Análise: Enduro levou o Atari 2600 aos limites com rally inesquecível

Em 1983, graças aos deuses dos jogos (se existisse tal coisa), a gloriosa Activision já tinha se metido no negócio da Atari e estava produzindo para o 2600, como tantas outras empresas. Mas eles não eram só mais uma das inúmeras que queriam carona no megassucesso mundial do console: com produções de alto nível, ajudaram a mostrar que o brinquedinho podia ser levado a outro patamar, bem mais alto que os Pongs e Space Invaders da vida.

Se já tinham clássicos como Pitfall! e River Raid, outra prova determinante desse poder de fogo foi Enduro, um dos últimos sucessos antes do declínio que começaria a pegar geral ainda naquele ano.

Com variação de gráficos, sons realistas (para a época, calma) e muita diversão, o jogo é fácil o melhor de corrida e um dos melhores do sistema.

Supergráficos

enduro atari 2600 7 diaDesenvolvido por Larry Miller – também pai do shooter Spider Fighter –, Enduro começa com um desafio diferente de outros racing games: em vez de lutar para baixar tempos e fazer voltas mais rápidas, o negócio é enfrentar o National Enduro e ultrapassar certo número de adversários no curso de um dia.

No primeiro dia de competição, o objetivo é conseguir 200 ultrapassagens, e a partir do segundo, trezentas. A cada dia o rally começa pelo período que seria o início da tarde, indo até o mesmo horário 24 horas depois.

Essa percepção de horário está apenas no ambiente, não é refletido num relógio ou qualquer outra marcação numérica. A passagem de tempo se dá pelas alterações de cenários: na largada, a pista está seca e o dia é claro; depois de algum tempo de corrida, tudo torna-se nevado, e mais adiante surge uma cor avermelhada sugerindo o cair da tarde. Logo vem a noite, e só os faróis dos carros continuam visíveis.

enduro atari neveNo período seguinte você enfrenta a neblina da madrugada, completando o dia com o amanhecer (ainda vendo os faróis) até o horário em que começou. Se o dia de corrida recomeçar e você não tiver obtido o número mínimo de ultrapassagens, o jogo termina com o memorável e odiado efeito sonoro – como se o motor fosse perdendo rotações até emudecer, um dos mais broxantes já ouvidos em videogames na história.

Na tela ficam visíveis um tipo de odômetro com a quilometragem, dia e números de carros restantes a ultrapassar. Se chegar ao 5º dia de competição, você ganha um simpático e inútil troféu ao lado do marcador de ultrapassagens.

Cada cenário é bem feito. As cores são um show, como no trecho final de tarde quando o céu vai gradualmente ganhando um alaranjado, depois vermelho, até anoitecer. A neve que cobre a pista deixa tudo num branco impecável e a neblina surpreende com seu efeito fading suave, coisa raríssima no 2600.

Quem não pegou essa fase não tem noção do quanto era impressionante na época.

enduro atari cena fim de tarde
O belo cenário do fim de tarde: céu vermelho é sinal que a noite se aproxima

Comparando com outros jogos do 2600, não era comum tanta variação de ambiente. Trabalho primoroso.

Som

Felizmente não inventaram de colocar uma música horrenda durante a corrida. O som que você ouve é o ruído do motor (ruído bem executado, ouvi efeitos piores em 8-bits), das freadas e ao bater, seja nos adversário ou nas "paredes" – as linhas que delimitam a pista e das quais não se pode passar.

Embora não tenha sistema de marchas, ao ganhar grande velocidade não ouvimos mais o acelerador, só o som dos carros sendo ultrapassados e passando como um raio lateralmente, como um deslocamento de ar. Aposto que você também se sentia piloto quando o motor parava de roncar e só ia desviando como ninja no meio do tráfego.

O efeito abafado na parte nevada também é interessantíssimo, dando realmente a sensação que o carro está sem tração adequada. O aviso sonoro da bandeirada e do game over são inesquecíveis, com os extremos do sucesso e fracasso.

Dificuldade / jogabilidade

enduro atari noiteOs controles não poderiam ser mais simples: mova o carro para os lados e acelere para ultrapassar os rivais. Movendo para trás o carro desacelera, fundamental para evitar colisões (se bem que muita gente nem sabia que o freio existia, era só pé embaixo).

O carro muda de comportamento na parte nevada, é quase impossível frear a tempo de evitar choques se estiver correndo – o deslocamento lateral também fica bastante prejudicado. Na neblina somos obrigados a seguir com cuidado, pois não dá pra ver muito além de dois carros de distância.

A dificuldade é progressiva até níveis impossíveis de continuar, como é típico aos jogos daquela geração. A partir do sexto ou sétimo dia você sente o drama: não pode nem sonhar em bater, o que causa a perda de dezenas de posições.

Jamais consegui passar do nono dia. Tive amigos que chegavam ao 13º e eu achava sensacional.

enduro atari neblina
O trecho na neblina é o mais difícil. Simplesmente impossível correr, siga com cuidado.

Sei que muitos conseguiam ir bem além disso e dou os parabéns por suas técnicas de pilotagem! No Youtube tem caras que chegam no dia 40, outros falam em recorde mundial em 300 dias, mas certo é que não tem final e o placar de dias tem um bug no centésimo dia (suporta até o 99).

Conclusão

Enduro é um clássico de corrida, um dos melhores jogos do Atari 2600 e fez parte da nata da Activision. Tem um ritmo empolgante ao contrário dos chatinhos (na minha opinião, claro) Pole PositionDragster. É garantia de entretenimento para adultos e crianças.

Pra completar, algumas dicas do próprio Larry Miller tiradas do manual americano:

Como se tornar um "Roadbuster"
Dicas de Larry Miller, designer de Enduro™:

Larry Miller é um designer com PhD em física. Quando não está desenhando games, ele pode estar velejando, esquiando ou tocando piano. Seu hit mais recente foi Spider Fighter™.

O melhor jeito de vencer os adversários é dirigir com calma. Você não vai durar muito se correr à máxima velocidade pois acabará batendo nos outros carros. Vá rápido o bastante apenas para ultrapassar o número de carros necessário.

Se puder escolher entre chocar-se com a lateral da pista ou outros carros, vá pra lateral. É um atraso menor, você não perde tanto tempo.

Além disso, é sempre melhor passar diagonalmente entre carros pareados do que ter que se espremer entre eles - mas se isso for preciso, mantenha a velocidade maior que a deles e seja cuidadoso.

Outra dica: se você aproximar-se de um grupo de carros que está bloqueando a pista, desacelere. Deixe-os sumir no horizonte e então acelere. Quando reencontrá-los, provavelmente eles terão mudado de posição, liberando o caminho.

Os lendários badges. Curioso saber também que ao concluir o quinto dia e ganhar o troféu, o jogador podia tirar uma foto do seu grande feito e mandar para a empresa, para receber (lá nos Estados Unidos, suponho que não remetiam pra esses lados) pelo correio uma carta de congratulações e um emblema bordado como esse.

Que criança do universo não queria uma coisa assim? Por essas que os velhos tempos eram tão especiais.

Nota: não estranhem a nota dada para música, ela é mais pela decisão de não ter música. Afinal, nesse caso o som que importa já estava lá e foi uma sábia decisão.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

6 COMENTÁRIOS

  1. Quando criança eu chegava no máximo até o sétimo dia. Quando peguei para jogar depois de adulto cheguei logo no 12º. Depois joguei novamente e cheguei no 13º dia, gravei e coloquei vídeo no Youtube. Isso foi em 2015 e foi meu recorde nos últimos 4 anos.

    Na última sexta-feira quebrei meu recorde e cheguei no 15º dia. Infelizmente não gravei (estava testando um upscaler novo) e só tirei foto do final. Acho que esse é um dos poucos jogos em que eu sou melhor hoje do que quando era criança.

    Tenho dúvidas quanto a esse recorde de 300 dias. Se para chegar no 15º dia eu levei uma hora, para chegar no 300º vai levar umas 20 horas num videogame que originalmente não tem pausa. Isso não deve ser muito saudável... 🙂

  2. jogo de corrida com música é coisa de Top Gear do snes...a galera jogou tanto top gear que com o tempo esqueceu que o certo em jogo de corrida é não ter música. A verdade é que no jogo Enduro o som do carro já virou a música. Enduro é um jogo clássico que também lembro de ter visto no Buteco do Seu Zé nos arcades com volante e tudo. Jogo simples, bons gráficos, boa dinâmica, boa jogabilidade e divertido...nunca cheguei na 8 bandeirada. A simplicidade ainda me atrai, valeu!!!!

  3. Tenho 32 anos, nã osou da era 2600 e estou jogando enduro (a sério) pela 1a vez. Agora que trabalho/estudo/malho percebo quanto é divertido este jogo. Fora que como nasci na era do Master System, havia uma noção errada de 'superioridade' dos 8 bits, o Atari era visto como algo fadado ao esquecimento. Ledo engano. No início sobrava 100 carros e eu fazia 400-500 pontos. Hoje sobrou 14 e fiz 1200 pontos. Daqui a pouco estou fera! rs

  4. Alguem saberia me dizer "quantos dias de corrida" o Enduro tinha? Lembrava que ia até o 5º, mas ja me disseram que passa dos 12 dias.

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