Biografia Hiroshi Yamauchi

Hiroshi Yamauchi foi um executivo japonês, presidente da Nintendo por quase cinco décadas. Apenas o terceiro a assumir o posto principal desde a fundação – e último da família –, é creditado como responsável pela transformação da então fabricante regional de baralhos em bilionária do entretenimento eletrônico.

Sob sua gestão foram lançados produtos e propriedades intelectuais de sucesso global. Entre elas os consoles NES e SNES, arcades como Donkey Kong e Killer Instinct, e mascotes como Mario. Em abril de 2013, a revista Forbes estimava a fortuna pessoal de Yamauchi em US$2,1 bilhões, o que o colocava como 13º homem mais rico do Japão, e 491º do mundo. Em 2008, com a subida das ações da Nintendo pelos sucessos de Wii e DS, chegou a ser o mais rico do Japão, com US$7,8 bilhões. Foi também acionista majoritário no time de beisebol Seattle Mariners entre 1992 e 2004.

Esteve no cargo entre 1949 e 2002, sendo sucedido por Satoru Iwata. Faleceu aos 85 anos, por complicações devido a uma pneumonia, deixando três filhos.

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Infância e estudos

Yamauchi era filho de Shikanojo Inaba e Kimi Yamauchi; ela, neta do fundador da Nintendo, Fusajiro Yamauchi. O pai, oriundo de uma respeitada família de artesãos, aceitou usar o sobrenome da esposa, passando a assinar Shikanojo Yamauchi, mas misteriosamente abandonou a família em 1933. Sentindo-se em desgraça e vergonha, Kimi mudou-se da cidade com a irmã, deixando o pequeno Hiroshi ao cuidado dos avós, Sekiryo Kaneda e Tei Yamauchi. Eles o criaram com a mesma severidade que tocavam a Nintendo.

Fusajiro Yamauchi
Fusajiro Yamauchi, fundador da Nintendo e bisavô materno de Hiroshi.

Hiroshi cresceu como um menino difícil, em constante atrito com os avós. Enviado para uma escola preparatória aos 12 anos, planejava estudar Direito ou Engenharia, mas com a Segunda Guerra Mundial, sendo muito jovem para o combate, trabalhou numa fábrica de material militar. Com o fim do conflito em 1945, enfim iniciou o curso de Direito na Universidade de Waseda.

Casou-se em 1950 com Michiko Inaba (nenhuma relação com a família de seu pai), uma descendente de samurai que havia aberto um negócio em Quioto, criando peças em cloisonné. Seguindo a tradição, os pais dos noivos deveriam acertar o casamento; pela ausência dos seus, os avós arranjaram tudo. Teve três filhos; sua esposa sofreu vários abortos após o nascimento do primeiro, a menina Yoko. Sete anos depois veio Fujiko, e logo depois o menino Katsuhito.

Yamauchi parecia distante e duro com os filhos, inspirando respeito e certo medo. Embora Michiko falasse sobre seu trabalho às crianças, elas odiavam a empresa, responsável por mantê-lo tanto tempo longe de casa e da família.

Por sua vez, Yamauchi pouco soube do pai durante a infância, exceto pelos avós que o chamavam de  "desregrado" e "inútil". Foi procurado por Shikanojo anos depois, mas não quis vê-lo, e só por volta dos 30 anos soube por uma meio-irmã que havia morrido. Depois de refletir, decidiu ir a seu funeral, onde conheceu a outra família, incluindo esposa do pai e suas quatro meio-irmãs. Com a morte, Yamauchi perdoou Shikanojo pelo abandono e arrependeu-se por jamais terem se reconciliado, passando a frequentar seu túmulo com frequência.

Nintendo

Início

Sekiryo Kaneda
Sekiryo Kaneda

Em 1949, seu avô Kaneda sofreu um AVC. Como não havia sucessor imediato à presidência da Nintendo (como marido de Kimi, seria o ausente Shikanojo), ele pediu ao neto que assumisse a posição — teria que largar a faculdade para tal.

"Estaria mentindo se dissesse que estava entusiasmado sobre assumir o controle da Nintendo", disse Yamauchi em 1986*. "Eu era jovem e tinha sentimentos mistos, mas à minha frente estavam o negócio da família sem nenhuma liderança e todos os funcionários esperando para saber o que aconteceria com eles."

* The History of Nintendo: 1889-1980 by Florent Gorges and Isao Yamazaki; Pix'n Love Publishing.

Yamauchi impôs condições, como ser o único membro da família na empresa, causando a demissão de um primo. Relutante, Sekiryo aceitou, falecendo pouco depois. Yamauchi era presidente com 22 anos incompletos, e nenhuma experiência.

Novato, encontrou resistência inicial de funcionários veteranos, que questionavam sua capacidade e autoridade. Na primeira greve, Yamauchi mostrou que comandaria com pulso forte: demitiu vários deles, alguns com muitos anos de casa. Era parte de seu plano: "limpar" dos quadros empregados antigos e de pensamento conservador. Logo nos primeiros anos, mudou o nome da empresa de Yamauchi Nintendo and Co. para Nintendo Karuta (Nintendo Cartas) e estabeleceu uma nova sede em Quioto.

Seu comando era total. Tudo passava por seu crivo, desde questões executivas até o dia-a-dia das fábricas. Ele julgava o potencial de novos produtos, e só os que lhe causavam boa impressão tinham visto para seguir. Por suas convicções, a Nintendo foi a primeira a introduzir cartas ocidentais de plástico no Japão, já que jogos como pôquer e bridge não eram populares — apesar de tecnicamente ilegais, só havia liberdade para tradicionais como pachinko e corrida de cavalos. Mesmo os tipicamente japoneses como hanafuda tinham restrições de divulgação.

Mudança de público

Hiroshi Yamauchi e Roy Disney
Hiroshi Yamauchi e Roy Oliver Disney: veio o primeiro grande lucro da Nintendo, com milhares de cartas vendidas no Japão

O primeiro passo na virada da Nintendo veio de um acordo com a Disney, em 1959, para fabricar cartas plásticas de brinquedo. Yamauchi visava um novo público: famílias e crianças. O negócio foi muito bom, colocando a empresa na liderança regional.

Mas em visita de negócios aos Estados Unidos, decepcionou-se ao ver que seu ramo era extremamente limitado. De volta ao Japão, Yamauchi mudou de novo o nome da empresa, agora para Nintendo Company Limited (NCL), tornando-a pública e ficando como chairman. Era óbvia sua intenção de diversificar o negócio além das cartas. Investiu numa rede de táxis chamada Daiya, uma rede de "hotéis do amor" e uma linha de arroz instantâneo. Todos fracassaram: o arroz não era popular como os lámen, era difícil negociar com os grupos de taxistas, e embora fosse ele próprio um dos clientes assíduos de seus motéis, decidiu fechá-los.

A Nintendo esteve à beira da falência. A salvação estava em outra mudança de rumo.

Gunpei Yokoi e brinquedos

Gunpei Yokoi
Gunpei Yokoi: o primeiro gênio criativo da Nintendo

Para aproveitar o sistema de distribuição que dispunham, que alcançava lojas de departamentos e infantis, Yamauchi investiu em jogos e brinquedos. Em 1969, criou um setor simplesmente chamado "Jogos", situado num armazém nos subúrbios de Quioto. Ali foi montada sua primeira base de Pesquisa e Desenvolvimento (R&D).

Numa das fábricas de cartas, Yamauchi conheceu um jovem engenheiro de manutenção chamado Gunpei Yokoi. Ele havia projetado nas horas vagas um brinquedo: um tipo de garra mecânica com um braço extensível. Algo simples, mas que agradou o presidente. Ele ordenou que a peça fosse desenvolvida como um produto final; batizada Ultra Hand, foi um dos primeiros sucessos com assinatura da Nintendo além de cartas.

Yokoi foi promovido a principal projetista, enquanto outro funcionário cuidava das finanças no setor de "Jogos". Usando seus conhecimentos de engenharia, Yokoi projetou brinquedos com partes eletrônicas como o Love Tester, em 1969 — primeiro produto da Nintendo a ter componentes eletrônicos, segundo o inventor — e a Beam Gun, arma com efeitos luminosos.

Tudo os levava ao terreno que americanos andavam explorando: jogos que usavam o monitor da TV, os videogames.

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Color TV-Game 6: o primeiro console da Nintendo

Videogames

Precursores num mercado que só conhecia brinquedos tradicionais, como carrinhos e bonecas, Yamauchi estabeleceu seu império eletrônico no Japão. Com a queda gradual do preço de componentes, empresas estrangeiras como Atari e Magnavox investiam em videogames, chamando atenção do japonês. Contratando funcionários experientes da Sharp, licenciou direitos locais com a Magnavox, e assim a Nintendo lançou em 1977 o Color TV-Game 6, com seis variações de Pong.

Várias revisões foram lançadas. Computer TV-Game, de 1980, trouxe uma versão do primeiro arcade da Nintendo, Computer Othello, de 1978. Todos os lançamentos foram bem, mas exclusivos do Japão; Yamauchi queria a América, que experimentava um crescente aumento no faturamento dos arcades.

Sucesso mundial

minoru arakawa
Minoru Arakawa

Seu desejo era ir pessoalmente aos Estados Unidos e vencer, mas enfim preferiu enviar o genro, Minoru Arakawa, para liderar a divisão americana. Com experiência executiva, Arakawa teve mais autonomia do que colegas sem o vínculo familiar. Os dois desenvolveram boa relação, mostrando que a escolha havia sido correta.

O começo foi difícil, com o fracasso de títulos como Radar Scope, Space Fever e Sheriff. Em 1981, Yamauchi resolveu confiar em Donkey Kong, projeto de Shigeru Miyamoto — para irritação de Arakawa, incrédulo de que um novato seria o homem a criar o jogo que precisavam para conquistar os americanos. Miyamoto estava há quatro anos na Nintendo, entrando como aprendiz no setor de planejamento.

Com a estreia dos personagens Mario (ainda conhecido como Jumpman) e o macaco, o game virou febre com sua jogabilidade inovadora em plataformas. Rendeu milhões de dólares e foi clonado por concorrentes. Yamauchi acertou ao confiar no talento do jovem Miyamoto. O sucesso colocou a Nintendo de vez entre as grandes do videogame.

Shigeru Miyamoto
Miyamoto: o segundo gênio criativo da Nintendo

Para estimular a competitividade e aumentar a qualidade dos projetos, Yamauchi instituiu um método singular no mundo corporativo: em vez de promover só a cooperação, criou três times de desenvolvimento sob liderança de seus engenheiros-chefes. Os times eventualmente se ajudavam, mas principalmente concorriam entre si.

Apesar de estranho e talvez disfuncional na cultura ocidental, deu certo:

  • O R&D1, sob comando de Yokoi, desenvolveu o Game & Watch (primeiro portátil com tela LCD), games de NES como Duck Hunt e Metroid, escreveu scripts através do Team Shikamaru, e muito mais.
  • O R&D2, de Masayuki Uemura, focou em hardware, ajudando o R&D1 com games de arcade e na série Game & Watch, além de ports de arcade para NES.
  • O R&D3, liderado por Genyo Takeda, desenvolveu games como Punch-Out! (NES) e Mario's Tennis (Virtual Boy), mas ficou marcado por hardware e tecnologias, como chips de memória, componentes de Nintendo 64 e GameCube, etc.

O Game & Watch teve razoável sucesso, com distribuições no Japão e partes da Europa. Mas Yamauchi queria algo maior, de preço acessível e ao mesmo tempo, tecnologia única, que os mantivesse "incopiáveis", insuperáveis pelo maior tempo possível.

Auge NES e SNES

Masayuki Uemura
Masayuki Uemura com sua criação, o Famicom

O presidente teve inúmeras reuniões com o time de desenvolvimento liderado por Uemura, esculpindo a ideia. Pensando em agradar a família e não só entusiastas, Yamauchi descartou que o novo aparelho tivesse componentes como teclados e outros com "cara" de computador. Também rejeitou o uso de processadores 16-bit, que encareceriam o preço final. Sob essas regras, com design de Uemura, o projeto Famicom foi adiante: um console com slot de cartuchos, que inovou ao adicionar direcional similar ao do Game & Watch.

Convencido de que software era o mais importante no sucesso, Yamauchi determinou que o Famicom fosse de fácil programação. Ele pensava que só programadores não necessariamente fariam grandes jogos, mas sim artistas: o pequeno 8-bit deveria ser "o paraíso dos artistas do videogame".

A resposta pública foi excelente. Após milhões de unidades vendidas a quase US$100 cada, o Famicom seguia sem sinais de cansaço no Japão. Os games chegaram a uma qualidade inédita nos lares. A popularidade se repetiu nos Estados Unidos, lançado como NES. Sem base de engenharia, e sem jogar um game sequer, Yamauchi era a voz final sobre detalhes de cada título, baseado em pura intuição, que mostrou-se perfeita na maioria da vezes, conduzindo a Nintendo a um domínio jamais visto.

Sua personalidade gerava respeito e até pavor nos funcionários. Sua sala era vista como algo aterrorizante, num efeito similar ao das antigas diretorias escolares em crianças*.

À entrada do prédio principal havia uma grande sala de espera com o aconchego de um terminal de aeroporto, com suas filas de desconfortáveis cadeiras, bancos de plástico e mesas de canto em fórmica. Atrás de um balcão com tampo em mármore, moças de saia e guarda-pó azul-claro, algumas de chapeuzinho. Depois das paredes nuas, abria-se um labirinto de corredores de piso encerado e brilhante.

Uma porta sem identificação isolava a sala de Hiroshi Yamauchi, que um funcionário batizara de "Domínio do Cérebro-Mãe". No jogo Metroid, Cérebro-Mãe (Mother Brain) era a pulsante criatura cuspidora de lasers que atirava raios vermelhos e sobrevivia sugando toda a energia do Universo.

* Os Mestres do Jogo: Por Dentro da Nintendo, Editora Best Seller, 1993.
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Sede da Nintendo em Quioto

O console seguinte, Super Nintendo, teve sucesso inferior devido à competição feroz e inesperada do Mega Drive no Ocidente. Ainda assim, liderou com folga na terra natal, terminando num empate técnico na América e perdendo em mercados menores como Europa, América do Sul e Oceania. Yamauchi seguiu guiado por seu faro, identificando boas oportunidades pelo menos até 1994.

Fracassos e dificuldades

Em 1995, o primeiro grande erro inegável sob sua gestão foi o Virtual Boy. Yamauchi declarou que seguiriam apoiando e lançando games, mesmo diante do fracasso inegável. No ano seguinte, com a chegada do Nintendo 64, o outro foi descontinuado e tratado pela desenvolvedora como se jamais tivesse existido. O fiasco teria apressado a saída já iminente do lendário Yokoi da Nintendo (era lider do R&D 1, responsável pelo malfadado portátil).

O Virtual Boy fracassou e ainda causou desgosto em Gunpei Yokoi, o que pode ter apressado seu afastamento voluntário da Nintendo.
O Virtual Boy fracassou e ainda causou desgosto em Gunpei Yokoi, o que pode ter apressado seu afastamento voluntário da Nintendo.

Com o próprio Nintendo 64, outra falha: Yamauchi defendeu que o console usasse cartuchos, por seu tempo de carregamento mais curto e a possibilidade de adicionar chips, expandindo as possibilidades para desenvolvedores de games. Mas o tiro saiu pela culatra, pois também davam menos espaço de armazenamento em relação aos CDs; velhos e importantes parceiros, como a Square (produtora de grandes RPGs no Super Famicom), partiram para trabalhar com concorrentes.

Outra falha foi, como admitiu mais tarde, ordenar que o Nintendo 64 fosse deliberadamente difícil de programar. A intenção era desencorajar desenvolvedores menos talentosos a criar jogos de baixa qualidade — Yamauchi já não podia aprovar pessoalmente todos os jogos e pretendia assim criar um tipo de filtro. De novo, o plano deu efeito reverso: dado o sucesso dos consoles anteriores da Nintendo, third-parties estavam ansiosos pelo novo sistema e produziriam de qualquer forma, e agora sem a avaliação dele. Isso resultou numa biblioteca um tanto irregular no Nintendo 64, com jogos muito bons feitos pelos programadores da Nintendo, e outros muito ruins feitos por terceiros, que não tinham tanta intimidade técnica com a plataforma.

Em 1999, Yamauchi anunciou o início dos trabalhos do que seria mais tarde o GameCube. Por sua decisão, ele seria centrado só em games, deixando de lado outras mídias. "Se lançarmos software para o console como a Sony faz com o PlayStation 2, será um fracasso", vaticinou em 2000. Ao contrário de concorrentes que rodavam DVDs e CDs, ou tinham disco rígido, o GameCube veio com um formato próprio de disco. A proteção contra pirataria era parte fundamental no formato de negócio da Nintendo, de vender o console a preço acessível e apostar em games. Por outro lado, afastou consumidores novos, que optaram pela flexibilidade do PlayStation 2. O GameCube ficou quase restrito aos fãs já fidelizados da Nintendo.

Saída da presidência

Satoru Iwata
Satoru Iwata

Yamauchi deixou o comando da empresa em 31/05/2002, sendo sucedido por Satoro Iwata, então chefe da Divisão de Planejamento Corporativo — o ex-presidente da HAL tornou-se o quarto presidente da Nintendo e o primeiro sem laços familiares com o fundador. Outros eram mais cotados, como o vice-presidente Atsushi Asada, o grande conselheiro de Yamauchi, Hiroshi Imanishi, ou mesmo Minoru Arakawa, que comandava a Nintendo of America.

Mantendo-se como chairman por mais três anos, Yamauchi aposentou-se em definitivo em 29/06/2005, por sua idade avançada e sentir que a Nintendo estava "em boas mãos". Recusou a pensão, algo entre 9 e 14 milhões de dólares, dizendo que o dinheiro seria melhor empregado na própria Nintendo. Ainda era o maior acionista, com 10% de participação, o bastante para fazê-lo um dos homens mais ricos do Japão.

Além da Nintendo

Em 2010, Yamauchi construiu um hospital para o tratamento de câncer em Quioto, estimado em 83 milhões de dólares. À época do anúncio do Wii U, houve pouca empolgação e as ações da Nintendo caíram; Yamauchi viu sua fortuna encolher em cerca de 300 milhões de dólares.

Compra do Seattle Mariners

Hiroshi Yamauchi baseball
Figurinha de Hiroshi Yamauchi no Seattle Mariners: salvou o time, mas nunca o viu jogar.

No fim de 1991, o time de beisebol americano Seattle Mariners estava à venda. Seu dono, o magnata Jeff Smulyan, queria vendê-lo por 100 milhões de dólares, e caso não aparecesse um comprador local, ameaçava "deslocalizar" o clube, vendendo-o a investidores de outros pontos do país. O senador americano Slade Gorton sugeriu o negócio a Yamauchi, que se propôs a financiar a compra através de um grupo local de executivos.

O executivo da Major League Baseball, Fay Vincent, opunha-se radicalmente a ter um clube da liga sendo propriedade de japoneses. Vários funcionários e membros do comitê do Mariners compartilhavam do sentimento anti-Japão. Alegavam ser contra o regulamento clubes pertencentes a "estrangeiros" na liga, o que não fazia sentido pois alguns tinham direção canadense. Sob pressão de banqueiros, Smulyan chegou a negociar com executivos de St. Petersburg, na Flórida (do outro lado do país), mas a pressão da mídia e população de Seattle foi ainda maior para manter o time em casa. Enfim o negócio foi aprovado pela comissão, com a condição de que o presidente do clube continuasse um americano, mesmo que Yamauchi fosse o principal acionista.

Desde então, vários jogadores japoneses foram para a América. Ironicamente, Yamauchi nunca esteve numa partida do Mariners, nem quando excursionaram ao Japão. De quebra, a Nintendo ganhou destaque positivo em jornais e noticiários de esportes. Em 2004, ele vendeu sua participação de 55% no Mariners para a Nintendo of America. Em 2016, a Nintendo deixou de ser acionista majoritária ao vender a maior parte de suas ações para John Stanton, empresário local e seu grupo de investidores, por US$661 milhões.

No estádio do time, há uma pedra gravada com um texto de Yamauchi:

Adquiri o Seattle Mariners como um gesto de boa vontade aos cidadãos do Noroeste Pacífico. Fico satisfeito em saber que aquilo que fui pedido à fazer em 1992 tenha culminado num novo magnífico estádio. Minha esperança é que o SAFECO Field seja a casa dos Mariners por gerações vindouras.

— Hiroshi Yamauchi. Quioto, Japão. 15 de julho de 1999.

SAFECO Field yamauchi stone
Pedra e quadro na área reservada aos proprietários do clube, no estádio SAFECO Field

Legado

Yamauchi faleceu em 19/09/2013, num hospital de Quioto, por complicações de pneumonia, aos 85 anos. Ele viveu pouco mais de um ano a mais que sua esposa Michiko, falecida em julho de 2012, aos 82 anos.

A filha Yoko casou-se com Minoru Arakawa, cuja família era do ramo têxtil há gerações. O casal se estabeleceu em Nova Iorque nos anos 80, e depois no Canadá, quando ele assumiu o posto de primeiro presidente da Nintendo of America. A filha Fujiko permaneceu no Japão, onde casou-se com um médico. O filho caçula, Katsuhito, foi executivo de uma agência de propaganda chamada Dentsu, e quando criança, teria aparecido na caixa de brinquedos da Nintendo como o N&B Block Coaster.

NandB Coaster Katsuhito Yamauchi
Acredita-se que o menino na caixa do N&B Block Coaster, brinquedo da Nintendo lançado em 1968, seja Katsuhito Yamauchi.

Sob comando de Yamauchi, a Nintendo criou alguns dos maiores ícones da cultura pop da década de 90 e revelou gênios da indústria como Miyamoto e Yokoi. Sua visão intuitiva fez com o que o Famicom ganhasse a forma final aclamada pelo mundo, e moldou praticamente tudo feito depois em games.

O organograma da Nintendo, sua política de trabalho e foco no consumidor, até hoje têm heranças dos rumos apontados por Yamauchi. Pouco depois de sua morte, Iwata falou sobre o legado do presidente:

Todo o grupo Nintendo seguirá o ideal do Sr. Yamauchi ao honrar o senso de valor que ele nos ensinou, com nossa abordagem do entretenimento — que há mérito em fazer o que é diferente — e ao mesmo tempo, mudar a Nintendo de acordo com a mudança dos tempos.

Em 2014, falando sobre as características e conteúdos exclusivos da Nintendo, Iwata reafirmou que "continuaremos valorizando o lema herdado do ex-presidente Hiroshi Yamauchi: o verdadeiro valor do entretenimento está na individualidade".

Yamauchi foi autor de frases e afirmações polêmicas. Entre as mais conhecidas, disse que "jogadores de RPGs são pessoas depressivas, que sentam sozinhas em quartos escuros para jogar games lentos". Também foi crítico da postura adotada por concorrentes. Por seu estilo, acabou alvo de hoaxes. Uma das lendas conta que teria dito a Steve Ballmer, durante reunião para a venda da Nintendo (no auge da dificuldade com o GameCube) em 2005, "Hey Ballmer, why don't you suck my tiny yellow balls?*".

* traduzindo literalmente: "Ei Ballmer, por que você não chupa minhas bolinhas amarelas?"

A frase foi inventada por uma entrevista fake de um site de notícias falsas da Espanha. Scams falsos da conceituada revista Wired enganaram o site The Inquirer, que a repostou como verdadeira. A repercussão foi tanta que a Nintendo teve que dar uma declaração através de seu então chefe de relações públicas, Yasuhiro Minagawa, de que a reunião jamais aconteceu e nunca tiveram negociação com Ballmer para vender a Nintendo. "Todos na indústria estão falando daquilo e rindo," disse Minagawa na ocasião.

No mesmo sentido, outra história é que teria sugerido, pouco antes de morrer, que Iwata se suicidasse em caso de fracasso do Wii U.

[Jogadores de RPG] são gamers depressivos que sentam sozinhos em seus quartos escuros e jogam games lentos. Declaração dada em 1999. Em outra ocasião, afirmou com orgulho que jamais havia jogado um RPG.
Consumidores não estão interessados em grandes jogos com gráficos de alta qualidade, som e histórias épicas. Só quem não sabe nada do negócio de games ficaria a favor da próxima geração de máquinas enquanto as pessoas não estão interessadas em tecnologia de ponta. Em 2004, quando garantia que a Nintendo não tinha pressa em lançar o sucessor do GameCube.
O DS representa um momento crítico para o sucesso da Nintendo nos próximos dois anos: se for bem-sucedido, vamos subir ao paraíso. Se falhar, vamos afundar para o inferno. À época do lançamento do DS.
Há pessoas na indústria que não sabem nada de games. Em particular uma grande empresa americana, que está tentando encher os cofres de dinheiro, mas não acredito que se darão bem. Parece que vão vender seu console da próxima geração no ano que vem, mas vamos responder no ano seguinte. Falando da Microsoft pouco antes do lançamento do Xbox.
Games com tela dupla é minha sugestão final. Na época do lançamento do DS.

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