Hideo Kojima é um game designer, roteirista, diretor e produtor japonês. Trabalhando em vários jogos, com destaque para a série Metal Gear, se tornou ícone da indústria. É reconhecido como um dos poucos auteurs*.
Passou a maior parte da carreira na Konami, onde chegou a ser vice-presidente, antes de desligar-se e comandar de forma independente a Kojima Productions, em 2015. Além de Metal Gear, é creditado em títulos como Policenauts, Snatcher, Boktai: The Sun Is In Your Hands, Zone of the Enders e Castlevania: Lords of Shadow.
Infância e juventude
Nascido no bairro Setagaya, em Tóquio, Kojima mudou-se aos 3 anos com a família para Shirasaki, região costeira de Wakayama. Ali apreciaram a vida próxima ao mar, mas logo tiveram que se mudar para Kawanishi. Seu pai, Kingo Kojima, foi um farmacêutico cuja maior decepção foi não ter servido ao país. Testemunha dos bombardeios ao Japão durante a Segunda Guerra Mundial, Kingo tinha 15 anos quando o conflito terminou, e sentiu que o momento de servir havia passado¹.
Caçula de três irmãos, sempre teve imaginação fértil:
Eu estava o tempo todo imaginando histórias sobre as coisas ao meu redor. As pessoas me viam rindo ou chorando para objetos aleatórios e não entendiam porquê.
Mesmo adulto, a distração com mundos de fantasia é recorrente, às vezes até perigosa. Por ficar "viajando", já entrou com o carro em canais na beira da estrada e até no portão fechado de casa².
Kingo era grande apreciador das artes, como literatura, escultura e principalmente cinema; Kojima assistia muitos filmes na TV com os pais. Fãs de terror, cultura ocidental e europeia, não só permitiam, como faziam questão — e até o forçavam — a assistir de tudo.
"Não me deixavam ir pra cama até o filme acabar, ao contrário do que acontece normalmente. Não me mostravam só filmes de criança. Podia ver até as cenas de sexo". Em outra vez, Kojima contou que "...me faziam assistir TV porque não tinham tempo pra mim. Eu assistia de tudo obsessivamente: entretenimento, culinária, natureza e vida selvagem, anime — o tema não importava".
Após os 10 anos, foi encorajado a assistir filmes sozinho: recebia dinheiro para ir ao cinema, e mais tarde discutiam o que havia escolhido. Entre muitos sonhos infantis, gostaria de ser um artista, ilustrador:
Fui desaconselhado por um parente [um tio] que era artista. Ele tinha problemas financeiros, e aquilo me desencorajou. A crença comum no Japão, na época, era que escolas de arte e educação adequada levavam a empregos sólidos e bem remunerados. Era o ideal japonês: um regime com consequências para todos que tentavam não seguir o padrão.
Aos 13, Kojima perdeu o pai. Com a mãe trabalhando fora, cresceu um tanto solitário, encontrando a casa vazia ao voltar da escola. "Há no Japão os chamados kagiko, chaves de casa colocadas num cordão em seu pescoço. Eu usava, já que não havia ninguém em casa quando eu saía da escola. Era difícil, chegava primeiro e tinha que passar o tempo sozinho. O que odiava; a casa era silenciosa e vazia".
Apaixonado pelo cinema, brincava fazendo filmagens em 8mm com amigos, filmes toscos sobre zumbis e monstros. Chegaram até a cobrar ingressos simbólicos de outras crianças, mas a "bilheteria" não dava para o que queria: comprar filmes. "Eu achava que seria como Sylvester Stallone com 'Rocky'. Escreveria algo excelente e transformaria num filme por conta própria".30
O desejo de estudar cinema parou na falta de oportunidade:
Queria desesperadamente fazer filmes profissionalmente. Mas era muito difícil, não havia escolas de cinema próximas de onde vivia. Além disso, orçamentos para filmes japoneses na época eram muito baixos. Acho que não conseguiria fazer filmes do tipo que tinha interesse. Foi mais ou menos assim que acabei nos games, acho.
Canalizou então a criatividade para textos. "O que fiz para realizar o que tinha na mente foi escrever histórias, mas era frustrante porque eu queria fazer as coisas visualmente"33. Sonhava publicá-las em revistas, livros ou de preferência, que virassem filmes. "Meus sonho de ser diretor de cinema ou escritor de romances entrou em conflito com aquelas regras tácitas da sociedade", disse sobre a cobrança japonesa por estabilidade. "Isto fez a vida difícil pra mim, e me sentir sozinho e rejeitado".
Continuou escrevendo como hobby e enviando textos para editoras. Sempre recusados. "Eles queriam histórias de até 100 páginas, mas as minhas costumavam ter 400". Seus amigos não tinham as mesmas ambições; para eles, os filmes eram uma brincadeira.
Sem incentivo, Kojima seguiu a vida, indo para a faculdade de Economia.
Início na Konami
No quarto ano de faculdade, o Famicom virou sua cabeça. Xevious e Super Mario Bros.33 o fizeram decidir trabalhar com videogames. Amigos tentaram dissuadi-lo; mercado era novo e incerto. Era um plano B ou até C de carreira, mas Kojima se encantou pelas possibilidades. "Era muito diferente dos filmes: interativo, e você precisa entender as pessoas de um jeito diferente. Logo me apaixonei pela arte de fazer games".
A Konami pareceu a melhor opção, pois estava na bolsa de valores. Todos o achavam louco.
Lembro muito bem. Todo mundo dizia "Não faça isso, não faça isso". Pouco depois de começar na Konami, fui a um casamento onde me pediram para fazer o discurso de celebração. No Japão, o orador é apresentado a todos, e o mestre de cerimônias disse ao público: "Este é Hideo Kojima, um homem de grande talento, que o está jogando fora na Konami". Também encontrei um amigo, ex-colega de faculdade, no trem, e ele simplesmente perguntou "Por quê?" enquanto apertava minha mão.
Não havia qualquer status; sequer havia um termo para a função. Kojima mentia em eventos sociais, dizendo trabalhar numa empresa financeira. "As pessoas mudaram de opinião desde então. Hoje me saúdam com grande admiração. Mas acho que minha mãe nunca contou a ninguém que trabalho na indústria de videogame". Mesmo assim, entre todas as críticas, ela foi a voz dissonante. "Só minha mãe disse que eu poderia fazer qualquer coisa que quisesse na vida. Ela foi a única".
As opiniões não o fizeram recuar, e de certa forma, o incentivaram. Kojima quis provar que estavam errados. "Desde o começo, acreditei que estava criando arte. Pensei que games poderiam ser algo importante no futuro. Sentia que o mundo esperava para ver o que videogames poderiam se tornar".
Na Konami, encontrou gente parecida com ele. Eram músicos, cineastas, ilustradores apostando numa mídia nova. "Alguns estiveram em bandas e tinham lançado um disco, mas não vendido tão bem. Outros, artistas que lutavam para ter suas séries de mangá. A indústria era cheia de 'desistentes', pessoas que sentiam que games estavam oferendo outra chance. Encontrei muitos nessa situação; nos unimos através daquele sentimento".
Sua primeira função foi de assistente em Penguin Adventure³, sequência de Antarctic Adventure, que fez certo sucesso no MSX.
Metal Gear
O primeiro título próprio foi — ou seria — Lost Warld, jogo de plataforma protagonizado por uma mulher mascarada. "O título é world mas com war, um cruzamento entre 'guerra' e 'mundo'. Era um game de ação tipo Mario, com uma história", explicou Kojima³. Mas acabou interrompido pelos superiores após seis meses de andamento, e jamais lançado. "Foi um golpe duro para todos nós da equipe. Eu não conseguia acreditar".
Kojima mergulhou no trabalho com disposição quase maníaca, apresentando muitas ideias. Mal parava para ir ao banheiro, do início da manhã até tarde da noite.
Meus colegas se preocupavam com minha rotina obsessiva, mas nunca liguei. Após uma jornada podia me sentir esgotado, mas à noite sonhava com o projeto, e com isso tinha novas ideias. No dia seguinte, estava cheio de novas visões poderosas. Enfim um dos chefes veio até mim e disse 'Ok, Kojima, vá com calma. Temos um novo projeto para você'.
A Konami queria um jogo sobre guerra. Kojima se inspirou em Fugindo do Inferno, de John Sturges — recheado de clássicas cenas de fuga de Steve McQueen. Mas numa nova abordagem4: em vez de enfrentar inimigos, o jogador lidaria furtivamente com eles. Se capturado, seria preso de novo — um jogo sem combate. Caberia perfeitamente no MSX, que sofria para lidar com múltiplos sprites.
Tal jogabilidade não existia. Para prosseguir, ele teria que convencer toda a equipe, sendo o mais jovem e sem nenhum projeto ainda aprovado. Foram meses até conseguir uma reunião com um dos superiores.
Ele escutou minhas frustrações e abordou um dos chefes da empresa, que deve ter visto algo em mim, já que me convidou a mostrar minhas ideias para Metal Gear na frente de todos. Todos na equipe viram que a ideia era revolucionária, acho, e dali em diante, tive o apoio deles.
Mais desenvolvido, resultaria em Metal Gear, obra definitiva no gênero stealth.
Afastado da versão de Metal Gear para o Famicom, Kojima mal soube do desenvolvimento. Só ouvia rumores, pois não tinha influência sobre outros departamentos. Sem ele, foi também produzido Snake's Revenge, sequência para o game do NES que a própria equipe não considerava canônica. Não fosse um encontro casual, e Kojima talvez nem trabalhasse na série de novo.
Um dia encontrei alguém no trem que estava no time do Famicom. Ele havia trabalhado comigo e agora estava na sequência [Snake's Revenge]. Ele disse 'Não acho que seja uma sequência de verdade, você devia fazer uma verdadeira sequência'. Então em meu caminho de volta pra casa, comecei a pensar como ela seria. Sem aquele encontro, provavelmente eu não teria buscado uma sequência apropriada, e nem tivesse existido um Metal Gear Solid.
Kojima reprovou a versão de Metal Gear para o Famicom, por não estar de acordo com seus padrões, notando diferenças cruciais em relação ao MSX2. "O cuidado que coloquei no original não estava lá. É um game mais difícil. Bem no começo, quando você entra na fortaleza, por exemplo, há cães. No Famicom, eles simplesmente vão atrás de você e te matam. Era muito difícil entrar na fortaleza. A diversão do elemento stealth não está lá, e o verdadeiro Metal Gear, o robô, não aparece no jogo".
Em 2011, foi mais direto e não perdoou os designers, classificando a versão como "lamentável"34:
Não tive absolutamente nenhuma participação na versão NES. É um título lamentável, desenvolvido de forma barata e simples por um time pequeno em Tóquio. Isso foi durante a bolha econômica, quando qualquer coisa lançada vendia. Topei com o game numa liquidação e tentei jogar, mas o game design é bem ruim. Há algum gameplay que inclui se infiltrar numa base, que não existe no original. Porém, nem eu, que desenvolvi o game original, consegui me infiltrar na base uma vez que fosse.
Além disso, sendo Metal Gear, é óbvio que o Metal Gear deveria aparecer no final. Mas, pelo que ouvi, devido à dificuldades técnicas em exibir o sprite na tela, trocaram Metal Gear por um monitor gigante. Aquilo me fez ver que, seja quem for que criou o game, não teve um mínimo de consideração com os jogadores. Contudo, mesmo que tenha sido uma abominação, aconteceu durante a bolha econômica e assim vendeu milhões no exterior. Aquele título só serviu para sujar minha reputação.
Mais games e sucesso mundial
Na sequência, mais influência de cinema em Snatcher, cyberpunk com elementos de Exterminador do Futuro e Blade Runner, trama forte e conteúdo adulto.
Kojima voltaria a Metal Gear com a parte 2 "de verdade": Solid Snake, um dos últimos da Konami para o MSX2. Em Policenauts (1994), outra aventura de ficção, com toques de film-noir, agora para o NEC PC-9821. Seria depois supervisor nos ports para o 3DO e PlayStation.
Produziu ainda a versão de Snatcher para o PC Engine CD, mas não se envolveu com outras como Sega CD e PlayStation. A versão Sega CD derivou do PC Engine, com melhorias e adaptações para mercados americano e europeu. O script foi traduzido para inglês pelo freelancer Scott T. Hards, sob supervisão de Jeremy Blaustein34, então funcionário da Konami do Japão. Mais tarde, Blaustein faria a tradução de Metal Gear Solid.
Até então, sua área de abrangência era o Japão. O próprio Blaustein lembra que "[...] até Metal Gear Solid, Hideo Kojima não era conhecido por ninguém. É difícil de acreditar agora, mas ele era só outro diretor de games entre tantos. Mesmo na Konami, ele era bem menor"36. A aclamação mundial veio em 1998. Elevado a um cargo de gerência, Kojima teve mais liberdade ao produzir Metal Gear Solid, do PlayStation. Com orçamento maior, aproximou talentos como o artista Yoji Shinkawa — segundo o próprio Kojima, fundamental na definição do estilo da franquia. "Shinkawa nasceu para ser artista de videogame", disse sobre o ilustrador.
MGS foi amplamente considerado obra de arte, como no review da GameSpot5 e no Japan Media Arts, recebendo o prêmio por Excelência em Arte Interativa. Kojima alcançou súbito status de celebridade do meio.
Acho que a primeira vez em que o sucesso do game chegou a mim foi quando estive em Londres, em 1999. Visitamos a Forbidden Planet para promovê-lo; entrei e os vendedores sabiam quem eu era. Eu não acreditava. Foi o momento mais surpreendente da minha vida.
Por outro lado, a única pessoa que sempre o apoiou, não entendia o que ele estava alcançando. "Mais ou menos naquele tempo, soube que minha mãe havia parado de falar aos amigos o que eu fazia para viver. Ela deu apoio incrível desde o começo, mas depois de uma década ou mais, filhos de amigos tinham empregos em grandes companhias. Acho que ela se sentia um pouco estranha sobre o que eu fazia".
No PlayStation 2, Kojima produziu um dos jogos mais aguardados de todos os tempos. A sequência de Metal Gear, Sons of Liberty, veio com alta qualidade e temas filosofais como memes, censura, manipulação, parricídio, falhas da democracia e a própria realidade.
Mais de 7 milhões de cópias vendidas. Kojima aparece na revista Newsweek entre as "10 Pessoas Mais Influentes". Ninguém tinha motivo para se envergonhar:2
Depois disso, minha mãe começou a contar aos amigos o que eu fazia. Foi doce. Na época ela tinha 70 anos, mas decidiu que jogaria meus games. Ela levou um ano para completar Metal Gear Solid 3. Amigos a ajudavam. Quando matou The End [o sniper], ela me ligou e disse 'Está terminado'.
No mesmo período, produziu o inovador Boktai: The Sun Is In Your Hand. O cartucho teve um sensor fotométrico, para detectar luz solar e assim carregar uma arma do jogo, a "Gun Del Sol". Se o sensor não detecta luz solar, a arma fica descarregada e o jogador deve passar as fases evitando inimigos — o conceito de stealth de novo. Muito tempo sob luz solar faz a arma superaquecer, tornando-se inutilizável por certo tempo. O game usou também um sistema de relógio (fuso horário inserido pelo jogador) para simular a posição do sol.
Ao longo da década de 2000, Kojima continuou produzindo e/ou supervisionando a série Metal Gear. Produziu também Boktai 2: Solar Boy Django, com uso enriquecido do sensor de luz solar, como gerar dinheiro do jogo, SOLL, através de energia obtida em estações solares.
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Página 2: Konami Productions, saída da Konami, renascimento da Konami Productions.
Página 3: estilo e influência, polêmicas, legado e reconhecimento, trabalhos e frases.