Análise Samurai Shodown: ambientação refinada e lutas tensas em clássico da SNK

O ano era 1993. Enquanto a Capcom mantinha-se como a grande manipuladora de mentes e corações com a trupe de Ryu nos arcades, a SNK se mexeu não para criar uma cópia, mas um game com dinâmica e atmosfera totalmente diferentes, incrível jogabilidade, gráficos excelentes e som matador. Seria possível fazer algo assim e conquistar um pouco da atenção dos fãs de fighting?

A resposta veio com Samurai Shodown.

Desenvolvido pela Galapagos Team, Samurai Shodown é um jogo de luta mano-a-mano ambientado no Japão do século XVIII. Mais do que um pano de fundo diferenciado, apresentou novidades nos combates: em vez de porradas, hadoukens-cover e artes marciais de mão limpa, 12 lutadores armados com espadas, correntes, cimitarras, garras afiadas, shurikens e até animais como águia e cachorro.

Tudo isso leva a combates em que se faltar atenção por um instante, você é despedaçado. Mas aqui a violência é só mais um ingrediente numa produção refinada.

Samurai Shodown tela título

Inspirado em fatos quase reais

Durante o Xogunato Tokugawa, estranhos eventos começam a causar pânico entre a população, como constantes indícios de guerra, pragas e fenômenos de origem inexplicada. Tokisada Amakusa tira vantagem da situação, pregando uma nova religião com a qual teria sido ressuscitado depois de executado pelas forças do Xogunato — pelo qual nutre ódio e desejo de vingança.

Ligado às forças malignas, ele prega essa falsa religião usando o corpo do filho do ninja Hattori Hanzo, e quando a fama de seus feitos se espalham, guerreiros de toda a parte surgem para combatê-lo e devolver as coisas ao normal.

Amakusa jurando vingança contra o xogunato
Amakusa jurando vingança contra o Xogunato

Como em World Heroes, a trama é levemente baseada em fatos históricos, como o Xogunato Tokugawa. Personagens foram inspirados em pessoas reais, como Haohmaru, que tem pequenas semelhanças com Myamoto Musashi, um dos mais famosos samurais que viveu durante a época retratada no jogo; o ninja Hanzo aparece representando a si mesmo e Jubei remete ao samurai Yagyu Jubei Mitsuyoshi.

Com as boas licenças poéticas, claro.

Jogar Samurai Shodown pra quem se acostumou às facilidades de seis botões a la Street Fighter pode ser difícil no começo: um botão de ataque fraco (um para chute e outro para espada) e um médio, somando assim quatro botões. Com os ataques fracos a chance de acertar o inimigo é maior por ser um golpe rápido, mas não causa muito dano. Se apertar os dois botões juntos, desfere-se um golpe muito forte, mas lento. A espadada forte é cruel e tira muita energia se acertar em cheio; um golpe bem colocado é capaz de mudar a história em lutas complicadas.

Os controles são espertos, simples, não há "super golpes", "super combos" nem outras apelações do gênero, exceto uma barra de power (que enche conforme você apanha) e quanto mais nervosinho o personagem, mais energia arranca do inimigo ao atingi-lo.

Os comandos são básicos, coisa de meia-lua + soco e afins, mas o grosso da jogabilidade está mesmo nas armas, em conseguir encaixar um golpe, tornando o combate muito técnico e até tenso.

Haohmaru enfrenta Gen-An, um misto de Freddy Kruegger com sapo
Haohmaru enfrenta Gen-An, um misto de Freddy Kruegger com... goblin?

Numa disputa de bom nível, a única chance de virar um resultado contrário é acertar um golpe forte; caso contrário, não tem mamata de "super-999-hit-combo-you-win". É preciso estar atento não só ao adversário, mas no que acontece ao redor. Volta e meia passa um cidadão gorducho jogando coisas como frangos assados que dão um pouco de energia, e bombas, que como esperado, fazem um estrago. Note também os movimentos de Kuroko, o juiz, que com bandeiras indica quem acertou golpes e venceu o combate. Em Samurai Shodown II ele faz bem mais que figuração, mas isso fica pra outra hora.

Quando os lutadores estão perto, pode haver uma disputa de força: quem perder (aperte o botão de espada bem depressa para não perder!) solta a arma, ficando em grande desvantagem: seu rival armado terá alcance muito maior.

Bônus em Samurai Shodown: cortar os bonecos de palha conforme vão aparecendo
Bônus em Samurai Shodown: cortar os bonecos de palha conforme vão aparecendo

Claro que não faltou a tradicional fase de bônus, e não dava pra copiar a Capcom colocando os lutadores pra destruir uma carroça: eles devem cortar feixes-bonecos de palha no tempo certo.

Dificuldade? Sim, obrigado.

Como outros arcades, a dificuldade é crescente, e por sinal, cresce bem. Sempre achei Samurai Shodown um dos mais difíceis de jogar contra o CPU; já a partir do terceiro combate, ele não terá piedade de entrar combinações chatas, quebrar sua defesa com chutes, emendar poderosos golpes de espada em sua fuça, e desviar insanamente de seus ataques. Após vencer o primeiro round, prepare-se para o pior no segundo, pois a moleza não será a mesma.

Se for iniciante e quiser diversão, arrume alguém pra jogar contra, ou espere lutas muito duras. Nada como um Neo-Geo AES nessa hora, senão haja ficha.

Os gráfico são muito coloridos, bem trabalhados. Uma ressalva quanto a detalhes menos bonitos, especialmente rostos: alguns me parecem exageradamente simplificados e destoantes do resto. Cenários são ricos, com animações e minúcias que passam despercebidas devido à intensidade das lutas, mas merecem atenção.

Haohmaru cortando um bambu no cenário de Jubei.
Haohmaru cortando um bambu no cenário de Jubei.

O bambuzal na luta com Jubei é um dos mais bonitos, com bambus em primeiro plano que são cortados quando alguém desfere um golpe; outros cenários também têm partes interativas, como as fogueiras na tela de Gen-An e os candelabros na luta contra Charlotte.

Efeitos como um slow motion durante o golpe forte e um som mais alto no golpe final dão aquele toque de dramaticidade. Se a vitória for decretada com uma espadada forte ou qualquer golpe especial forte de espada, é morte certa; pode ser um banho de sangue por cortar uma artéria ou até dividindo o infeliz ao meio (em vez de entranhas, saem um monte de moedas de bônus ?).

O nível de violência é acentuado, tanto que o game foi classificado para públicos maduros. O sangue jorra bem vermelho e acompanhado por um grito realista, quando estiver jogando no Neo-Geo arcade; no caseiro, foi trocado por um jato de alguma-coisa-branca, e os cortes ao meio sumiram.

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Earthquake contra Haohmaru

Jogando no modo MVS, o sangue some e dá lugar a um jato branco esquisito

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Versões de consoles reduziram a violência; até a Sega tratou de diminuir a quantidade de fatalidades no Mega Drive e Sega CD. A versão para 3DO, que manteve sangue e mortes, foi recusada por inúmeras lojas nos Estados Unidos.

A SNK caprichou com um belíssimo zoom dinâmico, que quando os lutadores se afastam, exibe um panorama da área de combate; ele é suave, melhor do que o visto em Art of Fighting, e não deixa o jogador meio desorientado quando entra em ação.

Earthquake, apesar de balofo e gigante, é um ninja
Earthquake, apesar de gordo e gigante, é um ninja

O tamanho de Earthquake é coisa pouco vista no mundo dos games. Quase da altura da tela, acabou tesourado (ou encolhido) nas versões dos 16-bit, por óbvias dificuldades técnicas que o monstro Neo-Geo não tinha.

Banquete sonoro

Sem dúvida o áudio é a melhor parte do jogo (e olha que o jogo é ótimo). Reforça a atmosfera de oriente, com um narrador de sotaque japonês carregado no começo e fim dos rounds. Os sons de espada se batendo são claros e altos, assim como efeitos e vozes, com muitas falas em japonês. Os tambores e instrumentos orientais na apresentação são de arrepiar pra quem aprecia a cultura ou só curte uns filmes de samurai.

As músicas, mesmo não sendo do tipo que grudam, seguem a linha de cada cenário, criando uma ambientação impecável. Galford chamando seu cachorro "Hey Poppy", a voz jovial e enérgica de Charlotte e os gritos e risadinha de escárnio da besta Gen-An são memoráveis, assim como ruídos em geral (barulho de feixes de palha sendo cortados, sons do salto de cada personagem, sons de estalo na fogueira, etc).

Som nota 10.

Entre os gigantes

Com tantas qualidades, ficou difícil não ser jogado e apreciado. Entre 1993 e 1994, Samurai Shodown ganhou vários prêmios de revistas especializadas, incluindo três da EGM: Melhor Game de Luta, Melhor Game do Neo-Geo e Game do Ano de 1993 (desbancando Street Fighter II X, aquele da estreia do Akuma). Tudo isso é pouco para um clássico dos que conseguiu o que parecia impossível: destacar-se num segmento tão competitivo e sem copiar demais os modelos vencedores.

Com controles simples como devem ser, um game rápido que exige atenção e mais técnica do que golpes especiais apelões, vai deixá-lo ligado tanto pela tensão de levar uma espadada fatal, quanto por todo o clima produzido ao redor do combate. É uma imersão.

Então, vá agora, pegue sua espada e comece a fatiar inimigos. Todos contra Amakusa.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, mais de mil artigos publicados, mais de dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

7 COMENTÁRIOS

  1. Lembro-me de ir escondido da minha mãe (tinha 10 anos de idade) num boteco "copo sujo", cheio de bêbados e pessoas de índole duvidosa para jogá-lo. Nunca me acostumei a chamá-lo de Shodown, sempre pronunciava, Shadow.

  2. Considero os dois primeiros da série os melhores jogos em termos de gráficos, músicas e principalmente jogabilidade...controles e golpes perfect!!!! Joguei muito no Buteco do Seu Zé, bons tempos de Samurai no Fliper!!!! valeu

  3. Ah! Samurai Shodown, a primeira vez que vi o título foi no 3º VideoGame Shopping Festival no ano de 1994 em São Paulo. Como o tempo passa. O segundo é o ápice da série, embora o quarto Samurai também seja estupendo. Dá-lhe NeoGeo MVS/AES.

    Parebéns, Daniel San ... ops! Lemes, bom review.

    • Pô, 94 então deve ter sido das primeiras máquinas. Se não me engano, só joguei Samurai entre o fim de 94 e começo de 95 - lembro que foi na época do lançamento do FIFA 95, a máquina ficava na locadora =D.
      Valeu, Hutter!

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