Análise: Life is Strange Remastered é um convite a ficar com o original

Muita gente abomina remasterizações e não à toa. A proposta dos remasters é nobre: atualizar um jogo antigo para novos públicos e ao mesmo tempo, agradar quem já era fã.

Tudo é festa até alguém fazer algo que acrescenta pouco, não tem potencial para atrair mais gente – exceto por ser lançamento – e ainda vem com preço de jogo novo. Infelizmente, é o caso de Life is Strange Remastered, que acabou de sair pela Square Enix com produção da Deck Nine (R$ 199 via Steam no pacote Remastered Collection).

O pacote inclui os cinco episódios iniciais da franquia e também a expansão Before the Storm. E foi com entusiasmo que me lancei neles.

Acredite, eu seria uma pessoa suspeita para falar de Life is Strange. Desde que tive o primeiro contato (muito tardio), foi conexão imediata, tanto por gostar da proposta de narrativas centradas na realidade quanto pela atmosfera que a série cria, aquela mistura peculiar de trilha sonora indie e dramas juvenis. Não sou adolescente há muito tempo, mas gosto.

Mesmo depois da Dontnod perder o controle criativo para a Deck Nine, estes conseguiram manter a personalidade da série – embora meu favorito siga sendo o primeiro.

life is strange remastered inicio
De volta à escola, mas nem tudo é como você lembra e muito menos como esperava.

Talvez por essa preferência, lamento dizer que a versão Remastered não alcança as metas. Conforme jogava e via personagens com aquelas caras... diferentes, às vezes beirando o irreconhecível, mais foi caindo a ficha de que remasterizá-lo talvez nunca tenha sido uma boa ideia, pra começo de conversa.

Ou não como fizeram, pelo menos.

Mesmo lugar

Não há o que falar sobre o jogo e a história em si. Nada mudou e se quiser saber mais, recomendo que leia a análise do original.

Pra resumir sem spoilers: você joga como uma moça de 18 anos chamada Max Caulfied. Tímida aspirante à fotógrafa, ela voltou à fictícia Arcadia Bay, no Oregon, onde passara a infância ao lado da amiga inseparável Chloe Price. Max tem uma visão com a cidade devastada por um tornado colossal e em seguida, descobre ser capaz de reverter o tempo. Juntas, usam o poder para investigar o desaparecimento de uma popular estudante chamada Rachel Amber, desvendando intrigas de uma poderosa família da região, os Prescott.

Foi bem resumido. É uma história envolvente, cheia de mistério, personagens de caráter complexo e reviravoltas. Começa interessante, tem drama pesado no segundo, melhora no terceiro episódio e termina de um jeito que você mal imagina. Recomendo que não procure spoilers se não jogou. Seria um desperdício.

life is strange remastered cena linha do trem
Relação entre Chloe Price e Max Caufield é cheia de dramas, mistério e decisões difíceis para o jogador.

Deve-se levar em conta que é uma trama adolescente, para adolescentes ou adultos que não tenham barreira mental de idade. Se você é chato pra ca*alho maduro demais pra isso, passe longe, vá jogar God of War. Também não chega a ser uma obra-prima literária. Tem clichés como vilões que contam todos os planos pouco antes de se ferrar, nerd obeso, cheerleader grávida e inspetor linha-dura. Alguns diálogos são até bobinhos.

O mérito de LiS é emocional, ao entregar uma bela história de amizade, com dramas como abandono, depressão, separação, morte, suicídio e sexualidade – ou algo mais que amizade, se você direcionar a história assim. Tudo regado por toques de misticismo, religião, mistério e suspense.

Há poucas novidades. Foram alteradas algumas cenas, texturas, detalhes menores como um close no rosto zangado da patricinha Victoria (na cena em que bloqueia a entrada do dormitório), etc. Alguns efeitos visuais, como lágrimas, são mais pronunciados – não necessariamente bons, mas pronunciados.

Nenhuma das adições muda tanto LiS para melhor ou pior – o que é algo a se questionar num remaster. Veio pra quê, então?

life is strange remastered reuniao blackwell
Luzes, contraste e saturação foram alterados na versão Remastered. Nem sempre funciona.

A mecânica de jogo é a mesma, baseada em observar pontos de interesse e ativá-los para ver diálogos e reflexões de Max. Mesmo nos defeitos continua tudo igual, como o movimento duro de Max e ocasionais dificuldades em ativar os spots. Nada que prejudique a narrativa, ainda bem.

Mas os meus cabelos...

Havia um comercial nos anos 80 em que a modelo dizia "Você se lembra da minha voz? Continua a mesma, mas os meus cabelos..." É parecido com o Remastered, só que o cabelo e o resto ficou esbagaçado em vez de melhorar. Na verdade, o cabelo é o menor dos problemas...

Muito do "segredo" do LiS original era a estilização gráfica. Aquela mistura de pintura com iluminação suave, personagens minimalistas com flashes estranhos e aberrações cromáticas. As expressões meio duras, mas inconfundíveis de cada figura. O remaster tenta até certo ponto manter fidelidade aos visuais, mas "ajustando" luzes, sombras e contrastes.

life is strange remastered chloe
Chloe em Life is Strange Remastered. Esses dentinhos serrilhados e amarelados aparecem em todos os personagens.

É onde começa o caos. De modo geral, o novo contraste é exagerado e quebra bastante a atmosfera típica. Certas cenas são terrivelmente escuras, outras claras demais, outras tem partes iluminadas estourando na escuridão. Às vezes, personagens parecem ter iluminação incompatível com o cenário, como no primeiro diálogo entre Max e o diretor Wells.

A Deck Nine se gaba de "novos modelos de personagem prontos para 4K e com aumento na contagem de polígonos", mas não parece. Há serrilhamento na maioria das cenas, especialmente nos personagens, mesmo na configuração gráfica mais alta. Alguns NPCs são assustadores quando aparecem. Feios mesmo.

É verdade que ambientes melhoraram em determinados pontos. Há reflexos e luzes volumétricas mais perceptíveis e transparências mais nítidas. As luzes da festa, por exemplo, são mais interessantes. E a sequência final da praia, antes do pesadelo, ficou legal com o contraste e mais movimento em cabelos, com nova física. Foi a cena que mais me agradou no jogo todo.

E minhas expressões...

Mas são visíveis também glitches como olhos com brilho diferente um do outro (quando deveriam ser iguais), brilhantes demais ou luzes que pipocam do nada.

life is strange remastered chloe e max praia tempestade
Algumas cenas muito específicas foram favorecidas pelos reajustes do Remastered, mas são poucas.

Em combinação com as novas expressões faciais, varia do tolerável ao terror. Não dá pra perdoar – é terrível como certas expressões não dão liga e levam personagens queridos do público a outro lugar, e um lugar ruim. Não ficou bom, com exceções.

O mais estranho é que, como veteranos sabem, o original foi criticado pela sincronia labial. Os personagens foram retrabalhados; bocas se abrem mais, coisa que os modelos antigos não foram desenhados para fazer. Por isso, tiveram que refazer dentes, agora mais visíveis em todo mundo.

Mas não são lá muito naturais: amarelados e com design parecido, parece que enfiaram uma dentadura em todo mundo. Lembra a boca de um pacu, já viu? Jogue no Google pra ver se estou mentindo. Foram raras as ocasiões em que um personagem mostrou os dentes e não tive uma sensação desagradável, uncanny valley total.

Também vi a sincronia labial falhar ao menos em uma cena, quando a Max da realidade alternativa conversa no quarto com Joyce – a mãe de Chloe parecia estar ruminando.

Bugs

Outro ponto negativo são os vários bugs e glitches. Vão desde a mensagem "Não é possível voltar no tempo além deste ponto" presa na tela até eu reiniciar, passando por ícones que aparecem como um quadrado sólido e sombras que aparecem e somem de repente.

Vi coisas mais sérias, como parte da textura de Max que sumiu enquanto usava a roupa de Rachel no episódio 3. No pesadelo, ela ficou presa entre alguns carros e não se movia mais; tive que reiniciar o capítulo.

E as texturas, luzes e expressões estranhas, já falei delas?

life is strange remastered contraste e iluminação
Texturas e contrastes estranhos, brilhos bizarros em escleras e... esses dentinhos de pacu. Life is Strange Remastered tem muito o que ser questionado.

Também há cenas fora de foco, como durante o possível salto de Kate. Várias vezes ela aparece na tela desfocada; aconteceu em outros pontos. No restaurante, um NPC entra na frente da câmera durante uma cena e bloqueia quase toda a visão, photobomb total.

A legenda em português também esteve problemática, sendo exibidos templates como "Act_B3_E5_Garden_Swing_Zen_Max_030" em vez do texto da cena. E não se limita aos gráficos. Há bugs com o áudio também. Ao carregar um jogo salvo, é possível que a música do menu continue tocando por algum tempo. O áudio espacial teve comportamento anormal em alguns pontos.

Igualmente desagradável é ignorar características marcantes do original, como remover os créditos com o tema de Max e Chloe após cada capítulo e o "Anteriormente, em Life is Strange" no início de cada. Destruiu a sensação da divisão por capítulos e a cara de seriado. Muito seco para um produto que aposta na nostalgia dos fãs.

life is strange erro camera
Além da irregularidade na iluminação, há câmeras muito próximas em diálogos e pequenos flashes antes das transições aqui e acolá. Essa cena não teve qualquer ajuste.

Ao menos no PC, o jogo rodou sem problemas em 60 fps, mas alguns donos de PlayStation 5 tem reclamado pela limitação em 30 fps. Como disse, cenas específicas parecem ter recebido atenção especial, como o reencontro de Max e Chloe no carro, o primeiro diálogo no quarto e a tempestade final.

Mas na média, os "ajustes" não cumprem a missão e provavelmente vão dividir a fanbase entre realistas (que perceberão tudo isso) e apaixonados (que farão declarações de amor incondicionais, apesar das falhas).

Fique onde estava

Com certo desapontamento, não posso recomendar Life is Strange Remastered, exceto se recebê-lo de graça ou tiver uma curiosidade muito grande – e dinheiro sobrando. Se vai jogar pela primeira vez e puder escolher, pegue o original sem pensar duas vezes, até pela diferença de preço. Não estará perdendo nada.

life is strange remastered max e chloe carro
Remasterização até tem seus (poucos) bons momentos, mas não tenha dúvida: fique com o original.

Ao contrário, verá o que a Dontnod tinha em mente ao soltar essa pérola de narrativa adolescente e simplicidade, um trabalho de bom gosto em 2015 que foi desnecessariamente "ajustado" em 2022.

Bom gosto, lamento dizer, falta por toda a extensão do trabalho. As poucas melhorias não valem o preço e sinceramente, mal fazem sentido. A escuridão cheia de rostos contorcidos dessa "remasterização" é quase uma ofensa ao que parecia um sonho suave e juvenil. É uma pena, porque a história continua ótima e merecia sorte melhor.

Claro que seria  um trabalho colossal – como criar um novo jogo, exceto por já ter roteiro, personagens, vozes, etc – mas no mundo ideal, LiS ganharia um remake usando motor e modelos similares aos de True Colors. Enquanto o dia não chega, fique com o original.

Life is Strange Remastered foi analisado na versão PC, mas também está disponível para PlayStation 4 e 5, Xbox One e Xbox Series X|S.
Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

3 COMENTÁRIOS

  1. no final aonde a chloe morre na versão remasterizada da pra ver a max chorando e não rindo como na versão original quando a borboleta pousa no caixão da chloe e a luz do sol parece estar mais forte na versão original na cena aonde a max esta dentro do ônibus olhando as baleias da pra ver mais expressão no rosto da max e até nos olhos da max eu vi lagrimas até pela luz do sol que parece mais vivida no rosto da max isso na versão original coisa que na versão remasterizada eu não vi não tinha luz não tinha uma expressão condizente com a cena como mostrada no original nesta cena impressionante

  2. Jogo fraco até no original, só filminho. E seus reviews estão sempre atrasados, só publica depois que todo mundo já escreveu? Aí nem adianta kkk

    • Gosto é gosto, né? Tem gente que gosta de história. Final Fantasy VII era três CDs cheio de filminho e pouca gente reclamava.

      E publico análise quando e se possível. Não recebo jogo grátis das publicadoras pra postar análise antecipada ou em dia de lançamento, mesmo que peça. Só quando compro ou ganho o jogo e mesmo assim, leva alguns dias até eu terminá-lo (não gosto de postar análise de jogo incompleto).

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