Análise: brincando de ser Deus em ActRaiser, um bom início para o SNES

Em 1990 o Super Famicom engatinhava, iniciando sua jornada que culminaria num dos videogames mais icônicos da história; foi logo nesses primeiros meses que surgiram alguns de seus grandes clássicos, como Super Mario World e F-Zero. Entre esses, uma bela criação publicada pela Enix e desenvolvida pela Quintet — estreia da companhia encabeçada por Tomoyoshi Miyazaki e Masaya Hashimoto, dois caras por trás da mítica série Ys.

Para abusar um pouco do potencial da nova máquina, nada como um game cheio de recursos técnicos, excelente jogabilidade com mistura de gêneros, enredo polêmico (religião) e trilha sonora imponente. Assim surgiu o ótimo ActRaiser.

E era começo de geração, os desenvolvedores ainda mal conheciam o hardware...

Deus, ou "The Master"

Você será um tipo de deus, conhecido como "The Master" (O Mestre), que depois de perder uma grande batalha contra o mal (na figura de um tal Tanzra), é obrigado a cair em séculos de sono para recuperar-se dos ferimentos. Nesse período, Tanzra divide a terra em seis partes e entrega cada uma a um de seus tenentes-demônios — que como demônios clássicos, detonam tudo e transformam a vida dos humanos num inferno.

Quando O Mestre enfim desperta do soninho, descobre o que rolou: a terra estava devastada, e pra piorar, ele havia perdido seus poderes devido à falta de fé dos terráqueos. Tem então que derrotar os maléficos para reconquistar a fidelidade do povo e assim ganhar mais poderes, para combater mais maléficos, para ganhar mais fiéis, etc...

Como não tem poderes, o Mestre não vai ficar no alto de numa nuvem mandando raios vendo a diabada queimar, numa boa: vai assumir o papel de guerreiro, descendo de sua morada (um palácio celeste móvel) ao solo, armado com uma baita espada para dar cabo da demoniada e limpar as cidades. Conforme avançar no trabalho de "purificação", elas se tornarão outra vez habitáveis.

Pessoas selam as tocas de inimigos em ActRaiser
Pessoas selam as tocas de inimigos; se não fizer isso, a diabada vai continuar saindo e detonando seu trabalho.

A cada lugar purificado o jogo muda para um tipo de simulação de mundo, com o mapa onde você usará o "anjinho" (que ajuda o recém-desperto Mestre com dicas e informações) para guiar habitantes das novas cidades pela terra, indicando lugares pra que se fixem e comecem a construir. Apesar da cara de anjinho barroco bobalhão, ele usa flechas contra inimigos, além de poderes divinos para fazer milagres.

Os humanos são totalmente perdidos e precisam da ajuda do Mestre para quase tudo, desde indicar melhores terrenos para construção (Mestre-corretor), até apagar incêndios (Mestre-bombeiro) e protegê-los de inimigos (Mestre-guardião), já que aparecem monstros aos bandos para detonar as cidades e matá-los.

Você, como deus, precisa de uma santa paciência para proteger a humanidade das hordas que surgem o tempo todo para atazanar. Elas saem de "tocas" nas proximidades (marcadas por um círculo no chão), e é preciso selar esses buracos — isso é feito mandando que humanos construam parte da cidade em cima dos buracos. Enquanto não forem selados, as cidades não terão paz, com demônios pentelhos que sequestram pessoas, queimam e mandam raios sobre as construções, entre outras peripécias.

As cidades, assim como o personagem, precisam se desenvolver, e só subindo níveis o Mestre estará apto a combater demônios em outras localidades e assim limpar a terra para novos assentamentos humanos. Humanos, que como na vida real, também fazem pedidos e orações, que você acompanha por uma das opções do menu (Let us listen). Às vezes também fazem oferendas (como ao selar um buraco e encontrar algum objeto) e contam sobre presságios e sonhos, que são dicas do que fazer para seguir no game.

Orações em ActRaiser: povo fala coisas que serão úteis para o Master
Orações em ActRaiser: povo fala coisas que serão úteis para o Master.

Ao matar demônios, você aumenta os SP, com os quais estará apto a realizar "milagres" como chuvas, terremotos e raios. Os fenômenos podem matar inimigos ou alterar a paisagem; por exemplo, para aumentar a área onde humanos construirão cidades, mande raios sobre as florestas próximas (Mestre anti-ecológico) para derrubá-las. Então é só usar seu poder para indicar ao povo um novo ponto de expansão da cidade.

Religião = polêmica

Embora seja mais que óbvia a alegoria religiosa com a presença de um Deus onipotente (ou quase, já que vai recuperando o poder aos poucos), demônios, anjos, uma morada celeste, etc, a Nintendo tinha severa restrição quanto ao uso desses temas. De acordo com o manual japonês de ActRaiser 2, o protagonista chamava-se mesmo God (Deus) e o antagonista era Satan.

Então, para seguir essas normas de "neutralidade" da casa, os nomes foram mudados para The Master e Tanzra. Claro que todo o resto não foi alterado, e como para bom entendedor meia palavra basta, cada um que absorva o conteúdo como quiser e a Big N lava suas mãos.

Mistura de estilos

Fase de ação completa em ActRaiser
Fase de ação completa. Às vezes você tem que descer do céu e resolver tudo no braço.

ActRaiser tem elementos de RPG e simulação, como status do personagem e das cidades, uso de itens, "mágicas" (no caso, milagres) e equipamentos, mas tem fases em clássica ação com plataformas, que requer estratégia principalmente para derrotar os chefes, que são enormes e com barras de energia que parecem sem fim.

O som foi um dos destaques, no primeiro trabalho de Yuzo Koshiro no SNES (mais reconhecido pelas brilhantes trilhas em games da Sega, como Streets of Rage e The Revenge of Shinobi). Os efeitos são eficientes e claros, como os sons da espada e dos disparos, e as faixas fazem ótima reprodução de instrumentos, como um órgão bem peculiar de música sacra, mas em ritmo animado, na pilha da ação. No mapa elas são mais suaves, um estilo medieval que o ambiente sugere.

Efeitos inovadores dos 16-bit, como zoom e rotação simultâneos na tela do mapa e na abertura, são um toque a mais. Os gráficos em geral são bonitos, especialmente considerando que foi um dos títulos iniciais do console (lançado nos primeiros 6 meses).

Os controles são suaves e precisos, rápidos — nem tente usar a desculpa de "o controle falhou" se fizer bobagem.

Nas partes de simulação, o anjinho com flechas será sua arma.
Nas partes de simulação, o anjinho com flechas será sua arma.

Conclusão

Com o som de um dos caras mais respeitados da indústria, uma mistura eficiente de estilos num jogo agradável e bem-feito, ActRaiser é mais que recomendado para diversão em qualquer época. Sem falar de seu valor histórico, o testemunho da promessa que o SNES era no raiar dos anos 90.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

5 COMENTÁRIOS

  1. A capa e logo do game parece com aquelas capas de power metal tipo gamma ray e tal, muito linda a Arte em si!!!! lembro de ter visto fotos desse game acredito que na revista Videogame!!!! Tem bons gráficos, bem atrativo visualmente e de boa jogabilidade. É um game bastante inteligente e de grande intelecto existente ali. Recomendo para todos!!!! bons tempos de antigamente!!! belo texto!!! Fui

  2. ActRaiser é bacana e desafiador. Gosto de sua trilha sonora é épica e de sua temática bem diferente, com aquela ''pitada'' de RPG e administração. Mais um excelente clássico para o saudoso Super Nintendo! Época de ouro!

  3. Bem legais as matérias do site. No caso dessa sobre Actraiser, só acho que o game merecia notas um pouco mais altas nos ítens que se referem a gráficos e som, até porque mesmo tendo sido um dos primeiros jogos para o sistema, não foram poucos os jogos que vieram depois e perdiam pra ele nesses quesitos.

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