Análise: Pokémon Red / Blue seguem relevantes após 20 anos

Lá nos idos dos anos 60 e 70, o pequeno Satoshi Tajiri tinha como hobbie capturar e colecionar insetos. Nessa época, o Japão passava por grande expansão urbana e alto desenvolvimento tecnológico. Satoshi percebeu que os insetos se tornavam mais e mais raros, e acabou por abandonar a brincadeira. Mas foi justamente esse hobbie perdido que inspirou o desenvolvimento daquela que seria uma das franquias mais icônicas da história dos videogames.

Cidade de Pewter: o primeiro dos oito ginásios

A premissa de Pokémon é bem simples: um garoto sai de casa para se tornar o melhor treinador do mundo. Para isso, ele deve montar a sua equipe de monstrinhos, lutar em oito ginásios para conseguir insígnias. Essas são a prova de que aquele ginásio reconhece a habilidade do treinador.

Em seguida, o jogador deve derrotar os quatro treinadores mais fortes daquela região, a Elite Four. E então vem o desafio final: enfrentar o atual campeão, para decidir quem é o treinador mais habilidoso.

Diferente, pero no mucho...

Pokémon utiliza mecânicas bem similares aos J-RPGs tradicionais, como Final Fantasy e Dragon Quest. Na forma de um avatar, o jogador explora o mundo, coleta itens e enfrenta oponentes para acumular dinheiro e experiência. Podemos comparar os ginásios às dungeons, enquanto os líderes funcionam como chefes. O líder é o treinador mais forte de cada ginásio, e alguns ginásios tem puzzles.

Apesar de dar uma certa sensação de liberdade ao jogador, os jogos da série seguem tramas bastante lineares. Tão lineares que, às vezes, acabam deixando o jogador restrito a algumas áreas até avançar na história.

Olha que Pokémon mais bonitinho usando o HM03

Cada insígnia de ginásio permite que o treinador utilize um determinado HM - habilidades especiais que os Pokémon podem aprender e que ajudam na navegação pelo mapa - e só é possível acessar algumas localidades através da utilização de HMs. Por exemplo, para ir até a Ilha Cinnabar, é necessário o HM Surf. Com esse move, o Pokémon pode "navegar", acessando áreas pela água. Porém, o HM Surf só pode ser utilizado no mapa depois de bater o ginásio de Fuchsia. Ou seja: o jogador precisa cumprir um passo antes de prosseguir.

... mas ainda assim, diferente

Normalmente, os J-RPGs apresentam o avatar, a imagem do jogador ao andar pelo mundo. Entrando em combate, a tela de jogo muda e o avatar se torna a equipe que acompanha o personagem principal. Tanto em um encontro aleatório quanto em uma luta com "chefe", o processo é o mesmo. Aqui, sai o grupo de aventureiros que lutam em equipe, entram os Pokémon, em confrontos 1 contra 1. Os confrontos são em sistema de turnos, e a ordem dos turnos é determinada pelos atributos dos Pokémon (ataque, defesa, especial e velocidade). Mesmo entre Pokémon da mesma espécie, cada bichinho possui atributos diferentes. E cada Pokémon pode contar com até quatro moves (um equivalente a "magias") ao mesmo tempo.

Os atributos de cada Pokémon

No geral, os moves são aprendidos conforme o Pokémon avança de nível. Contudo, alguns moves podem ser ensinados através de TMs (limitados a apenas uma utilização) e HMs (uso ilimitado). Caso os quatro slots de moves já estejam ocupados, e o Pokémon precise aprender uma quinta, o jogo pergunta se o treinador deseja que o Pokémon esqueça algum dos moves, e caso queira, qual seria. Moves esquecidos não podem ser recuperados.

Alguns moves afetam os atributos, e alguns simplesmente ignoram (ou quase) os atributos, e funcionam de maneira única. Por exemplo, o move Horn Drill possui 30% de chance de acerto, mas falha automaticamente se a speed do oponente é maior que a sua. Contudo, caso o ataque acerte, o oponente é nocauteado, não importa o quanto ele ainda tenha de hp. Mecânicas simples o bastante para um jogador casual, mas complexas o bastante para um jogador hardcore.

Jo-ken-Pokémon

Além dos moves, cada Pokémon possui um ou dois tipos, que podemos considerar como os elementos dos RPGs clássicos. Os moves também possuem tipos, e cada tipo tem suas vantagens e desvantagens, no estilo jo-ken-po. Para ilustrar: um Pokémon do tipo voador sofre o dobro de dano caso receba ataques dos tipos gelo, pedra e elétrico, e não pode ser atingido por moves do tipo terra; contudo, ataques do tipo voador causam o dobro de dano em Pokémon dos tipos planta, inseto e lutador. Nada exatamente novo, exceto que existem quinze tipos diferentes de Pokémon e moves.

Uma mecânica interessante dos moves é que eles não são restritos aos tipos de Pokémon. É possível que um Nidoking (venenoso / terra) tenha os quatro moves, mas não tenha nenhum do tipo venenoso ou terra. Mas se o Pokémon tem o mesmo tipo do move que ele utilizou (Nidoking usando um move tipo terra), o dano causado recebe um bônus. Isso permite grupos bastante versáteis, capazes de cobrir todas as forças e fraquezas dos Pokémon.

No mais, o enredo dos jogos é o mesmo. A única diferença entre os jogos é que existem alguns Pokémon que não estão disponíveis em ambas as versões. Mas isso é papo para os próximos tópicos.

Temos que pegar todos eles...

Uma das coisas mais insuportáveis dos J-RPGs são os encontros aleatórios. Em Pokémon, esses encontros podem ter três desfechos: você pode fugir, um dos Pokémon pode ser nocauteado, ou o Pokémon selvagem pode ser capturado. Para capturar Pokémon, o jogador utiliza as pokeballs e suas variações. Existem quatro tipo de pokeballs, e cada uma tem uma taxa de captura própria, influenciando na mecânica de captura. Ao pegar um bichinho novo, ele é automaticamente registrado na PokeDex. Ela é uma enciclopédia portátil, com informações biológicas e de comportamento de cada uma das criaturinhas. Essa nova interação com os encontros aleatórios faz com que o processo de grinding seja bem menos sofrível. O processo adiciona um propósito para batalhar, além de farmar dinheiro e XP ao buscar batalhas.

Mas, mesmo que você explore cada um dos cantinhos do mapa da região Kanto, você não vai ser capaz de completar a PokeDex. Isso acontece por uma razão muito simples:  existe diferença nos monstrinhos disponíveis em cada versão. Acha Growlithe e Mankey legais? Então saiba que eles são exclusivos da versão Red. Se você estiver jogando a versão Blue, você não vai encontrá-los. Isso popularizou uma nova mecânica, que acabou tendo influência em diversas outras franquias: o sistema de trocas. Afinal de contas, só é possível completar a PokeDex se você tiver dois amigos com uma versão diferente do game, e que esteja disposto a trocar os bichinhos com você.

Sim, parece estranho dizer "dois amigos". Mas é importante lembrar que não é possível encontrar os Pokémon iniciais em nenhum lugar do mapa.

...mas assim, todos MESMO?

Quer ver essa conversa no seu jogo? Tenha amigos dispostos a trocar Pokémon

O mote principal da série é "gotta catch’em all" (tem que pegar todos, em tradução livre). Mas pegar TODOS os Pokémon acaba sendo uma missão secundária, já que é possível terminar o game sem completar a PokeDex. Inclusive, você pode completar o game capturando o mínimo o possível de Pokémon. Jogadores que buscam um desafio maior utilizam as regras do desafio Nuzlocke, que impõe várias limitações no volume de capturas de Pokémon, e na utilização de alguns recursos, como "reviver" um Pokémon desmaiado. E, sim, é possível terminar o game nessas condições.

Mas então, por que pegar todos e completar a PokeDex é tão secundário, e relativamente desnecessário para completar o jogo? Bem, respondo com duas perguntas. Primeiro: você efetivamente conhece outras pessoas que jogam Pokémon no GameBoy? Segundo: você estaria REALMENTE disposto a mandar o seu Charizard bonitão e fortão pro seu amigo completar a PokeDex?

É bonitinho, vai...

Sprites dos Pokémon nas versões Red e Blue

Uma coisa surpreendente sobre Pokémon Red/Blue é que, mesmo após mais de 20 anos do lançamento, os jogos originais ainda são bem agradáveis visualmente. Até vai ter um ou outro bichinho que parece que saiu da deep web (um abraço, Blastoise e Golbat!). Mas convenhamos: com os recursos do Game Boy, o visual de Pokémon é bastante limpo. As estruturas são bem desenhadas, os bichinhos são bem feitos, e o mapa é bem construído. É bem fácil distinguir visualmente cada um dos elementos apresentados na tela. E mesmo com as limitações do portátil, é um jogo bem bonito.

A versão original foi desenvolvida para o Game Boy monocromático. Contudo, tanto o Super Game Boy quanto o Game Boy Color são capazes de adicionar uma paleta de cores ao jogo. O curioso é que, ainda que o hardware do Super Nintendo seja razoavelmente mais potente que o do GBC, a coloração aplicada pelo portátil é bastante superior à aplicada pelo SGB.

A parte sonora também é bastante competente. Cada localidade tem um tema próprio e alguns efeitos sonoros (como o som das Pokeballs sendo arremessadas) são tão competentes que foram mantidos praticamente inalterados até mesmo nas versões mais atuais da série.

Mas o grande destaque fica para os sons emitidos pelos Pokémon (o "Pokémon cry"). Cada Pokémon tem um cry diferente, e inclusive é possível diferenciar os Pokémon pelos cries emitidos. O que é fantástico é que os cries dos Pokémon da primeira geração são os mesmos até nos jogos das gerações mais recentes. O único Pokémon que, nos games recentes, tem um cry diferente é o Pikachu, alterado provavelmente em decorrência da popularidade da série animada. (Pra quem nunca teve paciência ou curiosidade: na série animada, o Pikachu se comunica por variações de "pika-pika-chu", enquanto o Bulbasaur se comunica por variações de "bulba-bulba-saur", e por aí vai…)

Sucesso gigantesco

Se por um lado a mecânica de trocas pode ser um fator limitante, por outro lado não seria possível implementar essa mecânica em nenhuma outra plataforma da época. O Game Boy era um hardware bastante acessível, e por ser portátil, permitia que as trocas - e batalhas - pudessem feitas em qualquer lugar.

E foi justamente essa possibilidade que fez com que Pokémon se tornasse uma febre quase que instantaneamente. Além do enredo relativamente simples e acessível, as mecânicas de multiplayer foram muito elogiadas pela crítica da época. Para se ter uma ideia, o game foi tão bem sucedido que foi o jogo mais vendido em 1997, superando nomes de peso como Mario Kart 64, Final Fantasy VII e Final Fantasy Tactics mesmo um ano após o seu lançamento.

O sucesso foi tão absurdo que uma série animada foi produzida, e após a animação, a alta popularidade de Pokémon cresceu ainda mais. O sucesso que a série foi no Japão se estendeu exponencialmente ao redor do mundo. Os jogos foram lançados nos EUA apenas em 1998, dois anos depois do lançamento no mercado japonês, mas embarcando no sucesso do anime.

Pokémon Yelow

E justamente embasado pelo sucesso do anime, a Game Freak desenvolveu Pokémon Yellow. O jogo é essencialmente igual a Red/Blue. Como foi lançado para o Game Boy Color, é redundante dizer que o game é mais colorido. Contudo, vale a menção de que os sprites dos bichinhos ganharam um tapa, e ficaram um pouco melhores.

Pokémon Yellow: a primeira geração inspirada pelo anime.

As diferenças mais marcantes vem diretamente do anime: ao invés de escolher entre Bulbasaur, Charmander e Squirtle, você recebe um Pikachu (e seu rival um Eevee); esse Pikachu se recusa a ficar na Pokeball, e não aceita pedras de evolução; em alguns momentos, o jogador enfrenta os Rockets Jessie e James, que possuem um Ekans, um Koffing e um Meowth (e da mesma forma que na animação, Ekans e Koffing evoluem em algum ponto do jogo). Além disso, é possível checar o nível de amizade entre o Pikachu e o treinador, em um sistema que foi evoluído bastante a partir da segunda geração.

Veredito

A primeira geração de Pokémon abriu muitas portas para o mercado de games portáteis. São jogos com elementos acessíveis para jogadores casuais, mas também traz elementos try-hard para jogadores mais dedicados. Mesmo não tendo uma trama brilhante, os games são bons o bastante para fazer você jogá-los pelo menos três vezes, escolhendo cada um dos starters uma vez. E mesmo depois de mais de 20 anos, os jogos ainda tem seu valor.

Rodrigo Yung
Rodrigo Yung
Petropolitano, jornalista / professor de inglês e mestre Pokémon wannabe há 20 anos. Se pudesse, injetava café na veia. Sem açúcar, por favor.

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