Análise Phantasy Star: grande história e qualidade técnica incomparável nos 8-bit

O título parece óbvio pra quem conhece o game. Não é questão de discussão, de amar ou odiar RPGs, amar ou odiar a Sega. É fato: nenhum outro título do Master System – arrisco dizer que de qualquer 8-bit – chegou perto da qualidade técnica de Phantasy Star.

Mais do que marca na memória de quem jogou, ele foi a introdução a esse estilo mal visto e falado por quem está de fora, e apreciado por quem está dentro. A biblioteca da Sega nunca foi rica em RPGs, e para corrigir a falha cobrada pelos fãs que ele veio, mostrando de forma conclusiva que o hardware do Master era mesmo superior ao NES. Pena que não teve apoio das softhouses, ou teríamos muita coisa boa no velho Mestre antes da chegada do Mega Drive.

Passei incontáveis horas da infância e pré-adolescência vasculhando labirintos encardidos do sistema Algol. Procurando bolos, caçando Medusas e lutando contra a tirania de Lassic. Em tempo acumulado, deve ser o que mais me ocupou junto com Street Fighter II, e também manteve próximo de amigos viciados como eu.

Mas não é pela lembrança nostálgica que digo que ele é O melhor. É mesmo. Se você discorda, é discordista.

Tela título Phantasy Star

Phantasy Star Wars

Mas vamos começar admitindo: a trama não é das mais originais. Olhando de perto, e nem de tão perto, tem elementos chupinhados ferozmente de Star Wars, com mudanças estratégicas aqui e ali. Anos depois, uma das mentes por trás dele, a designer Rieko Kodama, admitiu que a cria de George Lucas foi uma "grande inspiração".

Em vez do jovem Luke, temos a jovem Alis, que como aquele, também se insere na disputa após uma perda familiar. A diferença, mais que benéfica, é a mulher protagonista. E protagonista mesmo. Ao contrário de heroínas peculiares dos anos 80 e 90, de seios fartos balançantes ou dando flashes de calcinha, Alis não usa trajes escandalosos, nem tem movimentos "suspeitos". Ela é forte, determinada em sua vingança. Mas não perde a graciosidade de princesa guerreira destronada.

Como nos filmes, temos um sistema com planetas de clima bem definido: Palma, o planeta verde; Motavia, o desértico, e Dezoris, o glacial. São tantos pontos em comum Star Wars que chega a ser descarado. O mundo que mescla tecnologia com magia, monstros, viagens espaciais, androides...

Resumindo, é um prato cheio pra quem curte e não se importa com kibadas a inspiração.

Farmers de Phantasy Star e Jawas de Star Wars
Farmers de Phantasy Star e Jawas de Star Wars.
Soldado de Phantasy Star e Stormtroopers de Star Wars
Soldado de Phantasy Star e Stormtroopers de Star Wars.

Claro que tem pontos criativos e personalidade. O grande vilão não é o chefe de um clã de cavaleiros, mas sim o grande espírito maligno Dark Force (Dark Falz na versão brasileira), que domina o Rei Lassic e pega de "lambuja" o governador de Motavia. Bastante trabalho para o grupo de heróis. Ou melhor, você.

Enredo

Sistema Algol, século 342. O antes benevolente e já idoso Rei Lassic torna-se cruel e tirano do dia pra noite. Monstros aparecem pelos planetas, o caos toma conta das cidades. Desconfia-se que ele tenha feito algum pacto maligno pela imortalidade. Como a vida fica difícil para os cidadãos, surge o grupo de Nero. Eles passam a ser caçados pelos Robotcops do governo, máquinas de combate ao movimento.

Alis presencia a morte do irmão Nero pelas mãos desses soldados. Em seu último suspiro, o rebelde pede a ela para procurar um tal Odin, herói que pode ajudá-la a derrubar o rei.

Partindo da cidade hi-tech de Camineet, no planeta Palma, ela jura vingança, iniciando a grande jornada. Seu grupo segue o padrão dos bons RPGs japoneses, com caras equilibrados, magos, bárbaros, etc. Odin é o fortão que empunha machados; Noah é um feiticeiro meio arrogante e poderoso, mas fracote fisicamente; Myau é um gato de raça estranha que faz o tipo mascote, mas também luta e tem papel decisivo na parte final do jogo. Alis é a equilibrada.

Há um mundo complexo, detalhado por coisas como a questão política sobre cada cidade. Algumas, opositoras de Lassic, são desoladas e a população está abandonada à própria sorte; outras, ricas e bem sustentadas pelo déspota decrépito.

Com o desenvolver da partida, viajando com as naves dos espaçoportos, o grupo sai de Palma rumo a Motavia, e mais tarde chega a Dezoris, sempre aumentando a dificuldade com monstros e inimigos mais perigosos e resistentes.

Gráficos

A diferença é sensível se colocado lado a lado com outros games do Master. Sob comando de nomes como Yuji Naka (mais tarde apenas um dos criadores do Sonic) e Kodama, as ideias iniciais foram tomando forma. A meta era ousada: busca por gráficos 2D nos mapas e batalhas, e 3D em labirintos.

A ilusão conseguida nos labirintos é fantástica para um mero 8-bit. Eles são longos, com vários andares, alguns com buracos, escadas e portas secretas. Monstros aparecem aleatoriamente, interrompendo sua caminhada, e se fugir você recua alguns passos. A movimentação é fluida e natural, coisa fina demais.

Phantasy Star - dungeon
Aparência típica dos labirintos de Phantasy Star. Monstros interrompem sua caminhada enquanto procura por saídas e salas.

Baús espalhados pelo mundo, dentro dos labirintos ou coletados com monstros, podem ter armadilhas. As cenas de batalha são ricas, com movimento no cenário como ondas e borbulhas de lava. O revés está em apenas um inimigo aparecer, mesmo quando estão em bando, visíveis só pelo menu (mas aí já seria demais).

Perto do mar, o background da batalha muda para um cenário de praia, enquanto em campo aberto a cena é essa aí abaixo. Se estiver no meio de florestas, tudo fica envolto por árvores. Tipo de cuidado que nem Phantasy Star II do Mega Drive, entre outros RPGs, teve, com fundos genéricos para todos os ambientes.

Grupo de scorpions em Phantasy Star
Grupo de Scorpions em Phantasy Star: cenários belíssimos, mas mesmo em grupos, apenas um inimigo é exibido.

Os monstros são variados, criativos e bem desenhados. Há vários níveis de cada um, indicados por alterações na aparência (como cores) e local em que são encontrados. Os labirintos de Dezoris guardam dragões quase da altura da tela; chefes vão de tampinhas como Tajim ao gigantesco Dark Falz, incluindo o belo Dragão Dourado na chegada ao castelo voador. Toda a influência de mitologias está retratada nos inimigos: medusa, vampiros e múmias compõem o "cardápio".

De forma geral, o desenho de cenários e personagens está anos-luz à frente do que se esperaria num 8-bit, e mesmo à frente de vários games em 16-bits.

Som

Com seus 4MB (512 Kbytes), Phantasy Star tira vantagem do chip de som FM do Master System oriental, apreciável nos principais emuladores modernos. As músicas são marcantes quase na totalidade, variando da tensa trilha dos labirintos comuns ou especiais (onde eventos-chave se desenrolam), aos ritmos alegre de cidades e mapas. Como o aparelho ocidental — logo, também o da TecToy — não contou com o FM, perdemos a chance de nos acostumar com esse áudio fantástico. Mas o som "normal" não faz feio.

Efeitos são excelentes: quase impossível não lembrar da magia de vento de Noah, o ruído ao abrir baús (às vezes com uma explosão...) e portas, e o guincho da pistola laser devastando Sworms. O melhor de todos, ou o mais agradável, é o do ataque defendido: o inimigo investe com o golpe mais letal e vira só aquele sonzinho broxa. Obtenha bons itens de lacônia e se possível a armadura de diamante para ouvi-lo com frequência.

Jogabilidade

O sistema em turnos é tradicional da velha guarda de RPGs. Decide-se a ação do grupo por rodada, entre ataques com armas, magias, conversa ou fuga. É ótimo pra quem gosta, mas quem se criou sob sistemas mais modernos pode achar chato. Alguns inimigos topam um chat, como Farmers e alguns White Dragons; outros não querem papo e atacam em resposta. Se um dos personagens fugir, o bando todo escapa, recuando alguns passos se estiver em labirintos.

Aliás, os labirintos... São um show à parte, mudando drasticamente a jogabilidade da visão superior 2D dos mapas e cidades, para o falso 3D em primeira pessoa de túneis que trespassam todo aquele mundo. Nem se pode reclamar por serem feitos dos mesmos "tijolinhos"; exigir textura variada no modesto Master System seria cruel. Para não dizer que são iguais, variam em cor e ocasionalmente na música. Basta para a ambientação.

Em cada planeta encontram-se povos e monstros que aprofundam a história. Você pode conversar com quase todos os civis, inclusive evitar alguns combates só no papo. Pode procurar armadilhas e objetos, usar veículos como hovercrafts e escavadores de gelo, e viajar pelo espaço. A cada lugar, novas lojas com armas, escudos, alimentos, itens, pessoas. Sem esquecer de evoluir personagens subindo nível com XP obtidos em combate.

Old school

Definitivamente, Phantasy Star não é pra quem gosta de tudo mastigado ou direto ao ponto. Se não tiver os mapas, serão semanas, talvez meses até vencer os labirintos de andares sem saída e buracos que o farão se descabelar ao notar que rodou, rodou só pra voltar ao piso anterior. As informações estão dispersas, e só falando com os NPCs você recebe pistas (eu disse pistas, nem sempre informações precisas) do que fazer a seguir. Não tem mamata de fechar uma missão e já receber outra, se arrume sozinho. Eram mesmo outros tempos no game design.

Batalhas são épicas, principalmente estágios avançados quando seu grupo tem magias: os efeitos gráficos e sonoros são 10. Não vemos os heróis, só o rastro de suas espadas e magias. Um problema é que não dá pra escolher qual inimigo atacar num bando; decidimos as ações da rodada e torcemos para os melhores ataques caírem sobre o monstro certo.

Há espaço para 5 games na bateria interna do cartucho, e companheiros mortos são ressuscitados na igreja. Para recuperar energia, há hospitais e a casa da amiga Suelo em Camineet, que te deixa descansar e cuidar dos ferimentos. A comida se resume a colas e burgers.

phantasy star baú
Mensagem perigosa: apele às técnicas de desarmar armadilhas se seu grupo estiver quase batendo as botas.

Selecione bem os itens antes de torrar suas mesetas (o dinheiro de PS). Odin pode usar uma pistola laser que acerta todos os monstros num grupo, mas tira menos energia do que uma arma pesada. Há magias de ataque, cura e habilidades, como desarmar armadilhas em portas e baús — monstros são especialistas em deixar presentinhos como lanças e bombas.

Há poucas cenas intermediárias, mas estão em momentos cruciais, similares a da introdução quando Alis encontra o irmão moribundo. Você vai viajar muito: certas quests exigem buscar um item que está distante, e levá-lo de volta ao ponto inicial para obter um resultado. Fica um tanto repetitivo nesses pontos: falar com NPCs, atravessar mundos para falar com alguém ou matar um monstro, e aí todo o caminho de volta...

A tradução da Tectoy, num trabalho pioneiro e elogiável (fãs fluentes em japonês criticaram as adaptações), foi o empurrão que faltava pra muito moleque meter a cara nos tão famosos RPGs, até então distantes pela barreira do idioma. Quase 20 anos atrasado, deixo meus parabéns aos envolvidos.

A mítica propaganda de página dupla com Lassic, que circulou em revistas da época:

Phantasy Star em revista de games da época

Resumir Phantasy Star?

Tem muitos méritos, como...

  • entre os pioneiros ao colocar uma mulher como protagonista, sem apelação.
  • deu força ao Master System em plena dominação do NES.
  • traduzido para o português, colocou muitos jogadores no caminhos dos RPGs.
  • entra em qualquer lista séria de maiores jogos de todos os tempos.
  • abriu a franquia Phantasy Star, uma das mais lucrativas e famosas da Sega, continuando ou ganhando ports em consoles da empresa mais tarde.

A última das muitas vezes em que joguei Phantasy Star ficou lá na primeira metade dos anos 90. Apesar dos muitos jogos e tão pouco tempo (Phantasy Star III continua na fila Phantasy Star III estava na fila, leia aqui), talvez eu o revisite qualquer hora. É uma história que não envelhece, como o bom livro que você já leu, mas repete.

Se tiver tempo para conhecer — ou reconhecer — Phantasy Star, valerá cada minuto. Tanto pelo valor histórico, quanto pelo novo mundo que descortina.

Alis jura vingança contra Lassic
Alis jura vingança contra Lassic
Air Castle, onde o grupo enfrenta Lassic
Air Castle, onde o grupo enfrenta Lassic.
Lassic gif
"Querem mesmo matar um velho?" Então tomem RAIO!
Dark Falz de Phantasy Star
Dark Falz, o verdadeiro mal por trás de tudo em Phantasy Star.

Se quiser saber mais, confira:

  • Gazeta de Algol: em português, insuperável conteúdo sobre Phantasy Star. Parada obrigatória pra quem já conhece ou quer conhecer esse mundo. Tem mapas, história, fanfic, sprites e tudo que você imaginar e não imaginar. Sim, roubei peguei os sprites do Lassic aí em cima de lá.
  • PhantasyStar.net: tem tudo de Phantasy Star I. Mapas, trivia, scripts, etc. Em inglês.
Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

9 COMENTÁRIOS

  1. Esse jogo é fantástico em tudo, quem teve a oportunidade de jogá-lo em sua época, como eu, percebia nítidamente que era um jogo muito, muito, muito superior em todos os quesitos do que se estava acostumado no Master System.

  2. É ótimo pra quem gosta, mas quem se criou sob sistemas mais modernos pode achar chato.

    Opiniões de nutellas não conta.

    entre os pioneiros ao colocar uma mulher como protagonista, sem apelação.

    Pare de fazer média com feministas, elas nem jogam.

    (fãs fluentes em japonês criticaram as adaptações)

    E com razão pois os nomes e termos americanos são horríveis.

  3. Entendo que o o jogo é sensacional e pioneiro, mas quando zerei, fui na versão remake do PS2, que inclusive se acha traduzida pro PT-BR na net. A 2° versão só tem em ingles e resolvi encarar assim mesmo, mas no OPL do PS2, ela dá pau. Além disso, tô com preguiça de jogar no PC como fiz com a 1° versão...

  4. Sem dúvida um dos melhores jogos que já joguei. Joguei ele novamente do ano passado pra cá, vem numa coletânea pra PS3 de jogos da Sega, Sonic's Ultimate Genesis Collection. Impressionante para aquela época, tem uma história foda e uma trilha sonora muito boa, especialmente a dungeon de Baya Malay.

    Não sei o que seria de mim, naquela época pré-internet, sem o Guia Games com os mapas 🙂

    • As músicas são demais mesmo. Considerando que era só um Master System, eram sensacionais.

      Usei muito na época um especial da revista Videogame que também tinha os mapas. Sem eles teria levado vários meses pra terminar (se terminasse... tenho sérias dúvidas).

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