaD com uma única ficha logo de cara. Não me lembro de ninguém que conseguisse, apesar de depois de pegar o padrão dos inimigos, o caminho fique um pouco mais simples. De qualquer forma, a combinação de chefes de fases adiantadas, somadas com míseras duas vidas, te farão fatalmente apelar para uns créditos extras se quiser ver o final.
Note que nos prints para esse artigo gastei vergonhosos 17 créditos, jogando sozinho com a Hannah o caminho todo. Provavelmente com Mustapha você chegue lá com menos de dez - com ele, usei 4 créditos para chegar à sexta fase, e dali em diante precisei de outros 8.
Controles
Ponto positivo. Respondem muito bem e há uma variedade interessante de golpes, mais do que em jogos parecidos. Além da tradicional sequência ativada ao apertar o botão de soco como louco, há uma corrida (dois toques numa direção) que pode ser combinada com ataque e virar um dash ou voadora especial de grande alcance (atacar durante a corrida), um movimento especial (↓ ↑ + ataque), voadoras, uma voadora especial (apertando o botão de ataque no ápice do pulo), e ataques combinados.
Além, claro, do tradicional "ataque de emergência", apertando ataque + salto juntos para acertar todos ao redor, ao custo de um pouco da energia. Isso é de grande ajuda para fases adiantadas, já que o jogo insiste em te mandar avançar ("Go-Go!") e se você for afobadão pra frente, fica cercado por inimigos
Gráficos
Sprites não são tão grandes quanto no Alien vs Predator, por exemplo. Alguns desenhos de personagens e inimigos me desagradam: o braço durante o soco ficou estranho, desproporcional (muito grande, principalmente na Hannah e no Jack). Alguns movimentos parecem pobres de quadros e as cenas intermediárias são simples, será que não dava pra caprichar um pouco mais?
Detalhes também ficaram bem porcos em alguns personagens (boca e olhos de Hannah só aparecem em alguns quadros, como durante o especial e no final da fase, entre outros). Elementos manjados de games Capcom como os barris e tonéis — impressionante como adoram colocar barris em todo jogo de luta — aparecem e te farão lembrar dos bônus de Street Fighter II.
Mas não tem só coisa ruim; as cenas de explosão, como ao acertar inimigos com a bazuca, são bem legais. Os dinossauros são grandes, alguns enormes, e todos os desenhos tentam emular (até que bem) o visual de comics. Essa atmosfera é reforçada por coisas como os infalíveis balões de diálogo e onomatopeias que aparecem de vez em quando. Ao acertar voadoras altas, vem um estranho "Smack", ou um "TA KA TA KA" ao usar metralhadoras. Ao gastar um continue, seu personagem volta com uma bazuca e um balão de diálogo.
Os cenários e ambientes vão de laboratórios a áreas urbanas, florestas e desertos. Não são a coisa mais rica já vista, mas bem feitos. Tem bom nível de detalhes, padrões, partes móveis ou com alguma interação (paredes que se quebram, portas, janelas, etc).
Sons e músicas
Usando a tecnologia Q-Sound (um tipo de áudio 3D), as músicas são de qualidade, com boas sintetizações de instrumentos; você vai curtir os sons de guitarra. Nenhuma melodia é das mais marcantes, mas o ritmo acompanha a ação. Nada de muito brilhante, mas longe de ser ruim.
Os efeitos sonoros são melhores, com bastante riqueza que inclui explosões, gritos de gente e dinossauro, e vozes. Talvez por economia de recurso, elas têm um efeito meio ecoado, que não chega a prejudicar. Tenho certeza que qualquer jogador lembra mais das vozes de Hannah saboreando os petiscos ("Delicious!") ou Jack com seu especial ("Final Uppercut!") que da trilha sonora.
Conclusão
Cadillacs tem suas falhas, algumas bem gritantes, mas não dá pra desconsiderar a ótima jogabilidade misturada com toneladas de diversão e um enredo louco, que lhe dá um aspecto único. Foi um sucesso, e mesmo assim acabou nunca portado nem ganhando sequências (não confunda com o lixo que saiu Sega CD). E não parece ser dos mais difíceis de imaginar um port no SNES.
A razão seria o alto valor cobrado pela General Motors para voltar a licenciar a marca Cadillac, então a Capcom preferiu deixar quieto e meter o game no baú. O termo todo "Cadillacs and Dinosaurs" esteve sob propriedade da GM até 2002. Depois, sabe-se lá.
Mesmo que nunca tenha ouvido falar do arcade ou dos comics, vale a pena. Se já conhece, com certeza é um prato cheio de nostalgia dos tempos de "fliper" no boteco, quando moleque se estapeava pra ver quem ia dirigir o Cadillac e atropelar geral. Pode não ser dos melhores pelo aspecto técnico, mas tem diversão pra dar e vender.
Fala man.
Só passando pra deixar esse Homebrew(HBMAME) com muitos racks de Cadillacs and Dinosaurs.
Dá 1 confere: facebook.com/100006088214294/videos/2740193716193542
Todo o mês tem atualização de alguns clássicos contidos nele.
Esse Emulador é parente do MAME, porém com vários jogos hackeados.
Dá pra matar a saudade jogando no Pc.
Abraço!
Ótima avaliação!
Esse jogo me fez passar muita raiva nos flipers. Na verdade, foi um dos primeiros jogos de fliper que tive contato. Sempre sonhei em tê-lo em um console, agora entendo o porquê!
Uma pergunta, todas as roms que vejo, ela vem com esse adicional do Q-Sound, fazendo a qualidade do som melhorar, fazendo as músicas ficarem mais empolgantes, mas totalmente desigual ao som do arcade! As vozes dos personagens ficam mais finas. Achei estranho e essa versão emulada tem uma porção de BUGS corrigidos, como aquele do elevador da 7ª tela, que você entra na madeira. rs . Foi minha única insatisfação quando há anos obtive o jogo emulado. A pergunta é, não existe nenhuma versão emulada, realmente fiel ao arcade, se é que me entende? =)
Um comentário apenas, 16 fichas para chegar até a 5ª tela com a Hannah? kkkkkk
Eu salvo isso com uma ficha, até com o Mess.
Brincadeiras a parte, grande matéria!
Sucesso.
Pô, sacanagi, fazia uns 15 anos que eu não jogava e ainda por cima jogo com o teclado (desculpas todas esfarrapadas mas prontas HAHA).
Sério que não tinha Q-Sound no arcade? Não lembro desse detalhe, apesar de ter visto tantas máquinas espalhadas na região aqui.
VALEU!
O jogo é perfeitamente emulado faz anos, e sempre teve Q Sound.
Grande matéria! Consegui emular esse grande classico no mame pelo nintendo wii,num é igual a jogar no arcades como na época,mas da pra sentir um gosto como se tivesse lançado para um console de mesa. Grande analise e eu também prefiro a hanna apesar de ser mais fraca Kkk. Não cheguei a jogar como meu irmão nos fliperamas,mas ouvia muitos comentários na época e geralmente eram o grandes brutamontes que reinavam nas máquinas a mim só restava olha e admirar,mas iniciei mesmo nessa vida de flipper com double dragon o de luta mesmo,não o beat in up. Mas tenho boas recordações de cadillacs e dinossauros,mesmo que só olhando os caras grandes jogarem. Fico feliz por ter vivido esses bons tempos e ainda hoje quando acho um flipperama por ai é cadillacs e o double dragon. E aconcelho a qualquer um que achar um flipperama nesse mundo regado a tecnologia,não pense duas vezes pra jogar cadllacs e dinossauros,simplesmnte peguem algumas fichas e curtam um dos jogos que eram feito com amor mesmo. Grande analise!!!
Grande comentário, Ricardo, valeu!
O "Cadillacs" é um classicão mesmo, grandes lembranças. E claro que não tem só valor nostálgico, vale pra quem não conhece também.