Análise: Black Belt foi uma das poucas boas opções de luta no Master System

O Master System (e os consoles 8-bit em geral) sofriam com a falta de bons jogos de luta. Tinha shmup, RPGs, plataformas, mas quem curtia uma violência virtual, ficava na mão. Em 1986, portanto antes de existir Double Dragon, que abriria a porteira pra outros no embalo do sucesso dos beat'em ups, as opções eram limitadíssimas.

Foi exatamente nesse ano o lançamento de Hokuto no Ken, da Sega, para Mark III, inspirado num mangá / anime homônimo que faz enorme sucesso lá no Japão. Não sou manjador do assunto, mas pelo que li, foi um dos pioneiros no estilo mais adulto de mangás, o shounen, depois evoluindo para o seinen — como o de Akira, por exemplo. Mas era quase desconhecido no Ocidente, onde ganhou o título Fist of the North Star.

Tal como a Tec Toy faria mais tarde com adaptações regionais que transformaram Wonderboy em Mônica no Castelo do Dragão ou Teddy Boy em Geraldinho, a edição americana foi repaginada. Sem direito de usar o anime desse lado do oceano (e sem interesse também), todos os elementos estéticos que faziam referência a ele como título, gráficos, personagens e ambientes foram alterados.

Os cenários pós-apocalípticos viraram cenas genéricas japonesas, inimigos punks (quase todos) se converteram em lutadores ordinários com seus quimonos comuns, e o quase-novo game foi batizado Black Belt (Faixa Preta).

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Hokuto no ken tela título

black belt tela título

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Sobrou algo do original? A jogabilidade continua intacta, e levando em conta ser um cartucho de apenas 1 megabit, coube muita coisa nele: gráficos decentes, controles excelentes e diversão e desafio máximos.

Enredo

Hokuto no Ken cover art memoriabit.com.br
Arte da versão japonesa. Como sempre, dando um pau nas ocidentais.

Essa "orientalização" na versão americana é um dos raros casos de ambientação reversa, por assim dizer. Enquanto a maioria dos games japoneses usam cenários, personagens e referências da própria cultura, Hokuto no Ken era o inverso, com uma trama típica dos autores ocidentais: mundo em caos após uma guerra nuclear, distopia, lei do mais forte, busca por água limpa, gangues, punks, sangue.

Já na América, tem tudo que se espera de um game japonês, como paisagens típicas, caratecas, aquela arquitetura japonesa em prédios de background. O protagonista, que era Kenshiro, virou Rikki, um lutador qualquer de quimono branco, numa das buscas mais antigas e clichezísticas da cultura mundial: salvar a namorada Kyoko que está com a gangue rival, sequestrada porquzzZZZzzZZZzzZZZZZzz...

Ninguém liga pra enredo mesmo, né? Se quer estorinha, vai jogar RPG; em Black Belt o negócio é soltar a mão (e o pé) na cara dos tais rivais da gangue Wang, e isso vai acontecer muito ao longo das cinco fases frenéticas e seis chefões de arrancar os cabelos.

Gráficos

No minguado espaço que o cart oferecia, passam longe de ser uma maravilha, mas ficam entre a média do seu tempo. Os fundos são simples, com um céu e algumas edificações (prédios destruídos na versão original e construções e paisagens típicas japonesas na ocidental).

Os personagens são simples e bem feitos. Alguns tiveram só uma alteração na paleta de cores, outros foram redesenhados em detalhes pequenos ou totalmente transformados.

hokuto no ken black belt characters
Os personagens japonês e ocidental, de Hokuto no Ken e Black Belt: o game mudou, mas não muito

Há falhas perceptíveis, como queda de quadros e até flicker, aquele efeito como se o sprite sumisse por uma fração de segundo, quando a tela fica muito cheia — o que acontece com frequência, já que você será perseguido por hordas de inimigos. É interessante o efeito de paralaxe criado entre o fundo e o chão, este com dois níveis de movimento em velocidades diferentes, gerando uma bela impressão de profundidade, como se o cenário estivesse bem longe. Como diria o Silvão, "bem bolado".

Alguns cenários são esquisitos, formados por padrões geométricos coloridos um pouco exagerados, especialmente nos chefes. Marcante mesmo é o efeito de explosão quando o inimigo é derrotado: os golpes de Rikki literalmente detonam o coitado, que voa em pedaços, mas sem sangue ou violência extrema; parecem feitos de plástico.

Som e efeitos

Numa primeira audição, qualquer um diria que são ruins de forma geral. Aqueles bips tão típicos dos 8-bit, que ferem ouvidos com sua agudez. Mas as melodias são tão legais que você automaticamente ignora a pobreza sonora do Master Sytem, pensando só como seriam demais se repaginadas nos 16-bit, ou mesmo numa versão melhorada com o FM do Master System japonês (não é compatível).

Pena que elas não são mais variadas, tendo uma música padrão para as fases em movimento lateral, outra para chefes e mais algumas especiais (game over, fim do jogo, etc).

Efeitos sonoros são básicos; na maior parte do tempo você só vai ouvir o som das porradas com as melodias boas de assobiar ao fundo. Tem um efeito no salto, o som de objetos arremessados pelos inimigos e mais umas poucas coisas. Nada grandioso, mas aceitável.

Controles e jogabilidade

Black Belt Hawk
Quando derrotados, os chefes levam uma surra pós-combate, quase um ultra combo de Killer Instinct. Perfeito para aliviar a ira acumulada em derrotas passadas.

Prepare-se para sofrer jogando Black Belt. As fases (ou capítulos) são compostas por duas etapas, sendo a primeira um típico sidescroll com inimigos que brotam aos porrilhões, vindos tanto pela frente quanto pelas suas costas. Eles se movem depressa e Rikki precisa eliminá-los logo (o que se consegue com 1 golpe); uma bobeada e você estará cercado por caras te espancando. No alto da tela passam itens — alcançáveis só com o salto especial — que podem ser uma invencibilidade temporária e até sushis voadores (?). Ao longo desse estágio há também subchefes, geralmente armados com espadas, porretes, etc. A maioria é fácil de derrotar.

No fim de cada fase, aí sim vem o destaque do game com os chefes principais numa luta bem ao estilo Street Fighter. Todos seguem um padrão de ação, e depois de aprendido, ficam razoavelmente fáceis de bater. Um é mais vulnerável às voadoras, outros a socos, alguns ficam desprotegidos depois do salto, e assim por diante.

Só tem um "pequeno" detalhe: a não ser que você, apelão moderno, recorra ao YouTube pra pedir ajuda, até aprender como bater os tipos, vai apanhar como cão de rua. Eles são fortes, e com meia dúzia de porradas te deixarão estirado no chão, enquanto Rikki precisa dar um monte de pancada neles pra ter o mesmo efeito. Chega a ser desesperador, desanimador, pois é aquela coisa de games antigos: três vidinhas e depois acabou, chupe este game over.

Black Belt Game Over
Game Over de Black Belt: até aprender os padrões dos chefes, prepare-se para ver esta tela muitas vezes.

Lembro que o nome Rita foi um inferno na minha infância, e ao alcançar a penúltima subchefe você vai saber o porquê... Sem falar de Wang, Oni, etc. Como recompensa, quando batidos, eles levam um tipo de "ultra combooo", um Fatality antes de desabar ou explodir. Muito dramático, sensacional, era até emocionante ver seu lutador finalizando o infeliz chefe responsável por horas de tormento.

Os controles são perfeitos. Os dois botões + direcional do Master System são suficientes para salto, salto especial, rasteira, voadoras, socos e chutes. Não espere hadoukens ou coisa do gênero; esses golpes são suficientes para garantir diversão e movimentos precisos.

Curioso é que a versão americana ficou um tanto mais fácil que a original, que não tem itens no meio da fase, além de pequena redução na velocidade dos inimigos.

Conclusão

Embora tecnicamente Black Belt não seja um show ou um desbunde de recursos, tanto por nascer numa tenra idade do Master System, quanto pelo limitado espaço que os programadores tiveram para trabalhar (entre eles um tal Yuji Naka...), eu o coloco na lista dos grandes games do nosso estimado 8-bit da Sega. Tem porrada desenfreada, muitos inimigos, variedade de ação e dificuldade na medida para manter o entretenimento — pelo menos enquanto "as manhas" dos chefes" não for decorada, depois acabou.

O fato de ser uma adaptação do japonês não comprometeu em absolutamente nada, a não ser que você conheça o mangá ou anime e seja fã. Caso contrário, se ainda não jogou, vai desfrutar de uma diversão simples; diversão e simplicidade são características que fizeram a magia de muito sucesso das antigas. Não deixe de conferir no seu Master System.

Daniel Lemes
Daniel Lemes
Fundador do MB, quase mil artigos publicados em dez anos pesquisando e escrevendo sobre games. Ex-seguista, fã de Smashing Pumpkins e Yu Suzuki.

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