Quando os videogames chegaram ao patamar dos 32-bit, um novo mundo foi descortinado. Os até então infalíveis gráficos bidimensionais foram deixados no glorioso e recente passado e a "quase realidade" do 3D virou padrão. Todo mundo só queria saber de polígonos, texture mapping, peitos quadrados de Lara Croft e zumbis de Resident Evil.
Sony e Sega deram bons presentes ao pessoal do volante, com Ridge Racer e Daytona USA. Games ótimos, mas quem curtia uma experiência mais intensa que o arcade pedia um simulador de direção. Só quem jogava nos computadores tinha vivência com isso e o grande salto de qualidade entre os 16 e 32-bit enfim permitiria algo similar nos consoles.
Desenvolvido pela Sony para sua máquina em 1997 (no ano seguinte a divisão criadora se estabeleceria como a Polyphony Digital), com design de Kazunori Yamauchi — o mesmo do racing caricato Motor Toon Grand Prix, também do PlayStation — Gran Turismo foi o resultado de anos de desenvolvimento, o típico exemplo de produto meticulosamente feito pra ser um marco, referência para o que viesse depois.
O esforço não foi em vão.
"The real driving simulator"
O subtítulo não deixa dúvidas: Gran Turismo é um simulador. Competindo contra adversários da IA, o objetivo é progredir nas corridas, conseguindo vitórias que vão abrindo novos modos de jogo e liberando acesso a mais carros. No total, são 21 pistas e 180 carros (alguns através de código) de fabricantes e modelos reais como Toyota Corolla, Mitsubishi Eclipse, Honda Civic e Subaru Legacy.
No modo Arcade, pode-se escolher à vontade entre os bólidos disponíveis e acelerar; se vencer, são desbloqueadas opções. Perfeito para quem não quer uma jogada prolongada, pensar muito e nem meter a mão na graxa. Mas se curte algo mais profundo, tente o Simulation: ali você vai sentir as dificuldades de um piloto, tendo que escolher carros com orçamentos apertados e decidindo onde correr por premiações melhores; essa grana pode ser usada para upgrades ou até carros novos.
Começando com uma merreca (dez mil), compre um modelo usado numa das fábricas do mapa e desenvolva lentamente sua carreira nos vários tipos de corrida. Melhores resultados trazem dinheiro, que trazem mais peças, carros novos...
Para disputar as provas do circuito pro, você precisa de licenças, obtidas provando sua habilidade na pista. Os testes passam por freio, curva e situações de corrida, com diferentes carros e potências de motor. Conseguir estacionar o veículo numa área delimitada a 1km de distância, por exemplo: tem que saber o ponto de frear — com os menos potentes dá pra atrasar ao máximo e frear "pra lá de deus me livre", como diria o Galvão Bueno, mas se tentar fazer isso com os cavalos, vai parar no mato.
A física e o realismo no acerto dos carros são grandes; o game tem um manual em dois volumes que apresentam, além de aspectos comuns do jogo, detalhadas lições sobre câmbio, relações de peso e tudo mais pra você bancar o mecânico profissional com seus carangos-cobaias.
No Machine Teste, você pode testar o desempenho de seu carro em vários critérios, como aceleração e velocidade máxima. Se manjar de mecânica, faça modificações em cambagem, suspensão e freios para ver se melhora o rendimento da máquina. É o seu laboratório.
Em Spot Race não é preciso qualquer tipo de licença; é o modo pra pegar prática no volante durante o Simulation. São cinco circuitos: High Speed Ring, Trial Mountain, Autumn Mini, Grand Valley (só o setor leste do circuito maior) e Deep Forest. No Time Trial, o objetivo é baixar seu tempo em cada pista. São onze, dividas em dois modos, num total de 22 desafios.
Mas o bicho pega mesmo em GT League, onde estão os campeonatos. Cada competição exige certa licença, então para participar da GT Cup, você precisa ter licença "A;" já em GT World Cup, "A International". O início é a Sunday Cup (seria a Copa do Domingueiros?).
Depois de conseguir troféus em todos os testes, você enfim terá licença da categoria e estará apto a disputar competições daquele nível. Isso não quer dizer que a diversão ali esteja acabada: quanto melhor seu desempenho, melhor será a graduação (ouro, prata ou bronze).
Tecnicamente...
O nível de detalhamento gráfico era assombroso para a época. Lembro que ao ver o game pela primeira vez rodando numa locadora aqui em São Paulo (a Pro Games, em Santana), o que mais me impressionou foi a bela introdução; o desenho das pistas, replays de corrida inteira com vários ângulos que podem ser gravados; tudo no capricho. Os carros detalhados, cheios de reflexos. Show mesmo.
A dificuldade de guiar é bem maior que em games "normais", o que pode afastar jogadores mais novos e casuais. Claro que tem a opção de câmbio automático para os casuais poderem brincar um pouco.
Isso não significa que ele seja um Flight Simulator da vida, não... Com alguns (vários, ok) minutos de prática dá pra ter noção da reação dos carros e entender a física pra não rodar direto, coisa que nem deve acontecer com carros menos potentes e com mais "grip". Mesmo quem nunca jogou e acha simuladores chatos, acaba gostando logo.
Esse deve ser o segredo do sucesso: não tem um aprendizado super-complexo (a não ser que você queira meter a cara na parte mecânica pra valer, aí tem MUITA coisa a testar e descobrir) nem é tão "fantasia" quanto arcades. A resposta dos controles é precisa demais pra deixar alguém desapontado.
Os carros não amassam, parecem um tanque quando batem? Quem liga com uma jogabilidade dessas?
Som
A trilha é uma coleção classe A de artistas diversos de rock e eletrônico. Entre as faixas estão um remix do Chemical Brothers na introdução (Everything Must Go, do Manic Street Preachers), Losing Control, da banda Ash e As Heaven is Wide, do Garbage. Foram escolhidas com maestria e a maioria se encaixa com perfeição no clima "corrida". Quem jogou GT nunca mais ouvirá essas músicas da mesma forma e qualquer uma trará lembranças imediatas de pistas, sons de motor... O soundtrack é sempre parte especial na série e fãs ficam na expectativa "o que será que vai tocar no próximo Gran Turismo?"
A versão japonesa teve músicas diferentes, que vão totalmente na contramão da prática ocidental de usar artistas renomados. A abertura, por exemplo, ficou a cargo de Masahiro Andoh, guitarrista experiente em games que também participou de Formula One Beyond the Limit, do Sega CD (quem jogou deve lembrar que tinha uma sonzeira de guitarra), e do RPG Arc the Lad, do próprio PlayStation.
Veja a lista do que toca em Gran Turismo:
- "As Heaven is Wide" (Garbage)
- "Autonomy" (Cubanate)
- "Everything Must Go" (Chemical Brothers Remix)
- "High" (TMF)
- "Industry" (Cubanate)
- "Lose Control" (Ash)
- "Oxyacetalene" (Cubanate)
- "Skeletal" (Cubanate)
- "Sweet 16"* (Feeder)
- "Tangerine"* (Feeder)
- "Chicken on a Bone" (Feeder)
* Obrigado SME por bloquear a exibição dos vídeos originais das faixas do Feeder no Brasil. Essas são as versões ao vivo, com som horrível.
O CD da trilha foi lançado em 1998 pela EMI, "The Sound of Gran Turismo", mas com muitas faixas diferentes.
Os efeitos sonoros são igualmente ótimos, com a falta (pro meu gosto) de algumas vozes; e o mais incrível é que não chegam a fazer grande falta. Já o sfx da largada é simplesmente clássico e os sons de motor beiram a perfeição, com a variação e fidelidade de acordo com cada carro.
O criador-piloto
Com o megassucesso da franquia, Yamauchi virou personalidade da indústria automotiva. A recriação de veículos de grandes montadoras dentro do game é usada como forma de reforçar as marcas entre o público jovem e sua participação nisso (participação é modo de falar, porque ele é a mente por trás da coisa toda) rendeu-lhe um belo presente: um Golf R32 dado pela Volkswagen.
Apaixonado por carros e automobilismo, Yamauchi também é piloto, tendo já disputado provas de turismo como as 24 Horas de Nürburgring, além de ter uma "pequena" coleção de máquinas que incluem 2 exemplares de seu modelo favorito: o Ford GT. Não daria pra esperar algo diferente vindo de alguém que conhece carros de verdade e sabe o que é realista incluir no game ou não.
Sua dedicação e a importância do trabalho podem ser melhor entendidos no documentário KAZ: Pushing the Virtual Divide, mais que recomendado. Ali ele fala também de como o MotorToon Gran Prix serviu de laboratório para Gran Turismo e como pilotos de carros reais são treinados jogando Gran Turismo.
As resenhas sobre GT foram generosas e o sucesso, fenomenal. Com quase 11 milhões de unidades (sem falar dos discos piratas que rodaram adoidado), ele é o mais vendido do PlayStation 1. Yamauchi disse que só uns 75% do poder do console foi explorado e que a IA, apesar de eficiente, foi o ponto que mais o desagradou. O trabalho foi intenso em busca da perfeição:
Ele nos consumiu 5 anos, um período que parecia que não acabar. Eu acordava trabalhando, dormia trabalhando; só sabia que era inverno se ficava frio (porque mal via a cara da rua). Acho que passei só uns 4 dias em casa por ano. Kazunori Yamauchi.
Clássico...
...é a melhor palavra para descrever de forma sintética esse que foi uma das maiores estreias de série, um jogo quase impecável que pode ser apreciado sem dó até hoje (a não ser que você seja representante da geração graphic fanboy).
Com jogabilidade na medida pra quem gosta de desafio, boa variedade de máquinas – ainda que nem chegue perto dos absurdos de hoje – e som que dita o ritmo das corridas, você tem que experimentar pra dizer que é alguém no mundo das corridas virtuais.
É um rito de passagem: ou você é piloto de Gran Turismo ou não é.
Positivo
- Variedade de opções
- Trilha sonora
Negativo
- -
joguei pouco o GT , mas o GRAN TURISMO 2 , ali sim , foi o marco pra eu gostar do gênero simulador , encher a lista com os carros.
Pra quem lembra era divertido jogar com os carros de mesma "classe" , pq depois que vc pegava O MONSTRO ( Suzuki Escudo Pikes Peak ) ou Kong ( Toyota GT-One ) o trem perdia a graça.
Joguei muito , foram jogos delicia demais tanto que ano passado eu gastei 700 pila só pra ter um PS1 Fat e conseguir 1 cópia Original *versão americana com o duplo CD do Gran turismo2
Na época, comprei um controle dual-shock do PS1 só para jogar este jogo. O analógico oferecia mais precisão na direção dos carros e as vibrações do controle simulavam os motores em alta velocidade, o atrito dos pneus com a pista e as pancadas dos esbarrões e batidas durante a corrida tornando a experiência ainda mais realista.
Quando colocado lado-a-lado com o Gran Turismo 2, os gráficos do 1 são melhores.
O 1 é um marco, o 2 é absoluto. Até hoje sinto falta de pistas como Roma (do GT2) e Taiti. Esse jogo e MGS eram as molas propulsoras que me levaram a compra p PSX, PS2, PS3 e PS4 (esse me fez até mesmo trocar a TV FHD e o FAT pro uma TV 4K e um PRO), nem acredito que irei comprar o PS5 sem um novo MGS. Tomara que o GT do PS4 seja melhor que o do PS4.
¨Com jogabilidade na medida pra quem gosta de desafio, boa variedade de máquinas — ainda que nem chegue perto dos absurdos de hoje — e som que dita o ritmo das corridas, você tem que experimentar pra dizer que é alguém no mundo das corridas virtuais.¨Clássico!!!! Bons tempos!!!!Sou fã da série Gran turismo, Ridge Racer!!!!
Boa jogabilidade, bons gráficos e boas músicas!!!! recomendo!!!!
Fantástico review!