Análise Jingi Storm – The Arcade: com trama bizarra, não acrescenta nada ao estilo

Desde sempre, certos games japoneses são censurados — ou como preferem as publicadoras, adaptados — no Ocidente. De Kojima e suas moças que odeiam roupas, à Capcom com punk que vira trans porque bater em mulher é inaceitável, passando por Pokémon e Final Fantasy. Tudo é capaz de melindrar a América, então tome censura correção.

Cadáveres e diálogos hardcore dão lugar a opções "familiares". Cigarros desaparecem. Bebida vira refrigerante. Sangue vira suor. É chato, mas comercialmente compreensível: para vender, empresas não podem chocar o consumidor médio; precisam atender à cada mercado e seu perfil.

Pegue um Jingi Storm - The Arcade, por exemplo. Desenvolvido pela Yuki/Atrativa e lançado setembro de 2006, foi um dos obscuros (pra nós, pelo menos) títulos sobre a plataforma NAOMI, da Sega. Pra quem não lembra, NAOMI era, por assim dizer, a versão arcade do Dreamcast, com upgrades como mais memória.

Fighting game despretensioso, com influência óbvia de antepassados como Virtua Fighter e Tekken, passaria despercebido, exceto por uma característica curiosa.

Algo que jamais funcionaria fora do Japão — e por ter surgido muito tarde, acabou não funcionando lá também.

Enredo

Não há manuais à disposição e o pouco material está em japonês. Num deles, um informativo pré-lançamento, consta o seguinte:

Uma tempestade varre um mundo sem honra ou humanidade. Lute com os homens e tire a roupa das mulheres! Fora das regras, um arcade com stripping vai estrear!

A treta é num mundo distópico, numa sociedade estranha e sem regras. Ou melhor: a regra é homens lutando e mulheres tirando a roupa.

Mas como veremos adiante, o jogo passou por mudanças após a fase de testes, então não tenho ideia do enredo exato da versão final. As cutscenes não ajudam, com frases genéricas tipo "vou te arrebentar", etc. Não dá pra sacar muito qual é a história contada.

Jogabilidade

Jingi Storm é mais um entre tantos filhotes do que começou em Virtua Fighter quase 15 anos antes.

São três botões de ação: defesa, soco e chute. Além de movimentos esperados como sequências e acertos no chão, há golpes especiais como em fightings 2D. Magias, uppercuts, chutes com cambalhota e rasteiras deslizantes estão no pacote. O pessoal dos Streets e KOFs da vida ficarão confortáveis.

Há um movimento quebra-defesa, que pode ser usado tanto para emendar golpes quanto partir para o corpo a corpo. Também é possível aplicar agarrões seguidos por chaves, pilões e arremessos. Se os jogadores tentam se agarrar simultaneamente, o golpe falha. Senão, a câmera muda, mostrando o movimento em detalhe.

Pensou em parry, tipo Street Fighter 3? A defesa pode ser só apertando o botão, ou com botão mais direcional para trás ou para frente. E com S+C na hora certa, acerta-se um difícil contragolpe, fora vários comandos especiais e combinações de botão. Parece que quiserem enfiar um pouco de tudo em JS; parte funciona, parte beira o inútil. Até um sistema básico de combos está lá.

A movimentação é fácil e os controles razoáveis — especiais não entram com a facilidade de games mais famosos. As partidas são rápidas; valoriza-se velocidade, usando como placar o tempo de partida. Jogando contra a IA, fique atento porque varia da total inércia à sequências impiedosas, sem aviso prévio. Você avança várias lutas só apertando soco, mas de repente, um estalo na programação e o inimigo vai pra cima. É fácil virar um "momento espanca-botão", e pior: às vezes funciona melhor que tentar encaixar golpes bonitinhos.

A parceira do derrotado Chad se exibe ao vencedor, elogiando-o por ser o mais forte.

Não há uma curva de dificuldade, e você deve chegar ao penúltimo chefe quase sem notar diferença. Em Jiao a coisa pode esquentar um pouco, mas o desafio está longe de ser absurdo. É light, perfeito para casuais e bisonhamente fácil para um arcade.

Só Xell, o chefe final, é que apela bastante, sendo um dos mais agressivos que já vi. Animalesco mesmo, nível Goro mais selvagem. Veja aos 8:45 do vídeo acima.

Tirem as crianças da sala

O grande diferencial não está na jogabilidade ou gráficos. JS teria potencial elevadíssimo em fazer barulho no Ocidente, se lançado hoje. Ainda na fase de testes, ele foi anunciado pela produtora com o subtítulo "Bata o homem para despir a mulher".

Em vez de um lutador em alguma jornada de autoconhecimento, ou contra um inimigo público, você escolhe uma dupla. Cada um dos nove personagens tem uma parceira; são colegas de trabalho, filha, esposa, etc.

Mas não pense em King of Fighters, com duplas colaborativas, personagens entram e saem da luta, etc. Nada disso. O único propósito das moças é dar um showzinho para o vencedor.

É como se eles estivessem apostando as parceiras na batalha. Se você ganhar, a parceira do derrotado aparece numa pose vulnerável falando alguma abobrinha. A maioria está deitada, algumas com o traseiro meio empinado como a enfermeira Rukmini, e Fenrir até com o peitinho fugindo da roupa (coberto com a mão).

Elas têm um diálogo curto, variando de lamentos pela derrota, até elogios ao vencedor. Reika, por exemplo, diz algo como "Você é forte, quer ficar comigo? Vamos curtir o momento juntos". Christi não perdoa o parceiro Chad: "Você foi ótimo. Homem que fala demais não é homem, e sim o mais forte". Outras parecem assustadas e envergonhadas pelo resultado. Machi, parceira de Giichi, diz "Não me olhe tanto, fico com vergonha". A filha do mafioso Paolo diz "Hã... Papai perdeu? Não acredito nisso. Papai é tão forte".

Mas como lançam uma coisa dessas em pleno 2006, numa das plataformas top de arcade? O jogo nunca saiu do Japão, e você sabe que por lá a objetificação de personagens é mais ou menos aceita, ou até nem considerada. Por bizarro que pareça, é cultural.

E pelo projeto original, seria mais explícito: na fase de testes públicos, rolava nudez parcial. Eram quatro níveis de exposição, dependendo de quanto fácil fosse a vitória. Não vou publicar as cenas, mas se tiver curiosidade, confira imagens aqui, e um vídeo no YouTube. Note que algumas artes ficaram no produto final, redesenhados com roupas. Numa das cenas deletadas, Jiao aparece com várias garotas de calcinha.

Como arcades no Japão já não permitiam conteúdo adulto (nem os tradicionais mahjongs sensuais, onipresentes antes), a Atrativa teve que recuar. Então, não chega ao ponto de nudez ou strip-tease, mas mulheres não servem para nada além de pagar o débito do perdedor.

Aliás, servem: há dois subchefes antes do chefão final, o monstruoso Xell. O primeiro é opcional, e você escolhe a adversária entre três moças. Fenrir é uma loira peituda de decote impossível, Asuka uma guerreira oriental, e Noel uma bonequinha esquisita. Elas são jogáveis com um comando secreto na tela-título.

Como sei que iam pedir:

  • Asuka: ⬆️⬇️⬅️➡️ e start.
  • Fenrir: aperte em sequêcia DDSSCCDSC e start (Defesa, Soco, Chute).
  • Noel: segure DS e ⬆️, e aperte start.

Gráficos e sons

Tecnicamente JS não é vergonhoso, só antiquado para 2006. Os cenários são razoáveis, sem muitos detalhes e com movimento discreto. Todos têm bastante profundidade, sem paredes ou limites, e quando a câmera gira, vemos tudo ao redor. Os pisos são simplificados, uma textura que não parece natural com as sombras projetadas dos lutadores.

Os personagens têm design digno, apesar de não muito criativo. Estão lá o fortão que agarra muito, a estrela oriental, o capoeirista... Alguns são mais exóticos, como um médico indiano (com a infalível amiguinha enfermeira de roupas curtíssimas) e um tipo inspirado nos nobres franceses do século XVII — Shuperi, figuraça que mistura luta e balé.

Um ilustrador foi responsável pelo design de cada:

Subchefes:

  • フェンリル (Fenrir) - por Miwa Shimamura
  • 武崎 飛鳥 (Asuka) - por Shirai Kageni
  • のえる (Noel) - por Tenjin Egusa

Considerando contemporâneos como Virtua Fighter 5 e KOF: Maximum Impact 2, os gráficos perdem feio — certa semelhança estética com o segundo, mas notavelmente inferior. Há bem menos polígonos e texturas são de menor qualidade. Remete a, no máximo, Soul Calibur 2, de 2002.

O que é natural, já que boa parte da estrutura é reaproveitada de Force Five, da Anchor. Seria um fighting game online no sistema Atomiswave, cancelado pouco antes do lançamento em 2004. Os cenários são os mesmos, e alguns lutadores mantiveram características.

Cena do cancelado Force Five

Os estilos ocidente/anime se misturam nas cenas intermediárias e na revelação das moças. É também o padrão das duplas: homens mais ocidentais, mulheres mais anime. Há cenários banais como o deserto e a construção, e mais elaborados como a estação de trem e a academia.

Há muitas vozes e gritos, além de choramingos das moças em japonês quando o lutador perde; meio perturbadores, na verdade. As músicas são variadas, com rock e tecno, faixas simples, nada que mereça destaque.

Conclusão

A tal Atrativa era uma produtora insignificante, próxima da Yuki Enterprise — o CEO de uma era diretor da outra. A Yuki produziu jogos maiores como Samurai Shodown V e Arcana Hearts, fighting com personagens femininos que saiu no PlayStation 2. No mesmo período, a Atrativa trabalhava em Jingi Storm. Teria a companhia maior passado a bomba para a menor?

Seja como for, nem no Dreamcast japonês o jogo apareceu. Se quiser experimentar, só por emulação, já que devem haver pouquíssimas máquinas fora da terra natal, se existirem. Não acredito que sua diversão dure mais que algumas partidas, apesar de um reconhecível esforço da Atrativa. A maioria dos movimentos não tem sentido e você vai se flagrar apertando botões igual pivete de fliperama quando a coisa ficar preta. E vai ganhar, ao menos até chegar em Xell.

Não por moralismo, mas o lance das parceiras é tosco. Queriam fazer um strip fighter? Então fizessem. Pra fazer "mais ou menos", seria melhor remover completamente o conceito e se preocupar com outros aspectos, como um enredo. Por um minuto, vamos aceitar a normalidade no Japão em usar figuras femininas daquela forma? Ainda assim, elas não acrescentam nada. São desenhos bobinhos, que não servem nem de recompensa visual para pré-adolescentes mais cheios de hormônio que frango de granja.

Se você gosta de jogos simples, com alguns minutos de porradaria sem ligar para gráficos, JS pode valer uma partida. Com disposição, duas. Mas não dura mais que isso. Donos de Dreamcast não perderam nada tão importante.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

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