O 3DO foi um console peculiar: caro, poucos jogos que prestassem e vida curta, ainda amargou o rótulo de "videogame de rico". Os pobres meninos ricos que apostaram nele gastaram num dos grandes fiascos da década pra ter pouco mais do que 16-bit ordinários entregavam. Só não foram tão sofredores quanto os donos de Atari Jaguar.
Mas foi de um hit do Mega Drive que os pobres meninos ganhariam uma versão para enfim, compensar ter saqueado os bolsos dos pais pra comprar aquilo. Road Rash, clássico da barbárie sobre duas rodas, que dava show de diversão aos fãs da Sega, desembarcou no 32-bit e foi tranquilo um dos mais divertidos já feitos.
É um dos poucos games indispensáveis do 3DO. Acha que nada presta antes dos 3D e Jailbreak, do PlayStation? Então dê uma chance a esse aqui.
História?
Road Rash dispensa, mas se você insiste: seu personagem é um arruaceiro motorizado, que com amiguinhos de gangue, participa de um campeonato (ilegal, lógico) de corridas de motos em estradas e ruas dos Estados Unidos. A disputa tem regras "flexíveis", o que significa que você pode badernar, brigar e bater nos competidores e quem mais atrapalhar sua vitória, como policiais e pedestres.
Sim, ocasionalmente você faz vítimas pelo caminho, como jogadores de tênis, executivos, vovozinhas com andadores e skatistas incautos. Tudo para ganhar a grana das premiações, comprar mais motos, zoar seus rivais, ganhar mais corridas, grana, zoeira...
![Road Rash 3DO Road Rash 3DO](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2015/03/Road-Rash-3DO-2.webp)
A versão 3DO veio em 1994, quando a série estava no segundo episódio para Mega Drive. Mesmo assim, foi chamada só "Road Rash", o que a coloca fora da sequência, como um remake do primeiro (lembrando que mais tarde, aí sim viria Road Rash 3, também no Mega Drive).
Trouxe muita coisa nova além de melhorias gráficas e sonoras, como a possibilidade de escolher o personagem. É o modo Big Game: selecione um dos 8 "lutadores", sendo três mulheres, todos dementes (leia a descrição no perfil de cada um pra ver do que estou falando). Eles têm motos e alguns até armas próprias, como correntes e porretes.
Frequente o Der Panzer Klub, onde ficam outros motoqueiros. Lá você confere o calendário de corridas (Bulletin Board) e até bate papo com os colegas, em Schmooze. Alguns dão dicas sobre circuitos, outros te ameaçam e falam asneiras aleatórias. No Restroom estão opções como salvar, carregar saves e usar o Jukebox pra ouvir a ótima trilha sonora de rock alternativo: tem Paw, Soundgarden, Swervedriver, Monster Magnet, Therapy?...
Ganha-se dinheiro e qualificação numa pista terminando a corrida entre os três primeiros. A vitória e eventos como largada, prisão e destruição da moto, são acompanhados por um full motion video engraçadinho. São bacanas e a qualidade, embora não muito alta, é superior àquelas janelas e granulações detestáveis da versão Sega CD.
Veja o gameplay com abertura, level 1 completo e alguns vídeos:
Com a grana das corridas você compra novas motos nas categorias Rat, Sport e Super, até conseguir qualificação nas 5 pistas: The City, Sierra Nevada, The Peninsula, Napa Valley e Pacific Coast Highway; todas são cenários dos Estados Unidos, exatamente como o primeiro jogo do Mega Drive. Elas se repetem a cada novo nível mas em trechos mais longos, com mais trânsito e oponentes mais rápidos.
Agora se carreira pra você é muita papagaiada, vá de Thrash Mode: sem escolha de piloto, moto e demais amolações, é só acelerar e bater.
Gráficos
Road Rash é uma mescla de sprites digitalizados, polígonos simples nos cenários e FMV nas cutscenes. É óbvio que o gráfico evoluiu muito em relação ao Mega Drive, mas fica abaixo da média de colegas de geração do 3DO, como o PlayStation. Os motoqueiros são digitalizados, e quando se aproximam ficam pixelados, tal como os karts de Super Mario Kart.
Ainda assim é bom, com pistas cheias de detalhes como árvores, pneus, sinalizações, animais, carros, carroças, cones, postes... Tudo é interativo (leia-se: pode te derrubar). Vale até descer da moto pra dar uma caminhada e observar coisas que normalmente não se nota, porque passamos correndo: sinais de trânsito funcionais, a reação das pessoas e animais...
![Road Rash 3DO - detalhe Road Rash 3DO - detalhe](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2015/03/Road-Rash-3DO-6.webp)
Os backgrounds digitalizados de céus e montanhas são bacanas, apesar da baixa qualidade que me faz pensar como seria um remake HD. Certos objetos são polígonos com textura, a maioria simplíssimo, como as construções — parecem cubos com fotos de prédios coladas, não tem volume em detalhes como sacadas, portas, etc; outros são sprites animados, como pedestres.
A animação não é das melhores em certas partes, há pobreza de quadros nos motoqueiros, mas incrivelmente isso não compromete a fluidez de forma alguma. O movimento da pista é rápido e suave, dando uma sensação de velocidade impressionante que colabora demais na diversão.
Nos menus e apresentações, os personagens são caricatos, figuras exageradas e as cores também dão um tom cartunesco. Nada disso é aplicado ao gameplay e cenas intermediárias. Mas a integração dessas "caras" funciona.
Os FMVs não tem uma qualidade padrão Hollywood, mas são muito bons. Mostra grupos de motoqueiros comemorando, perseguições, policiais soltando cachorro em cima dos infelizes que caem perto deles e muito mais. Tem um clima divertido, como se tivessem sido gravadas meio na zoeira, os atores curtindo aquela bagunça e situações cômicas. Quase não há diálogo, só gritos, algazarra, "uhuls" e "yeahs", o que não aliena públicos de outros idiomas, boa sacada da EA.
Pode ser incômodo pra alguns o conteúdo, pois quase sempre tem uma loira cheia de agrados com o vencedor na premiação, ou se você controla uma pilota, verá que ela chega chegando nos caras. É light, eu diria, nada que crianças não vejam mais pesado nas novelas, mas tem potencial pra mimimi.
Legal também a presença "secreta" de vídeos da trilha sonora como protetores de tela: deixe o jogo parado um pouco nos menus e logo começa a rolar. Por falar em som...
Som
A trilha escolhida pela EA inclui grandes bandas de rock alternativo, licenciadas pela A&M Records. A principal é ninguém menos que Soundgarden, com 4 faixas, incluindo a da apresentação, mas também tem Swervedriver, Paw...
O soundtrack:
- Hammerbox - Trip
- Hammerbox - Simple Passing
- Monster Magnet - Dinosaur Vacume
- Paw - The Bridge
- Paw - Jessie
- Paw - Pansy
- Soundgarden - Rusty Cage
- Soundgarden - Outshined
- Soundgarden - Kickstand
- Soundgarden - Superunknown
- Swervedriver - Last Train to Satansville
- Swervedriver - Duel
- Therapy? - Teethgrinder
- Therapy? - Auto Surgery
Foi o bastante pra convencer muito moleque a pelo menos alugar pra ouvir. Uma pena, porém, que nada disso toque durante a corrida, substituídas por umas faixas genéricas e chatas de doer.
Efeitos sonoros são na medida: gritos, a sirene da polícia (acho que propositalmente escandalosa para enervar durante a perseguição), pneus cantando e motores estridentes das motos. Tratando-se de CD, acho que o som dos motores poderia ser melhor, assim como noto a falta de um grito feminino: as garotas gritam como homens.
Jogabilidade e controles
![Road Rash 3DO Level Road Rash 3DO Level](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2015/03/Road-Rash-3DO-8.webp)
Controles são ariscos, bem responsivos. Como deve saber, no 3DO não tinha analógico, então o jeito de pilotar é ir dando vários toques na direção para manobrar a moto; uma virada mais demorada vai te jogar fora da pista. RR passa longe de qualquer pretensão de ser simulador, então o controle é simples ao máximo; com só três botões principais (freio, acelerador e porrada), ficamos focados em apreciar os desafio da pista com carros vindo em nossa direção, motos da polícia, túneis e curvas fechadas.
Ele só perde um pouco na sensibilidade quando a velocidade é alta: faça uma curva brusca e a moto parece deslizar sobre gelo. Os botões L e R servem para inclinar o corpo para os lados, mas honestamente não me pareceu grande adição, dá pra jogar tranquilo sem sequer tocar neles.
A jogabilidade? Ganhe corridas, nem que pra isso precise derrubar todos no caminho. A diversão depende do que você gosta de fazer. Prefere correr como louco e terminar as corridas mais limpo que padre no domingo? Então desvie das brigas. Ou faz o tipo cachorro-louco, que aceita chegar em terceiro desde que distribua sopapos? Vencer é legal, mas ouvir o barulho da pancada no capacete alheio ou ver a moto dos policiais deslizando pelo asfalto é ainda melhor.
Já aviso que se ficar muito concentrado em briga, não vai ser fácil ganhar corridas. E se tiver o azar de cair quando a polícia estiver por perto, é cana: um mês no xilindró e perde todas as qualificações daquele nível. Pesado, então preocupe-se em ficar "com a borracha pra baixo" quando ouvir a sirene.
A partir do nível 3 as pistas complicam, mas como sua prática deve subir na mesma curva da dificuldade, a diversão não vira sofrimento. Ao contrário, você vai até pedir por mais brigas e polícia depois das primeiras partidas. Só não espere moleza nos níveis finais: é possível que só alcance a posição de qualificação depois de várias tentativas.
E lembre-se sempre de salvar e ter dinheiro em caixa, pois se for incompetente ao ponto de destruir a moto, tem que pagar o valor do reparo. Fora a fiança quando for preso.
![Road Rash 3DO BUSTED](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2015/03/Road-Rash-3DO-BUSTED.webp)
Cair da moto é razoavelmente difícil: se levar um encontrão de alguém e não estiver correndo demais, você só perde velocidade. Às vezes é meio grosseiro, a moto parece colada no chão, mas os tombos compensam com voos cinematográficos.
Defeitos? Faltou um modo multiplayer. Tela dividida ou com dois consoles, como no PlayStation, seria mítico. Podia ter também um retrovisor, é enervante ouvir o barulho da moto atrás de você e não saber pra qual lado chutar...
Conclusão
![Road Rash 3DO tombo Road Rash 3DO tombo](https://www.memoriabit.com.br/wp-content/uploads/2015/03/Road-Rash-3DO-24.webp)
Road Rash sempre foi sinônimo de diversão e essa versão não mudou nada. O velho emprego de violência "softcore" está lá: ao contrário do lamentável remake Road Redemption com armas de fogo e sangue voando, os caras se socam, derrubam, atropelam e são presos, mas no fim tiram sarro uns dos outros e vão para o bar sem um osso quebrado. Esse é o espírito de Road Rash (viu, DarkSeas?)
Aliás, foi a última versão com a cara original da série, já que as seguintes (tirando Game Boy Advance) migraram de vez para o 3D. Uma despedida mais que digna para o estilo clássico e principalmente, um bálsamo para os "infelizes" donos de 3DO. Se descolou um e está pensando em qual games investir, recomendo que vá atrás de Road Rash. Seria presença obrigatória na minha lista.
Pra fechar, o aviso da EA na introdução e manual:
"Esperamos que você ache Road Rash tão divertido quanto nós. Games são um ótimo jeito de realizar nossas fantasias num ambiente virtual em que ninguém se machuca. [...] No mundo real, se você correr da polícia, vai pra cadeia; se pilotar como louco e cair da moto, talvez não levante mais. Só existe um lugar pra correr: um circuito fechado. Só há um jeito de correr: no limite da sua habilidade e com todo o equipamento de segurança. Use a cabeça".